tag:blogger.com,1999:blog-87684014749949967192024-03-14T04:31:22.860-03:00Cultura CientíficaEspaço para discussão de temas relacionados à Ciência e à Cultura Científica.Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.comBlogger108125tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-91428619377348475542021-07-31T23:08:00.002-03:002022-07-08T11:45:23.299-03:00A prova matemática definitiva de que a eleição presidencial de 2018 foi fraudada<p style="text-align: justify;">O presidente Bolsonaro <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/07/21/bolsonaro-volta-a-dizer-que-apresentara-provas-de-fraude-nas-eleicoes-de-2014">anunciou</a> que tinha provas de fraude nas eleições de 2014. Segundo um vídeo divulgado por Naomi Yamaguchi, a existência de um padrão nos números comprova que "esses números foram frutos de uma fórmula matemática". A "variação do incremento" minuto a minuto mostra um padrão de alteração Dilma/Aécio por 241 vezes ao longo da apuração. Ainda segundo o vídeo, a chance disso acontecer em termos de probabilidade é 1 em 10<sup>72</sup>, um número maior que a quantidade de átomos na galáxia. Isso só pode ser resultado de fraude. Parte da sequência suspeitíssima aparece no vídeo.</p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-HkO595QQfNQ/YQXoUKWrk4I/AAAAAAABy2o/iLofEet3ZxgdCJxRNidcSSno6SCn-i23gCLcBGAsYHQ/s2048/Planilha2014.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><i><img border="0" data-original-height="1149" data-original-width="2048" height="180" src="https://1.bp.blogspot.com/-HkO595QQfNQ/YQXoUKWrk4I/AAAAAAABy2o/iLofEet3ZxgdCJxRNidcSSno6SCn-i23gCLcBGAsYHQ/s320/Planilha2014.png" width="320" /></i></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>Imagem do vídeo de Naomi Yamaguchi mostrando a "improvável" sequência </i><i style="text-align: left;">da "variação do incremento" minuto a minuto com alternância </i><i style="text-align: left;">Dilma/Aécio na frente na apuração da eleição de 2014.</i></td></tr></tbody></table><p style="text-align: justify;">Além disso, a mesma análise mostrou que os números da totalização violavam de forma escandalosa a lei de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Benford%27s_law">Benford</a>, a famosa lei do primeiro algarismo que já foi usada muitas vezes para desbancar fraudes financeiras. Em lugar de mostrar as incidências previstas pela lei de Benford, os gráficos produzidos na análise usando os dados da eleição de 2014 mostram picos suspeitos em torno do algarismo 5 para os dois candidatos.</p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-MzXR9g1WpP4/YQXpzbWTYFI/AAAAAAABy2w/r-nQTucUOfgNQEiQsS1K0KY-lM4QUQ97QCLcBGAsYHQ/s2048/Benford2014.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1049" data-original-width="2048" height="164" src="https://1.bp.blogspot.com/-MzXR9g1WpP4/YQXpzbWTYFI/AAAAAAABy2w/r-nQTucUOfgNQEiQsS1K0KY-lM4QUQ97QCLcBGAsYHQ/s320/Benford2014.png" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Imagem do vídeo de Naomi Yamaguchi mostrando de forma inequívoca a violação da lei de Benford. as curvas apresentam os picos em torno de 5 em lugar da distribuição à direita.</td></tr></tbody></table><p style="text-align: justify;">O vídeo, produzido entre o primeiro e o segundo turnos da eleição de 2018, chega à única conclusão possível diante das evidências: <b>houve 100% de chance das eleições de 2014 terem sido fraudadas</b>. O vídeo ainda é taxativo: em 2018, há um risco muito grande da fraude se repetir.</p><p style="text-align: justify;">O Cultura Científica, sempre ciente de sua responsabilidade em relação a uma denúncia tão grave como essa, vai comprovar os piores temores de Naomi e seu interlocutor: usando a mesma planilha que o vídeo usou, gentilmente tornada <a href="https://docs.google.com/spreadsheets/d/1x0bbN4TT2Vt9RntG3n6x2kL2dkxOvvCGBDqOOkub7zw/edit#gid=831490161">pública</a> por Conrado Gouvêa, aplicando os dados do segundo turno de 2018 e exatamente o mesmo raciocínio do vídeo, provaremos definitivamente que a eleição de 2018 foi fraudada da mesma forma que a de 2014.</p><p style="text-align: justify;">Os dados da apuração minuto a minuto de 2018 foram publicados pelo <a href="https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/11/01/bolsonaro-chegou-a-ter-62-dos-votos-validos-durante-a-apuracao-haddad-liderou-por-10-minutos.ghtml">G1</a>, mesma fonte usada no vídeo.</p><p style="text-align: justify;">Eu substituí os dados de 2014 pelos de 2018 para investigar se houve fraude novamente em 2018. A <a href="https://docs.google.com/spreadsheets/d/1QVFph0ZwmsJTtFYbQkMgJft2TUn01uftT_PTv7W6WDs/edit?usp=sharing">planilha completa</a> é pública e pode ser consultada. O resultado é assustador. </p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-YBJD7ppM6c0/YQXthZc5_nI/AAAAAAABy24/FsOG_qVR4TsqnleTsOO0l2dAVXKqlswAQCLcBGAsYHQ/s1125/Planilha2018.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1105" data-original-width="1125" height="314" src="https://1.bp.blogspot.com/-YBJD7ppM6c0/YQXthZc5_nI/AAAAAAABy24/FsOG_qVR4TsqnleTsOO0l2dAVXKqlswAQCLcBGAsYHQ/s320/Planilha2018.png" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Planilha idêntica à usada para provar a fraude nas eleições de 2014 aplicada às eleições de 2018. Tirem suas próprias conclusões, como costuma afirmar um digno vereador do Rio de Janeiro.<br /></td></tr></tbody></table><p style="text-align: justify;">Em 2018 a "variação do incremento" minuto a minuto mostra um padrão de alteração Bolsonaro/Haddad 284 vezes. 43 vezes mais do que em 2014. A chance disso acontecer em termos de probabilidade é 1 em 10<sup>85</sup>, mais do que o número <a href="https://educationblog.oup.com/secondary/maths/numbers-of-atoms-in-the-universe">estimado</a> de átomos no universo! Dessa vez foi pior que em 2014, quando ficamos satisfeitos com o número total de átomos na galáxia.</p><p style="text-align: justify;">Apesar do vídeo mencionar que estaria havendo uma melhoria em relação à lei de Benford em 2018, os resultado continuam muito suspeitos. Em lugar das curvas decrescerem monotonicamente como esperado, há um pico no dígito 4 para Haddad e no 5 para Bolsonaro.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-wr95JNNNgBs/YQXzSMEpDgI/AAAAAAABy3A/EnXQuHfF9ekM-Fu0fZ6nBmeTPWxL3EoUQCLcBGAsYHQ/s600/Benford%2BHaddad.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="371" data-original-width="600" height="198" src="https://1.bp.blogspot.com/-wr95JNNNgBs/YQXzSMEpDgI/AAAAAAABy3A/EnXQuHfF9ekM-Fu0fZ6nBmeTPWxL3EoUQCLcBGAsYHQ/s320/Benford%2BHaddad.png" width="320" /></a></div><a href="https://1.bp.blogspot.com/-vhaLUzgZDKM/YQXzSDwTInI/AAAAAAABy3E/rcuuUum0nHckkU19vicaTg_2scTZ8-T-ACLcBGAsYHQ/s600/Benford%2BBolsonaro.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="371" data-original-width="600" height="198" src="https://1.bp.blogspot.com/-vhaLUzgZDKM/YQXzSDwTInI/AAAAAAABy3E/rcuuUum0nHckkU19vicaTg_2scTZ8-T-ACLcBGAsYHQ/s320/Benford%2BBolsonaro.png" width="320" /></a></div>Esses dados só permitem uma conclusão:<div><h3 style="text-align: justify;">Se as eleições de 2014 foram fraudadas, as eleições de 2018 também foram.</h3>Será?</div><div><br /></div><div style="text-align: justify;">Claro que não. Todo o raciocínio apresentado até aqui está completamente errado. Bolsonaro não tem prova alguma de fraude e tudo o que vem afirmando sobre o assunto é mentira e desinformação.</div><div><br /></div><div>Esse texto é o terceiro de uma série sobre o assunto. Para quem quem quer se aprofundar no assunto recomendo a leitura do <a href="http://ccientifica.blogspot.com/2021/07/a-eleicao-de-2014-e-os-271-atomos-do.html">primeiro</a>, do <a href="http://ccientifica.blogspot.com/2021/07/a-historia-completa-dos-271-atomos-ou.html">segundo</a> e também do <a href="https://conradoplg.medium.com/comprovando-que-bolsonaro-est%C3%A1-mentindo-sobre-a-suposta-fraude-das-elei%C3%A7%C3%B5es-de-2014-542a2dab373a">detalhamento</a> feito pelo Conrado Gouvêa.</div><div>Esse assunto envolve 4 mentiras:</div><div><ol style="text-align: left;"><li style="text-align: justify;">Padrão oscilatório do "incremento da variação" minuto a minuto não é prova de fraude, mas das oscilações estatísticas me torno dos números totalizados. Algum padrão vai ocorrer, mas não podemos prever qual. Qualquer sequência Bolsonaro/Haddad é igualmente provável, com ou sem regularidade.</li><li style="text-align: justify;">A forma de obter o "incremento da variação" está errado, sempre resultando em padrão oscilatório independentemente dos números usados na planilha. É por isso que ele aparece na eleição de 2014, na de 2018 e em qualquer outra eleição envolvendo dois candidatos.</li><li style="text-align: justify;">A lei de Benford precisa ser modificada para <a href="https://www.cambridge.org/core/journals/political-analysis/article/benfords-law-and-the-detection-of-election-fraud/3B1D64E822371C461AF3C61CE91AAF6D">eleições</a> envolvendo dois candidatos. Os dígitos mais prováveis em casos em que os números só cubram uma ordem de grandeza são 4, 5 ou 6.</li><li style="text-align: justify;">O autor da planilha aplica a lei de Benford de forma equivocada, usando os números totalizados em lugar de cada incremento. Como pelas 18:43 Bolsonaro passou de 50 milhões e Haddad de 40 milhões e continuaram com esse primeiro dígito até o final da contagem, é óbvio que Haddad deve te rum pico em 4 e Bolsonaro em 5. O autor não entendeu o que significa a lei de Benford.</li></ol></div><div><div style="text-align: justify;">A única fraude nessa história é a análise mal feita, usando um modelo delirante e cálculos errados que sempre resultam num padrão oscilatório. É tão primário que fico em dúvida se quem fez é realmente incompetente ou se fez a planilha errada de propósito só para enganar uma massa pouco instruída e propensa a acreditar em qualquer coisa que seu líder afirma.</div><div style="text-align: justify;"><span style="text-align: left;">Infelizmente esse tipo de fraude não é uma raridade no governo atual.</span></div></div><div style="text-align: justify;"><span style="text-align: left;">Em sua live de 29/07/2021 depois de 2:02h de vídeo </span><span style="text-align: left;">Bolsonaro</span><span style="text-align: left;"> afirmou </span><span style="text-align: left;">que determinou ao Ministro da Justiça que solicite à <a href="https://www.gov.br/pf/pt-br">Polícia Federal</a> uma investigação sobre as eleições de 2014.</span></div><div style="text-align: left;">Caso a Polícia confirme a fraude na eleição de 2014 o mínimo que deve fazer é anular as de 2018 por exatamente a mesma fraude.</div>Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-70381997168414289232021-07-29T12:11:00.005-03:002021-07-31T23:22:16.879-03:00A história completa dos 271 átomos (ou serão 241?) e da fraude que não existiu nas eleições de 2014<p style="text-align: justify;"><i>Update (31/7/2021): Ao preparar <a href="http://ccientifica.blogspot.com/2021/07/a-prova-matematica-definitiva-de-que.html">outro</a> post me dei conta de que o astrólogo Chut não é a pessoa que apresenta as "evidências" mas só corrobora os resultados. Como isso não altera as conclusões do texto, manterei como está.</i></p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">Astrólogos são pessoas muito interessantes. Eles acreditam que a posição dos astros influencia ou mesmo define as ações e relações humanas, mesmo não havendo nenhum mecanismo plausível para isso. Eu tenho um profundo fascínio pelo tipo de mecanismo mental que causa esse tipo de crença. Ela faz com que eles encontrem relações entre eventos mesmo que obviamente elas não existam, e buscam basear suas crenças em rigorosos cálculos matemáticos. O uso da matemática e de mapas do céu passa a impressão de que as relações que eles usam estão corretas. Aqui mostrarei que essa vontade de encontrar correlações aliada a pouca intimidade com tratamento de dados pode ter consequências nefastas.</p><p style="text-align: justify;">Depois do post sobre os <a href="http://ccientifica.blogspot.com/2021/07/a-eleicao-de-2014-e-os-271-atomos-do.html">271 átomos</a> do presidente muita informação apareceu. Eu recomendo escutar o aparte do <a href="https://www.central3.com.br/dias-928-929-e-930-sitzkrieg-17-18-e-19-07-21/">Medo e Delírio em Brasília dos dias 928, 929 e 930</a> e ler o excelente <a href="https://conradoplg.medium.com/comprovando-que-bolsonaro-est%C3%A1-mentindo-sobre-a-suposta-fraude-das-elei%C3%A7%C3%B5es-de-2014-542a2dab373a">texto</a> de Conrado Gouvêa.</p><p style="text-align: justify;">Neste post mostrarei que as provas de fraude nas eleições de 2014 que o presidente Bolsonaro promete apresentar são resultado de uma teoria delirante de um astrólogo seguida de erros grosseiros de cálculos. O presidente assistiu o vídeo e não entendeu quase nada, mas tem apontado suas conclusões como prova definitiva de fraude nas eleições de 2014.</p><p style="text-align: justify;">A teoria está exposta por seu autor, o astrólogo Alexandre Chut, num vídeo feito por Naomi Yamaguchi, irmã da top cloroquiner Nise Yamaguchi. Vale a pena assistir até o fim. É um amontoado de bobagens.</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><iframe allowfullscreen="" class="BLOG_video_class" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/tmX8XOw1Rpw" width="320" youtube-src-id="tmX8XOw1Rpw"></iframe></div><br /><p>Ele usa dois argumentos igualmente errados:</p><p></p><ol style="text-align: left;"><li style="text-align: justify;">Uma suposta série regular de alterações na variação da variação (em termos técnicos, a segunda derivada do número de votos totalizados em relação ao tempo). Segundo o astrólogo essa segunda derivada variou de forma regular 241 vezes seguidas ao longo da apuração.</li><li>Uma suposta violação da <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Benford%27s_law">lei de Benford</a>.</li></ol><div style="text-align: justify;">O presidente Bolsonaro assistiu o vídeo e entendeu tudo errado. Isso não é uma surpresa dada sua notória limitação intelectual e cognitiva. Segundo o presidente:</div><div><ol style="text-align: left;"><li style="text-align: justify;">A imprensa "obviamente não teve acesso" aos dados parciais minuto a minuto. Na verdade os dados foram obtidos do <a href="http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/blog/eleicao-em-numeros/post/dilma-superou-votacao-de-aecio-19h32-veja-grafico.html">G1</a>.</li><li style="text-align: justify;">O líder na totalização mudou a cada minuto depois que os parciais se cruzaram. Isso é obviamente falso, como mostrei no <a href="http://ccientifica.blogspot.com/2021/07/a-eleicao-de-2014-e-os-271-atomos-do.html">post anterior</a>.</li><li style="text-align: justify;">Ele confundiu 241 com 271, o que não é muito grave. Confundiu também a quantidade de átomos na terra com a via láctea, o que se por um lado é grave em termos numéricos não é grave para sustentar seu argumento.</li></ol><div style="text-align: justify;">Grave é acreditar numa teoria mirabolante sem ao menos conferir os cálculos (tenho dúvidas se o presidente conseguiria) e tentar enganar o país inteiro</div><div>.</div></div><h2 style="text-align: justify;">1. A suposta oscilação regular da variação da variação dos votos (você não leu errado, é variação da variação mesmo)</h2><div style="text-align: justify;">Vamos tentar entender cada argumento de Chut. Ele tabulou as parciais minuto a minuto, calculou sua variação no tempo (a velocidade de contagem) e a variação da variação (a aceleração da contagem). </div><div style="text-align: justify;">Não existe motivo nenhum para a contagem, a velocidade ou a aceleração terem algum padrão. Elas dependem somente da ordem na qual as urnas vão sendo totalizadas. Segundo Chut, a aceleração variar num padrão seria indício de fraude. Ele afirma que a cada minuto o valor da aceleração muda, o que é esperado e mais que isso alterna tendo Dilma o valor maior num minuto, Aécio um valor maior no minuto seguinte. Segundo ele, isso aconteceu 241 vezes e a chance de obter essa regularidade ao acaso é 1/2<sup>240</sup> que corresponde aproximadamente 1/2x10<sup>72</sup>. Nossa galáxia tem <a href="https://educationblog.oup.com/secondary/maths/numbers-of-atoms-in-the-universe">aproximadamente</a> 10<sup>67</sup> átomos, de forma que o inverso da chance disso acontecer é efetivamente comparável ao número de átomos na galáxia. Isso significa algo? <b>Não</b>.</div><div style="text-align: justify;">A chance de obtermos qualquer sequência particular de cara/coroa jogando uma moeda 241 vezes é a mesma. Portanto, alguma sequência ocorreria de qualquer forma. A chance de inversão da maior aceleração a cada minuto é precisamente a mesma de isso ocorrer a casa 2 minutos, ou 5, ou nenhuma vez, ou qualquer outra combinação. Se pudéssemos adivinhar combinações aleatórias a loteria não teria a menor graça. A chance de o resultado da mega-sena ser 01-02-03-04-05-06 é precisamente a mesma de ser 05-16-25-36-42-44. A diferença é que essa combinação foi sorteada. Antes de sabermos o resultado não tínhamos como adivinhar. Ou seja, uma determinada combinação de qual aceleração é maior não pode ser considerada evidência de fraude. Mas a situação é pior. Ao contrário do que Chut afirmou, isso não ocorreu.</div><div><div style="text-align: justify;">Nas figuras abaixo eu reproduzo o total de votos, a velocidade e a aceleração da contagem durante todo o período de apuração. Qualquer estudante que já tenha feito esse tipo de medida com a posição de um carrinho se deparou com algo parecido. Pequenas variações na posição viram ruído na velocidade e ainda mais ruído na aceleração. Até aí nada de estranho.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-KY1HIIa-Wp4/YQIoNEXWBwI/AAAAAAABy1A/58Gp-4-Tef8WbA5xYXJG-OjD58iPBrGTgCLcBGAsYHQ/s913/total.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="625" data-original-width="913" height="219" src="https://1.bp.blogspot.com/-KY1HIIa-Wp4/YQIoNEXWBwI/AAAAAAABy1A/58Gp-4-Tef8WbA5xYXJG-OjD58iPBrGTgCLcBGAsYHQ/w320-h219/total.png" width="320" /></a></div></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-kwRoj9tSsaE/YQIoWuQhiZI/AAAAAAABy1E/H0IGHq6gXNwKp2onR4AIQbZ1pEJuT3vtACLcBGAsYHQ/s913/velocidade.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="660" data-original-width="913" height="230" src="https://1.bp.blogspot.com/-kwRoj9tSsaE/YQIoWuQhiZI/AAAAAAABy1E/H0IGHq6gXNwKp2onR4AIQbZ1pEJuT3vtACLcBGAsYHQ/w320-h230/velocidade.png" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-ZmFrHPdZX7I/YQIoMzi9vgI/AAAAAAABy04/xOHWaTJSdg0IVO95XwDQ0JtB18YKLk-3wCLcBGAsYHQ/s913/acelera%25C3%25A7%25C3%25A3o.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="660" data-original-width="913" height="230" src="https://1.bp.blogspot.com/-ZmFrHPdZX7I/YQIoMzi9vgI/AAAAAAABy04/xOHWaTJSdg0IVO95XwDQ0JtB18YKLk-3wCLcBGAsYHQ/w320-h230/acelera%25C3%25A7%25C3%25A3o.png" width="320" /></a></div><br /><div style="text-align: justify;">Acontece que Chut afirma que o valor da aceleração varia de forma regular minuto a minuto. Para verificar isso coloquei o gráfico da aceleração em uma escala maior, que torna mais fácil a visualização. </div><div><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-4kntzW4x6MI/YQIrEdrtb4I/AAAAAAABy1g/5WctSl80r6UFOhk86sKZIM7uwN5W8eMFQCLcBGAsYHQ/s913/acelera%25C3%25A7%25C3%25A3o2.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="660" data-original-width="913" src="https://1.bp.blogspot.com/-4kntzW4x6MI/YQIrEdrtb4I/AAAAAAABy1g/5WctSl80r6UFOhk86sKZIM7uwN5W8eMFQCLcBGAsYHQ/s320/acelera%25C3%25A7%25C3%25A3o2.png" width="320" /></a></div><div style="text-align: justify;">Olhando com atenção notamos que a aceleração de Dilma e Aécio variam de forma ruidosa, sem nenhum padrão definido. A afirmação de Chut não é verdadeira.</div><div><h3 style="text-align: justify;">Não é correto afirmar que a variação da variação da contagem de votos oscila regularmente de minuto a minuto por 241 minutos.</h3><div style="text-align: justify;">Não que isso tivesse algum significado, mas não ocorre. Ao longo dos 489 minutos que a apuração durou, a aceleração dos dados mudou de líder 219 e não 241 vezes como afirma Chut.</div><div style="text-align: justify;">Nesse ponto me deparei com a <a href="https://conradoplg.medium.com/comprovando-que-bolsonaro-est%C3%A1-mentindo-sobre-a-suposta-fraude-das-elei%C3%A7%C3%B5es-de-2014-542a2dab373a">excelente análise</a> feita pelo Conrado Gouvêa.</div><div style="text-align: justify;">Conrado se deu conta de que por algum motivo desconhecido Chut definiu e calculou a aceleração da apuração de uma forma que não corresponde ao que ele falou no vídeo. Na verdade usou fórmulas que não calculam a aceleração. As fórmula estão tão erradas que a aceleração de Chut nem tem dimensão de aceleração [voto/min<sup>2</sup>], mas de [voto], e ele ainda transformou o resultado em porcentagem. Com as fórmulas de Chut, descritas em detalhe no texto do Conrado, as linhas pares da Dilma representam o valor parcial percentual até aquele momento e nas linhas ímpares seu complemento, ou seja, o que falta para atingir 100%. Para Aécio ocorre o contrário: as linhas ímpares representam o percentual até aquela linha, as pares o complemento. Como só tem 2 candidatos, uma vez que os números parciais se estabilizam é óbvio que teremos numa linha Dilma na frente, na outra Aécio na frente. Isso está mostrado na figura abaixo para o mesmo intervalo da figura anterior.</div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-LPqwCFw4938/YQI8jvzYcJI/AAAAAAABy1s/6E_TCIHGaNYVYUwZNBeoUetd-QjCCKl1wCLcBGAsYHQ/s913/chut.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="660" data-original-width="913" src="https://1.bp.blogspot.com/-LPqwCFw4938/YQI8jvzYcJI/AAAAAAABy1s/6E_TCIHGaNYVYUwZNBeoUetd-QjCCKl1wCLcBGAsYHQ/s320/chut.png" width="320" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">Esse resultado não poderia ser diferente dada a forma como é obtido. Para mostrar isso de forma radical, Conrado criou uma planilha semelhante com números aleatórios de votos a cada intervalo e obteve o mesmo resultado. Um modelo matemático que sempre dá o mesmo resultado, independente dos dados de entrada não pode estar certo.</div><h3 style="clear: both; text-align: justify;">Chut enunciou uma teoria sem fundamento (Um padrão oscilatório regular da aceleração das contagens a cada minuto seria evidência de fraude). Demonstrando pouca intimidade com processamento de dados, calculou errado as acelerações obtendo valores oscilatórios. Com o método que usou para tratar os dados, qualquer distribuição de votos daria o mesmo resultado.</h3><div style="clear: both; text-align: justify;"><span style="font-weight: normal;">Chut afirma que isso prova uma fraude. Não prova nada além da sua incapacidade para tratar dados.</span></div><h2>2. Lei de Benford</h2><div>A lei de Benford ou lei do primeiro dígito resulta de uma observação muito interessante: quando enumeramos uma quantidade com várias ordens de grandeza, ou seja, envolvendo números com 1, 2, 3, 4 dígitos há uma ocorrência maior de algarismos menores do que maiores no primeiro dígito. Isso tem uma razão simples: quando por algum motivo uma sequência é interrompida, há maior chance de termos contado números baixos. Imagine por exemplo a numeração de casas nas ruas. Elas vão sendo enumeradas até que a rua termine. Imaginemos uma rua curta, com 5 casas com números 1, 2, 3, 4, 5. Outra mais longa, com 45 casas, numeradas 1, 2, ..., 44, 45. Outra com 358 casas numeradas: 1, 2, ...., 357, 358. Se olharmos todas as ruas da cidade, cerca de 30% dos números das casas começa com 1, 17% começa com 2, e essas percentagens vão diminuindo até que menos que 5% dos números das casas começa com 9. A lei de Benford se aplica a casos em que contamos uma grandeza que varia algumas ordens de grandeza. uma rua pode ter entre uma e milhares de casas. Números de casas. Saldos bancários de todos os correntistas de um banco, que podem variar entre R$ 1 e alguns milhões. No caso de bancos, distribuições de saldos que não seguem a lei de Benford foram usadas para detectar <a href="https://www.journalofaccountancy.com/issues/2017/apr/excel-and-benfords-law-to-detect-fraud.html">fraudes</a>. </div><div>A lei de Benford, no entanto, não se aplica em casos em que as distribuições de números não cobrem ordens de grandeza. Esse é o caso de urnas em eleições. Como os eleitores são agrupados em seções com mais ou menos o mesmo tamanho, os números de votos não cobrem várias ordens de grandeza.</div><div>Houve uma <a href="https://youtu.be/DoF3WS42w3M">acusação</a> de fraude nas eleições americanas de 2020 com base na lei de Benford onde ela não pode ser aplicada: resultados parciais de urnas em que os votos de cada distrito variam entre 100 e 1000, somente uma ordem de grandeza. A acusação foi refutada num <a href="https://youtu.be/etx0k1nLn78">vídeo</a> bem didático. A lei de Benford precisa ser modificada.</div><div> em íde, havendo inclusive <a href="https://www.cambridge.org/core/journals/political-analysis/article/benfords-law-and-the-detection-of-election-fraud/3B1D64E822371C461AF3C61CE91AAF6D">artigos científicos</a> explicando porque não se pode aplicar a lei de Benford a eleições.</div><h3>Chut dessa vez nem errado está.</h3><div>Na sua tentativa de aplicar a lei de Benford, em lugar de buscar uma distribuição de dígitos nos resultados parciais, ou seja, na velocidade com que os dados chegavam, ele fez um histograma dos resultados totalizados minuto a minuto. Se olhamos o gráfico dos votos, perto das 19:40h, ou seja, depois de aproximadamente 1/4 do tempo total de contagem, os números se estabilizaram em torno de 50 milhões de votos pada cada candidato. Não é surpreendente que 5 seja o dígito que mais aparece para os dois candidatos como ele mostrou, dado que esse foi o primeiro dígito 3/4 do tempo. Também a ocorrência de 6, 7, 8, e 9 é praticamente zero. Os gráficos mostrados por Chut no vídeo estão na figura abaixo, junto com a curva esperada pela lei de Benford.</div><div><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-vTdnDB2lHOk/YQK5dSm81KI/AAAAAAABy10/yd9nJYZY1m8hdBs8H_fGG1aS3XFzTj7aQCLcBGAsYHQ/s913/benfordchut.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="661" data-original-width="913" height="232" src="https://1.bp.blogspot.com/-vTdnDB2lHOk/YQK5dSm81KI/AAAAAAABy10/yd9nJYZY1m8hdBs8H_fGG1aS3XFzTj7aQCLcBGAsYHQ/s320/benfordchut.png" width="320" /></a></div><br /><div><br /></div><div>Pelos motivos mencionados acima a curva não segue a distribuição de Benford. Nem teria como.</div><div>Se Chut tivesse feito o gráfico certo, considerando a distribuição de votos que chegavam minuto a minuto ele teria encontrado a distribuição abaixo.</div><div><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-FB3qZreqaFA/YQK8Om0ChoI/AAAAAAABy18/kaw8srtzgqMy_bYxdTDuDrGdx6yMGGI8QCLcBGAsYHQ/s913/benfordcorreto.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="661" data-original-width="913" height="232" src="https://1.bp.blogspot.com/-FB3qZreqaFA/YQK8Om0ChoI/AAAAAAABy18/kaw8srtzgqMy_bYxdTDuDrGdx6yMGGI8QCLcBGAsYHQ/s320/benfordcorreto.png" width="320" /></a></div><br /><div>Ainda assim a curva não segue exatamente a distribuição de Benford. A explicação está no <a href="https://www.cambridge.org/core/journals/political-analysis/article/benfords-law-and-the-detection-of-election-fraud/3B1D64E822371C461AF3C61CE91AAF6D">artigo científico</a> que trata da lei de Benford e eleições: </div><blockquote><div><i>"Numa eleição envolvendo dois candidatos em distritos onde a magnitude da contagem varia entre 100 e 1000, o primeiro dígito modal para a contagem de votos de cada candidato não será 1 ou 2, mas na verdade 4, 5 ou 6."</i></div></blockquote><p>No nosso gráfico o primeiro dígito modal, ou seja, com maior incidência é 3 seguido de 1 para Dilma e 1 seguido de 4 para Aécio. A explicação para isso está no gráfico da velocidade. Ela não cobre muitas ordens de grandeza. A maior parte do tempo as velocidades ficaram entre 100 e 500 mil votos/minuto, em lugar de entre 100 e 1000, com a distribuição de Dilma mais larga. Isso obviamente faz a distribuição pender para números menores, justificando as anomalias em 3 e 4 observadas </p><h3>Chut usou a lei de Benford original onde ela deveria ter sido modificada. E ainda assim usou mais uma vez valores errados, reforçando sua dificuldade com tratamento de dados.</h3><h2>3. Conclusões</h2><div>A prova matemática definitiva de fraude na eleição de 2014 apresentada por Bolsonaro não prova nada. Ela deriva de um modelo sem base científica e de erros graves no tratamento dos dados. Aparentemente o astrólogo Alexandre Chut, responsável pelo modelo e pelos cálculos, pode saber muito de astrologia mas tem pouca intimidade com processamento elementar de dados. A forma como calculou a variação da variação do número de votos está errada. Ela sempre leva ao mesmo resultado, não importando a distribuição de votos de entrada. A aplicação da lei de Benford, que não se aplica a eleições, foi ainda mais errada considerando os votos totais a cada minuto em lugar de considerar o número de votos enviados a cada minuto e desconsiderando as correções necessárias para o caso de eleições de 2 candidatos.</div><div>Bolsonaro como sempre não entendeu nada e se limita a repetir as conclusões erradas de um modelo delirante seguido de erros de processamento.</div><div>É um erro duplo. O modelo está errado e mesmo que estivesse certo os dados não demontram o que o autor afirma.</div><h3>Não há prova científica ou matemática de fraude nas eleições de 2014.</h3><div>Qualquer afirmação diferente dessa não passa de um chute.</div><div><br /></div><div><br /></div></div></div>Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com0Campinas - State of São Paulo, Brazil-22.9050824 -47.0613327-54.871071333154177 -82.217582700000008 9.0609065331541778 -11.905082700000001tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-16081299402857093862021-07-11T21:39:00.000-03:002021-07-11T21:39:29.033-03:00A eleição de 2014 e os 271 átomos do presidente<p style="text-align: justify;">Em várias ocasiões o presidente Bolsonaro <a href="https://www.poder360.com.br/eleicoes/entenda-por-que-bolsonaro-acha-que-houve-fraude-na-eleicao-de-2018/">afirmou</a> que as eleições com urna eletrônica, como a que ele mesmo ganhou em 2018, foram fraudadas. Ele afirmou ter <a href="https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2021/03/11/bolsonaro-fraude-eleicao-2018-provas-lei-acesso.htm">provas da fraude</a> mas nunca as tornou públicas. Recentemente passou a apontar fraudes também nas eleições de 2014, vencidas no segundo turno por Dilma Rousseff contra Aécio Neves. O próprio <a href="https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/07/09/interna_politica,1284983/eleicoes-aecio-neves-afirma-nao-acreditar-em-fraudes-nas-urnas-em-2014.shtml">Aécio</a> e seu vice, <a href="https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/07/a-eleicao-foi-limpa-nos-perdemos-porque-faltou-voto-diz-vice-de-aecio-apos-fala-sem-provas-de-bolsonaro.shtml">Aloysio Nunes Ferreira</a>, negam a possibilidade de fraude.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"> <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><iframe allowfullscreen="" class="BLOG_video_class" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/CegH2eUPC5M" width="320" youtube-src-id="CegH2eUPC5M"></iframe></div><br /></div><p style="text-align: justify;"><br /></p>Em uma entrevista em seu cercadinho em 9/7/2021, o presidente apresentou o que considera as provas da suposta fraude.<p></p><blockquote><p style="text-align: justify;">Em 2014 se mostrou apuração minuto-a-minuto. Obviamente vocês não tiveram acesso. No minuto a minuto no segundo turno, o Aécio Neves começou lá em cima e Dilma lá em baixo. Com o tempo as curvas foram se cruzando até que se estabilizaram na horizontal com a Dilma na frente. Agora, no minuto a minuto, por 271 vezes consecutivas, dá para imaginar 271 vezes minuto a minuto? Dá quatro horas e pouco, minuto-a-minuto. Depois que as curvas se tocaram ou mesmo antes de se tocarem era Aécio ganhou, Dilma ganhou, Aécio ganhou, Dilma ganhou, Aécio ganhou, por 271 vezes. É como vocês jogarem uma moeda 271 vezes para cima e dar cara, coroa, cara, coroa, cara, coroa... Isso deve ser a quantidade de átomos aqui na Terra. Então isso é fraude. É fraude. É roubalheira.</p></blockquote><p style="text-align: justify;">Vamos agora entender o que o presidente quis dizer e porque sua "prova" de fraude não faz sentido. Provavelmente alguém fez a conta para o presidente, ele não entendeu nada e repetiu o que entendeu. Eu imagino que mesmo uma pessoa com dificuldades cognitivas deve saber que o planeta Terra tem mais de 271 átomos. É difícil sabermos com precisão quantos átomos temos na terra, mas todos sabemos que átomos são muto pequenos e certamente o planeta tem mais de 271 átomos. Uma boa <a href="https://www.fnal.gov/pub/science/inquiring/questions/atoms.html">estimativa</a> é algo entre 10.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 e 100.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000. Para evitar confusão, os cientistas costumam expressar números muito grandes como esses (ou muito pequenos) na chamada notação científica. Nesse caso, entre 10<sup>49</sup> e 10<sup>50</sup>, ou seja, entre 1 seguido por 49 zeros e 1 seguido por 50 zeros. Isso é bem mais que 271, ou 2,71 x 10<sup>2</sup>. Na verdade entre 47 e 48 ordens de grandeza mais. É tanta ordem de grandeza que é difícil entender o quanto isso está errado.</p><p style="text-align: justify;">Apesar de sua enorme dificuldade para expressar um conceito simples, o presidente provavelmente estava se referindo à probabilidade de ao jogar uma moeda honesta 271 vezes, obter uma determinada sequência de caras e coroas, no caso alternando caras e coroas. Não é difícil de calcular o resultado. Cada vez que jogamos a moeda temos 1/2 de chance de obter um determinado resultado. Ao jogar 271 vezes a probabilidade de uma sequência em particular é 1/2<sup>271</sup> que corresponde a 2,6 x 10<sup>-82</sup>, ou seja, 1 em chance em 3,8 x 10<sup>81</sup>, realmente mais do que a quantidade de átomos na Terra.</p><p style="text-align: justify;">O que está muito errado no raciocínio do presidente é achar que o andamento da contagem de votos equivale a uma sequência de caras-ou-coroas. Tomemos como verdadeiro o relato do presidente, mesmo na ausência de provas de que o líder mudou a cada minuto durante 271 minutos.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-b-pGrCN29c0/YOuHcMxVxMI/AAAAAAAByW0/wzAXHzC4KHInhQ2KgpklwVtBbDomhjlogCLcBGAsYHQ/s732/contagemg1.png" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="552" data-original-width="732" height="241" src="https://1.bp.blogspot.com/-b-pGrCN29c0/YOuHcMxVxMI/AAAAAAAByW0/wzAXHzC4KHInhQ2KgpklwVtBbDomhjlogCLcBGAsYHQ/w320-h241/contagemg1.png" title="Dados oficiais da totalização de votos na eleição de 2014." width="320" /></a></div>O resultado da contagem de votos a cada minuto depende somente do resultado das urnas contadas naquele minuto. A probabilidade de se obter uma dada sequência de líderes a cada minuto só depende disso. Bastaria a sequência das urnas ser diferente para que a sequência fosse outra, com a mesma probabilidade. Os <a href="http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/blog/eleicao-em-numeros/">dados oficiais</a> do TSE mostram um resultado diferente do mencionado pelo presidente. O líder na totalização só mudou uma vez, às 19:32h. Isso só ocorreu porque no início da apuração foram contadas mais urnas nas quais Aécio teve mais votos. A sequência dos resultados em função do tempo não tem significado algum exceto revelar a sequência em que os dados foram totalizados.<p></p><p style="text-align: justify;">A suposta mudança do líder a cada minuto não significa <b><span style="color: #bf9000;">absolutamente nada</span></b> e certamente não pode ser considerada evidência de fraude num país sério.</p><p style="text-align: justify;">A suspeita de fraude mencionada pelo presidente não passa de mais um delírio.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p>Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-72138870241882327222021-04-02T16:44:00.009-03:002021-04-02T23:19:40.732-03:00A senhorita degusta cloroquina, ou como transformar bobagem em evidência <p><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Muriel_Bristol">Blanche Muriel Bristol</a> pesquisava algas na <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Rothamsted_Research">Rothamstead Exeprimental Station</a> no Reino Unido. <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Ronald_Fisher">Ronald Fischer</a>, um dos pais da estatística moderna, trabalhava na mesma instituição. Um dia, dentro da melhor tradição britânica, Ronald ofereceu um <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Lady_tasting_tea">chá com leite</a> lá pelas 5 da tarde. Muriel recusou, justificando que preferia o sabor de chá colocado no leite a leite colocado no chá. Ronald zombou de Muriel, dizendo que a ordem de preparação não altera o sabor do chá. Muriel respondeu que não só altera como ela sente a diferença e prefere quando chá é colocado no leite.</p><p>Para resolver a controvérsia, Ronald propôs um experimento simples: ofereceu a Muriel 8 xícaras de chá em ordem aleatória. Em 4 xícaras o leite foi adicionado antes do chá, e em 4 o leite foi adicionado depois do chá. O desafio consistia em Muriel escolher 4 das 8 xícaras e identificar o que foi colocado antes: o leite ou o chá. Muriel acertou todas. Ronald se perguntou: qual a chance de Muriel ter acertado por acaso? Aí nascia o conceito de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/P-value">p-valor</a>: a probabilidade de obter num teste resultados pelo menos tão extremos quanto os resultados observados, assumindo que a hipótese nula é correta. Complicado, não?</p><p>Nesse caso, a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Exclusion_of_the_null_hypothesis">hipótese nula</a> é que Muriel não consegue distinguir os chás. Qual a chance de acertar pelo acaso? Para saber, precisamos contar o número de combinações de acertos possíveis. Na tabela a seguir, A significa acertou e E significa errou. Consideramos cada possibilidade para diferentes configurações:</p>
<table class="center" style="text-align: center; width: 100%;">
<tbody>
<tr><th>Acertos</th><th>Combinação de situações</th><th></th></tr>
<tr><td>0</td><td>EEEE</td><td>1 x 1 = 1</td></tr>
<tr><td>1</td><td>EEEA, EEAE, EAEE, AEEE</td><td>4 x 4 = 16</td></tr>
<tr><td>2</td><td>EEAA, EAEA, EAAE, AEAE, AAEE,AEEA</td><td>6 x 6 = 36</td></tr>
<tr><td>3</td><td>EAAA, AAEA, AEAA, AAAE</td><td>4 x 4 = 16</td></tr>
<tr><td>4</td><td>AAAA</td><td>1 x 1 = 1</td></tr>
<tr><td></td><td><b>Total</b></td><td><b>70<br /></b></td></tr></tbody></table>
<p>Dadas as possíveis combinações leite/chá, a chance de Muriel ter identificado corretamente as 4 xícaras ao acaso é de 1 entre as 70 possíveis. A probabilidade de obter um resultado tão extremo quanto o obtido, considerando correta a hipótese nula (Muriel não conseguir distinguir os chás) é p < 1/70 ou p < 0,014. Como nesse caso só existem 2 possibilidades (acertou, não acertou), é fácil calcular o p-valor.</p><p>Qual seria o p-valor se Muriel tivesse acertado 3 em vez de 4 vezes? É só olhar a tabela: a chance de acertar pelo menos 3 de 4 é (16+1)/70=0,24, ou seja, p < 0,24. Em pesquisas clínicas se convencionou que o valor máximo aceitável para um resultado ser estatisticamente significativo é p<0,05. Portanto, se Muriel tivesse acertado 3 das 4 tentativas, não poderíamos concluir que ela realmente conseguia distinguir os sabores. Fischer não só criou um critério de significância estatística como aprendeu que mulheres têm sempre razão quando falamos de gosto para comida.</p><p>As coisas se complicam bastante quando temos outros fatores em jogo. Em geral não é possível calcular exatamente o p-valor, mas recorremos a aproximações que precisam ser entendidas no contexto dos dados. </p><p>Passaram quase 100 anos desde que Muriel degustou o chá. Estamos no meio da maior pandemia da história da humanidade. Muita gente sem treinamento científico está ávida por entender o que está acontecendo. Mais do que nunca, significância estatística é fundamental para interpretar dados.</p><p><b>Exemplo 1.</b> 12 de janeiro de 2021. Apresentação dos resultados dos testes da vacina Coronavac pelo <a href="https://www.butantan.gov.br/">Instituto Butantan</a>. É anunciado 100% de eficácia para casos graves e moderados. Ninguém presente se dá conta do p=0,4967 associado aos 100% de eficácia, apesar da nota de pé de página. Ninguém explicou que o resultado não tinha significância estatística e poderia ser devido ao pequeno tamanho do grupo. </p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-ZII3mvgb-rY/YGdjRc7wsqI/AAAAAAABxTk/6B4mMY88ftAmJejo1SF38sX7bXaxN73GwCLcBGAsYHQ/s952/vacina-2021.04.02-12_51_11.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="630" data-original-width="952" height="266" src="https://1.bp.blogspot.com/-ZII3mvgb-rY/YGdjRc7wsqI/AAAAAAABxTk/6B4mMY88ftAmJejo1SF38sX7bXaxN73GwCLcBGAsYHQ/w400-h266/vacina-2021.04.02-12_51_11.png" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Figura apresentada na apresentação da Coronavac. Note o p=0,4967 associado à eficácia de 100% </td></tr></tbody></table><p><br />O estrago estava feito. Com a vacinação em andamento, começam a aparecer casos graves e mesmo morte de vacinados. Opositores da vacina gritam sem razão que ela não serve para nada. Ela funciona, mas os 100% anunciados obviamente não se confirmaram. Isso era esperado, dado que o valor apresentado de p~0,5 não tinha significância estatística. Esse resultado nem deveria ter sido apresentado ao público. </p><p><b>Exemplo 2.</b> Um site que se chama <a href="https://c19hcq.com/">c19study</a>, mantido por um grupo anônimo. Apresenta "<a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Meta-analysis">meta-análises</a>" sobre todo tipo de tratamento precoce para covid-19, e invariavelmente conclui que todos funcionam. Esse site é citado e invocado como evidência científica por 10 entre 10 defensores de tratamento precoce. Prefeitos e médicos sem formação científica repetem orgulhosos, citando o site, que "a chance de cloroquina não funcionar é de 3 em um quatrilhão".</p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-5LuAGqkH04Q/YGdooHQr8oI/AAAAAAABxTs/eOfNkhsjfRo8hj2rRPEzhtwL0bZqLFzZQCLcBGAsYHQ/s1089/pvalor-hcqmeta.com-2021.04.02-12_51_11.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="79" data-original-width="1089" height="46" src="https://1.bp.blogspot.com/-5LuAGqkH04Q/YGdooHQr8oI/AAAAAAABxTs/eOfNkhsjfRo8hj2rRPEzhtwL0bZqLFzZQCLcBGAsYHQ/w640-h46/pvalor-hcqmeta.com-2021.04.02-12_51_11.png" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Afirmação desinformativa do site hcqmeta.com. Esse número está completamente fora do razoável para uma compilação desse tipo</td></tr></tbody></table><p><br />Só tem um problema: isso <b>está muito errado.</b> Como este artigo é sobre p-valor, não vou discutir como a (não) seleção dos artigos pelo site está errada. Tomarei como exemplo a inútil hidroxicloroquina. O site <a href="http://hcqmeta.com">hcqmeta.com</a> afirma:</p><p></p><ul style="text-align: left;"><li>HCQ é eficaz para COVID-19. A probabilidade de um tratamento ineficaz gerar resultados tão positivos quanto os 231 estudos até o momento é estimada em 1 em 3 quatrilhões (p = 0,0000000000000003).</li></ul><div>O p-valor<3x10^-16 é completamente absurdo. Por exemplo, num experimento de física, com tudo controlado no laboratório, trabalhamos com p~10^-6. Como seria possível um conjunto de estudos observacionais mal desenhados resultar em uma certeza tão grande? Isso é tão absurdo que muita gente começou a perguntar como os autores anônimos chegavam nisso. A primeira suposição foi que eles multiplicavam os p-valores. Como ninguém tem paciência para juntar tantos dados do lixo, ninguém foi conferir. Mas de repente o p-valor aumentou de 10^-18 para 10^-16 em poucos dias. Não podia ser multiplicação de números sempre menores que 1.</div><div>A tática errada usada no site é descrita em <a href="http://neuron.mefst.hr/docs/graduate_school/tribe/workshops/metaanalize/TRIBE%20workshop%20Meta%20Analysis.pdf">aulas</a>, <a href="https://training.cochrane.org/online-learning/core-software-cochrane-reviews/revman">manuais </a>e livros sobre meta-análise com o aviso claro que <b>não </b>pode ser usada num contexto como esse. Ela ignora o conteúdo e a qualidade de cada estudo e reduz cada estudo a uma degustação de chá. Na tática utilizada pelos anônimos, toda a informação proveniente de cada estudo é "HCQ mata o corona", ou "HCQ não mata o corona". Assim, um estudo enviesado observacional obviamente mal feito com um paciente (p~1) que mostra um suposto sucesso da HCQ passa a valer o mesmo que um estudo randomizado controlado duplo cego com 4000 pacientes e p<0,02. Isso magicamente transforma estudos ruins em bons, mascarando a má qualidade dos dados originais.</div><div>A Muriel dessas pessoas supostamente acerta 176 das 231 degustações, resultando no falso p~10^-16.</div><div>Isso está <b>obviamente </b>muito errado. <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Garbage_in,_garbage_out">Entra lixo, sai lixo</a>.</div><div><br /></div><div>Desconfiem de políticos, médicos, quem for, que cita c19study como fonte de evidência. Ou eles não entendem o que dizem ou agem de má fé. Ao contrário da Muriel.</div><div><br /></div><div><br /></div><div>Esse texto é dedicado a Júlia e Isadora, as duas estatísticas da minha vida.</div><div><br /></div><p></p>
Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-82838817998890365292020-12-22T00:28:00.005-03:002020-12-22T20:44:51.491-03:00Ciência e Vacinação Obrigatória<div>A pandemia de Covid-19 deu origem ao desenvolvimento de vacinas em tempo record. Nunca na história foi possível desenvolver e testar vacinas tão rapidamente.</div><div>O presidente do Brasil nega a gravidade da doença. Apostou e aposta em soluções sem base científica. Na iminência da disponibilidade da vacina não perde uma oportunidade de desacreditá-la e fazer afirmações absurdas baseadas em desinformação a seu respeito. Já insinuou que a vacinação poderá nos transformar em jacarés ou mesmo causar mudança de sexo. Deve ser essa a razão para o uso de duas doses, para garantir que depois de duas mudanças de sexo as pessoas voltem a seu sexo original.</div>A <a href="http://estaticog1.globo.com/2020/12/12/adpf754planovacinacovid.pdf">primeira versão</a> do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, publicado em 10/12/2020 afirma que:<blockquote><div>"A interrupção da circulação da covid-19 no território nacional depende de uma
vacina altamente eficaz sendo administrada em parcela expressiva da população
(>70%)."</div></blockquote><div>A segunda versão, de 16/12/2020, curiosamente chamada de 1a edição, é um pouco mais cuidadosa:</div><blockquote><div>"Considerando a transmissibilidade da covid-19 (R0 entre 2,5 e 3), cerca de 60 a
70% da população precisaria estar imune (assumindo uma população com interação
homogênea) para interromper a circulação do vírus. Desta forma seria necessária a
vacinação de 70% ou mais da população (a depender da efetividade da vacina em
prevenir a transmissibilidade) para eliminação da doença."</div></blockquote><p>Parece que o governo entende que vacinando 70% da população o problema está resolvido. Será?</p><p>Ao mesmo tempo, usando uma lógica muito peculiar, defensores da "liberdade" entendem que vacina não deve ser obrigatória. Receber ou não imunização na opinião deles se trata de uma escolha pessoal. Será?</p><p>Como discuti <a href="http://ccientifica.blogspot.com/2020/04/epidemiologia-para-principiantes.html">anteriormente</a>, a melhor maneira de entender uma epidemia é usando modelos compartimentais. Nesses modelos dividimos os indivíduos de uma população em compartimentos. Na sua forma mais simples, o <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Compartmental_models_in_epidemiology">modelo SIR</a>, usamos 3 compartimentos: S para os <span style="color: #2b00fe;">Suscetíveis</span>, I para os <span style="color: red;">Infectados </span>e R para os <span style="color: #bf9000;">Recuperados</span>, que no modelo são imunes à contaminação. Escrevemos as equações que determinam as regras de passagem de um compartimento para outro, resolvemos tudo num computador e seguimos a evolução temporal. Esse modelo super simplificado tem muitas limitações mas permite entender várias características básicas.</p><p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-Q6TcKIenuNo/X95ezJkwkHI/AAAAAAABdNo/KK-7zGG9nFc-CvnxHj1HHypF0f5oLFnVQCLcBGAsYHQ/s628/512px-Herd_immunity.svg.png" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="628" data-original-width="512" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-Q6TcKIenuNo/X95ezJkwkHI/AAAAAAABdNo/KK-7zGG9nFc-CvnxHj1HHypF0f5oLFnVQCLcBGAsYHQ/s320/512px-Herd_immunity.svg.png" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Tkarcher, CC BY-SA 4.0 </td></tr></tbody></table><div style="text-align: justify;">Para entendermos o efeito da vacinação precisamos entender como uma epidemia se espalha. Na figura ao lado os <span style="color: #2b00fe;"><span>S</span>uscetíveis</span> são azuis, os <span style="color: red;"><span>I</span>nfectados</span> vermelhos e os <span style="color: #bf9000;"><span>R</span>ecuperados </span>amarelos. No início da epidemia toda a população está <span style="color: #2b00fe;">Suscetível</span>, exceto poucas pessoas <span style="color: red;">Infectadas</span>. Nessa situação, numa população homogênea, essa pessoa <span style="color: red;">infectada </span>contaminará em média <span style="text-align: justify;">R</span><span style="font-size: 0.6em; text-align: justify; vertical-align: sub;">0</span> pessoas. Na medida que o tempo passa alguns <span style="color: red;">Infectados </span>terão se <span style="color: #bf9000;">Recuperado</span>. Algumas pessoas no círculo de contatos de um <span style="color: red;">Infectado </span>estarão <span style="color: #bf9000;">Recuperados </span>e a taxa de contágio diminuirá para um valor <b style="font-style: italic;"><span style="font-style: normal; font-weight: 400; text-align: justify;">R</span><span style="font-size: 0.6em; font-style: normal; font-weight: 400; text-align: justify; vertical-align: sub;">eff </span> < </b><i style="font-weight: bold;"><span style="font-style: normal; font-weight: 400; text-align: justify;">R</span><span style="font-size: 0.6em; font-style: normal; font-weight: 400; text-align: justify; vertical-align: sub;">0</span> </i>porque agora há menos <span style="color: #2b00fe;">Suscetíveis </span>em contato com o <span style="color: red;">Infectado</span>. Quando <span><span style="text-align: justify;">R</span><span style="font-size: 0.6em; text-align: justify; vertical-align: sub;">eff</span> = 1 </span> o número de <span style="color: red;">infectados </span>atinge o máximo e começa a diminuir. Essa situação é chamada de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Herd_immunity">imunidade de rebanho</a>. Como num rebanho, a quantidade de <span style="color: #bf9000;">Recuperados </span>protege os <span style="color: #2b00fe;">Suscetíveis </span>da doença e o agente causador da epidemia não consegue mais se propagar. Assim a epidemia termina. Podemos mostrar que isso ocorre quando a proporção de imunes na população é 1-1/<span style="text-align: justify;">R</span><span style="font-size: 0.6em; text-align: justify; vertical-align: sub;">0</span>. Para Covid-19, com <span style="text-align: justify;">R</span><span style="font-size: 0.6em; text-align: justify; vertical-align: sub;">0 </span>entre 2.5 e 4.5 chegamos à imunidade de rebanho com algo entre 60 a 78% da população imune. O problema é que Covid-19 é letal para 0.5 a 1% dos infectados. Esperar que 75% da população fique imune porque contraiu a doença significa que cerca 0.75% morrerá. No Brasil estamos falando de mais de 1,5 milhão de pessoas. Na verdade esse número é exagerado. Devido às medidas de isolamento social o valor de R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> diminuiu. Mesmo assim teríamos um número muito grande de vítimas. </div><div style="text-align: justify;">No contexto dos modelos epidemiológicos, vacinas têm como efeito aumentar artificialmente a proporção de imunes na população de forma que se atinja imunidade de rebanho sem que uma proporção grande da população precise se infectar. As vacinas magicamente transferem os indivíduos diretamente do compartimento de <span style="color: #2b00fe;">Suscetíveis </span>para o de <span style="color: #bf9000;">Recuperados </span>sem passar pelo de <span style="color: red;">Infectados</span>. Uma vacina ideal confere imunidade para todos os vacinados. 100% de eficácia. Se existissem vacinas assim todos os vacinados ganhariam imunidade e os não vacinados estariam sujeitos à infecção. Tomar ou não vacina poderia ser uma decisão individual, como alguns liberais exigem. Azar de quem não tomar a vacina. Com uma vacina ideal é fácil determinar que porcentagem da população precisa ser vacinada para atingir imunidade de rebanho: no caso de Covid-19, com 75% da população vacinada a doença passa a diminuir até desaparecer.</div><div style="text-align: justify;">Na vida real as vacinas não são 100% eficazes. Algumas podem ter eficácia muito alta. Outras podem ter 60%. Uma parte dos vacinados não desenvolve imunidade. Precisamos modificar o modelo compartimental para incluir a eficácia das vacinas. Quando fazemos isso obtemos alguns resultados surpreendentes. Se usarmos uma vacina de alta eficácia como a da Pfizer-BioNTech com <a href="https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2034577">95%de eficácia</a> atingiremos imunidade de rebanho vacinando 70% da população. Só que o Brasil não tem a logística necessária para essa vacina. Se, no entanto, usarmos a vacina da AstraZeneca, a preferida do governo federal, com <a href="https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)32623-4/fulltext">70.4% de eficácia</a> só atingiremos a imunidade de rebanho se vacinarmos pelo menos 95% da população, ou seja praticamente toda a população. Se a eficácia da vacina for menor que 65% não atingiremos a imunidade de rebanho nem mesmo vacinando 100% da população e precisaremos manter o distanciamento para sempre. </div><div style="text-align: justify;">Qual o significado disso? A ciência tem algo a dizer sobre vacinação na situação atual: <b>A Vacinação precisa ser obrigatória.</b> Ao contrário do que afirma o Ministério da Saúde não basta vacinar 70% da população. Ao contrário do que afirmam os "defensores da liberdade", a decisão de se vacinar não pode ser tomada na esfera individual. Na ausência de uma coordenação coletiva não atingiremos a imunidade de rebanho e não controlaremos a pandemia nunca. Não se trata de opinião ou desvario. Este é o resultado do melhor modelo científico. </div>Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-40258446802717638792020-05-02T20:33:00.001-03:002020-05-02T21:00:46.017-03:00Os perdigotos do Bolsonaro<div style="text-align: justify;">
A <a href="https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019">recomendação</a> é clara. Devemos manter o isolamento social e sair à rua somente o necessário. Sempre que saímos à rua, devemos usar uma máscara. Mas o vírus é tão pequeno (50 a 200 nm de diâmetro) que passaria facilmente pela máscara. Por que usá-la? Acontece que o <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Severe_acute_respiratory_syndrome_coronavirus_2">SARS-Cov-2</a> pode ser transportado nas pequenas gotículas de saliva que emitimos sem querer quando tossimos ou mesmo quando falamos.<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-QqivkOpKBLo/Xq2HtlP6eNI/AAAAAAABaA8/xOEUa-9pa-8c4dArpizYH0ePB7TPSlRLwCLcBGAsYHQ/s1600/Rayleigh.png" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="731" data-original-width="514" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-QqivkOpKBLo/Xq2HtlP6eNI/AAAAAAABaA8/xOEUa-9pa-8c4dArpizYH0ePB7TPSlRLwCLcBGAsYHQ/s400/Rayleigh.png" width="280" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Foto obtida do vídeo do presidente Bolsonaro dia 30/04/2020. Alguns perdigotos em movimento são indicados.</td></tr>
</tbody></table>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Como faz todas as manhãs ao sair do palácio do Alvorada, no dia 30/04/2020 o presidente Bolsonaro expressou suas iluminadas ideias para a claque de seguidores e imprensa que o esperam ali. Ocorre que devido a uma viagem para Porto Alegre nesse dia o evento ocorreu mais cedo que o normal, com o sol ainda baixo, perto do horizonte. Devido a essa coincidência foi possível visualizar a nuvem de perdigotos emanada quando ele fala. Não consigo imaginar imagem melhor para mostrar a importância de usar máscara ao frequentar locais públicos. Na figura acima vários perdigotos emanados pelo presidente estão indicados. No vídeo abaixo os perdigotos podem ser visualizados de forma dinâmica (melhor visualizar em tela inteira).<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.blogger.com/video.g?token=AD6v5dzzvFshfq64_uGo-FozFsBMMniRbTpGGuTqDETGkqGZWVzMJzmFlbCqcNpNW8RKp3Dhala0JExZSvZ2t-ZRqA' class='b-hbp-video b-uploaded' frameborder='0'></iframe></div>
<br />
Por que os perdigotos presidenciais ficaram visíveis enquanto ele proferia suas sábias palavras na manhã do dia 30 mas não nos outros dias? A luz se propaga no espaço sempre em linha reta. Nós só a percebemos quando ela vem em nossa direção. Nesse dia o sol estava próximo do horizonte à direita do presidente, de forma que a luz se propagava para a esquerda. Os perdigotos avançavam na nossa direção. Normalmente não os veríamos mas nesse dia as condições estavam perfeitas. Ao encontrar as gotículas de saliva aproximadamente esféricas com dezenas ou centenas de µm de diâmetro, a luz do sol foi refletida em todas as direções, inclusive na nossa, de forma que a reflexão as revelou como pontos brilhantes. Os perdigotos evidenciados pelo espalhamento de luz são pequenos (dezenas a centenas de µm de diâmetro) mas muito maiores do que os vírus Sars-Cov-2 que eles podem transportar.<br />
Podemos perceber de maneira clara que ao falar as pessoas emanam sem querer nuvens de perdigotos. Uma barreira de pano bloquearia a maior parte deles. Note que o efeito da máscara seria muito mais evitar que os perdigotos saíssem da pessoa do que impedir a entrada de partículas microscópicas. Com a máscara você protege os outros de seus próprios perdigotos reduzindo muito o risco de contágio. A máscara <b>não elimina o risco de você se contaminar</b>, mas reduz bastante o risco de você contaminar outras pessoas. Por isso durante o isolamento social você deve evitar sair de casa, mas sempre que precisar sair deve usar uma máscara e evitar falar. Faça isso pelas outras pessoas.</div>
Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-29843089227625448102020-04-29T00:38:00.000-03:002020-04-29T16:26:10.926-03:00Epidemiologia para principiantes<blockquote class="tr_bq">
<i>É muito difícil fazer previsões. Especialmente sobre o futuro.</i><br />
Karl Kristian Steincke, político dinamaquês, 1937-38</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Essa frase é tão verdadeira que já foi atribuída a várias pessoas, como o grande escritor norteamericano <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Mark_Twain">Mark Twain</a> e a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Niels_Bohr">Niels Bohr</a>, um dos pais da <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Quantum_mechanics">Mecânica Quântica</a>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em sua primeira entrevista coletiva como ministro da saúde, <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Nelson_Teich">Nelson Teich</a> <a href="https://youtu.be/MQzHVOmzWlY?t=2336">suspeitou</a> do modelo epidemiológico mais usado na pandemia de Covid-19.</div>
<blockquote class="tr_bq">
"Eles falavam que 1.150.000 pessoas morreriam no Brasil, mas com algum tipo de cuidado específico isso cairia para 44.000. Isso é impossível. Não tem medida que cai de 1.150.000 para 44.000"</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Essa afirmação evidencia duas coisas: por um lado a dificuldade das pessoas para entender um modelo fortemente não-linear, no qual uma pequena modificação num parâmetro inicial altera dramaticamente o resultado. Por outro mostra o despreparo do ministro para um cargo tão importante no qual as decisões devem ser sempre baseadas em ciência e não na sua opinião ou limitada percepção pessoal.</div>
<div style="text-align: justify;">
Aqui vou discutir o que é e como funciona um modelo epidemiológico para não repetir o erro grosseiro do ministro. Nesses tempos todos devemos ter um entendimento mínimo de epidemiologia para podermos acompanhar o que acontece pelo mundo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Epidemias são fenômenos muito complexos. Eu tenho dificuldade em imaginar o tamanho da desgraça que seriam 1 milhão de mortos no Brasil. Outras pessoas, provavelmente com um sentimento similar de impotência e limitações para entender os modelos negam a magnitude do problema. O próprio presidente se referiu à Covid-19 como um "resfriadinho" ou uma "gripezinha".</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-uKrwfJ_lv4w/XqievOE7jgI/AAAAAAABZ-g/ADpDolnOaLsc7Y6Sj57W13caRvyEbJKVQCLcBGAsYHQ/s1600/r5screenshot-localhost_8888-2020.04.png" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="675" data-original-width="990" height="217" src="https://1.bp.blogspot.com/-uKrwfJ_lv4w/XqievOE7jgI/AAAAAAABZ-g/ADpDolnOaLsc7Y6Sj57W13caRvyEbJKVQCLcBGAsYHQ/s320/r5screenshot-localhost_8888-2020.04.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><b>Figura 1</b>. Resultado do Modelo SIR usando ß = 0.5 e µ = 0.1 (R<span style="font-size: 0.6em; text-align: justify; vertical-align: sub;">0</span>=5) ao longo de um ano. Note que a população I aumenta rapidamente e o máximo ocorre no dia 25. Calculado usando o código de <a href="https://github.com/DataForScience/Epidemiology101">Epidemiology101</a> modificado. A população total é normalizada em 1.</td></tr>
</tbody></table>
Como é possível prever o número de vítimas de uma epidemia com boa precisão? Por que esse número pode variar tanto? As previsões envolvem modelos <a href="https://fivethirtyeight.com/features/why-its-so-freaking-hard-to-make-a-good-covid-19-model/">sofisticados</a> para levar em conta vários aspectos práticos. O modelo ao qual o ministro Teich se referia é o do <a href="https://www.imperial.ac.uk/mrc-global-infectious-disease-analysis/">Imperial College</a>. Ele se tornou célebre porque suas previsões fizeram o Reino Unido e os Estados Unidos <a href="https://arstechnica.com/science/2020/03/new-model-examines-impact-of-different-methods-of-coronavirus-control/">mudarem</a> suas políticas em relação à pandemia. Essa é uma área de pesquisa ativa e muita gente dedica sua carreira a aprimorar modelos existentes e mesmo <a href="https://fivethirtyeight.com/features/why-one-expert-is-still-making-covid-19-models-despite-the-uncertainty/">escrever novos modelos</a>. O <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Kermack%E2%80%93McKendrick_theory">modelo</a> mais básico no qual todos os demais estão baseados foi proposto em 1927 pelos escoceses Anderson Gray McKendrick e William Ogilvy Kermack. Ele divide a população em compartimentos (grupos) de indivíduos <i>Suscetíveis</i>, <i>Infectados </i>e <i>Recuperados</i>, e por isso são genericamente chamados de modelos SIR. Modelos do tipo SIR são chamados de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Compartmental_models_in_epidemiology">compartimentais</a> porque cada indivíduo precisa estar em um dos compartimentos. Algumas regras são definidas: Uma pessoa <i>Suscetível </i>pode continuar <i>Suscetível </i>ou se tornar <i>Infectada </i>por contágio a partir de um <i>Infectado </i>com uma probabilidade ß. Uma pessoa <i>Infectada </i>pode continuar <i>Infectada </i>ou se tornar <i>Recuperada </i>com uma probabilidade µ. Uma pessoa <i>Recuperada </i>não pode ser <i>Infectada </i>novamente, ganhando imunidade. São escritas as equações que conectam os diferentes grupos. A solução das equações determina a evolução de cada grupo com o tempo. No início da epidemia, quando o valor absoluto de <i>Infectados </i>é pequeno, o crescimento de <i>Infectados </i>é exponencial, ou seja, a taxa de variação de <i>Infectados </i>é proporcional ao valor de <i>Infectados</i>. Nessas condições o expoente que controla o crescimento exponencial é proporcional a R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> = ß/µ. R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> tem como significado a <i>taxa de infecção</i>, ou seja, quantos indivíduos <i>Suscetíveis </i>um <i>Infectado </i>em média infecta. Esse parâmetro é muito importante para a evolução da epidemia. Os resultados do modelo dependem fortemente de ß e µ e consequentemente de R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span>. Isso é ilustrado nas Figuras 1 e 2. Nelas é mostrada a evolução dos valores de S, I e R ao longo de um ano para µ=0.1. Na Figura 1 ß=0.5 (R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span>=5) e na Figura 2 ß=0.2 (R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span>=2). Essa pequena diferença em ß muda bastante o comportamento da curva rosa, a população de Infectados. Com R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span>=5 o número de Infectados aumenta rapidamente e o máximo ocorre 25 dias após o início da epidemia. No pico metade da população está infectada. Com R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span>=2 o número de Infectados aumenta bem mais devagar e o máximo ocorre 90 dias após o início da epidemia. No pico apenas 1/6 da população está infectada. Reduzir o valor de R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> é o que chamamos de achatar a curva. Se a capacidade de internação desse lugar fictício corresponder a 1/6 da população (na verdade é muito menos que isso) todos os Infectados terão chance de tratamento, o que não ocorre quando R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span>=5 e 1/3 da população ficará sem atendimento. Esse modelo super simplificado reproduz muito bem características gerais das epidemias e nos permite que entender como os modelos funcionam. O grande problema é obter experimentalmente valores confiáveis dos parâmetros, que dependem da natureza da epidemia.<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-3rVDvFIx7n0/XqievEU8KZI/AAAAAAABZ-c/Hh4ZDG0zjBAbevEPqeyKecqPmIzZD-iowCLcBGAsYHQ/s1600/r2screenshot-localhost_8888-2020.04.png" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="687" data-original-width="986" height="220" src="https://1.bp.blogspot.com/-3rVDvFIx7n0/XqievEU8KZI/AAAAAAABZ-c/Hh4ZDG0zjBAbevEPqeyKecqPmIzZD-iowCLcBGAsYHQ/s320/r2screenshot-localhost_8888-2020.04.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><b>Figura 2.</b> Resultado do Modelo SIR usando ß = 0.2 e µ = 0.1 (R<span style="font-size: 0.6em; text-align: justify; vertical-align: sub;">0</span>=2) ao longo de um ano. Note que a população I aumenta devagar e o máximo ocorre no dia 90. Calculado usando o código de <a href="https://github.com/DataForScience/Epidemiology101">Epidemiology101</a> modificado. A população total é normalizada em 1.</td></tr>
</tbody></table>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Para enfatizar a diferença entre as duas situações representei na Figura 3 somente a evolução de <i>Infectados </i>durante 100 dias em escala logaritmica, como normalmente esses dados são representados. Em escalas logarítmicas as exponenciais viram retas. Note que na escala vertical cada divisão é 10 vezes maior que a anterior. Na curva verde, com R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span>=5 a subida é muito mais vertical, atingindo o máximo rapidamente. Note que depois do máximo o decaimento também é exponencial mas com uma inclinação bem menor. A recuperação demora mais que a infecção. A curva rosa representa o aumento mais suave que ocorre quando R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span>=2. Não só o máximo ocorre bem mais tarde como o valor número de <i>Infectados </i>no máximo é bem menor. Como verificamos antes, R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> corresponde a quantos <i>Suscetíveis </i>cada <i>Infectado </i>infecta em média. Portanto é um parâmetro sobre o qual a sociedade pode agir através de diminuição das chances de contaminação. Esse é o motivo pelo qual todos os países adotaram medidas de isolamento social para conter a epidemia. <b>O isolamento social tem base científica.</b> No caso extremo de <i>lockdown</i> R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> é aproximadamente igual a 0 e em poucas semanas a epidemia desaparece pela ausência de contágio. Essa situação extrema exige que deixe de existir contato entre pessoas, forçando a uma paralisação econômica total do país. Com isolamento social idealmente podemos chegar a uma situação de R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> próximo de 1.<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-J5llcP95kuk/XqjRsA1gNJI/AAAAAAABZ_E/DDRyenE7eogRNGln7aZEqzMRdqB8OrL4gCLcBGAsYHQ/s1600/flattenscreenshot-localhost_8888-2020.04.png" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="607" data-original-width="989" height="195" src="https://1.bp.blogspot.com/-J5llcP95kuk/XqjRsA1gNJI/AAAAAAABZ_E/DDRyenE7eogRNGln7aZEqzMRdqB8OrL4gCLcBGAsYHQ/s320/flattenscreenshot-localhost_8888-2020.04.png" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><b>Figura 3. </b>Comparação entre a população de Infectados para R<span style="font-size: 0.6em; text-align: justify; vertical-align: sub;">0 </span>= 2 e R<span style="font-size: 0.6em; text-align: justify; vertical-align: sub;">0 </span>= 5 em uma escala logaritmica. Note a diferença entre as taxas de subida, as datas dos máximos e os valores dos máximos. Isso é o <b>achatamento da curva</b>. Calculado usando o código de <a href="https://github.com/DataForScience/Epidemiology101">Epidemiology101</a> modificado. A população total é normalizada em 1.</td></tr>
</tbody></table>
O modelo simples discutido até aqui é bom para entendermos suas principais características, mas está longe de representar uma epidemia real. Por exemplo, nesse modelo ninguém morre. Precisamos sofisticá-lo. Primeiramente, podemos incluir mais compartimentos além de S, I e R. Por exemplo, o compartimento E para <i>Expostos </i>assintomáticos (que transmitem a doença sem apresentar os sintomas), e o compartimento D para os mortos (<i>Dead </i>em inglês). Cada novo compartimento tem suas regras de transição (de onde, para onde) e coeficientes (probabilidades de transição) associados. Outra forma de criar mais compartimentos e deixar o modelo mais realista é dividir a população por faixa etária para considerar diferenças de letalidade e de probabilidade de contágio. A população também pode ser dividida em classes sociais. As pessoas podem ser colocadas em cidades que se comunicam pouco. Pode ser incluído o tempo de incubação da doença de forma que ela leve um tempo entre a infecção e o início do contágio (perto de 5 dias em média para Covid-19). O modelo simples considera que <i>Recuperados </i>ficam imunes para sempre. Essa imunidade pode ser temporária de forma que os <i>Recuperados </i>se tornam <i>Suscetíveis </i>novamente depois de um tempo. Modelos mais realistas consideram também a capacidade de atendimento hospitalar mudando a probabilidade de cura ou de letalidade para um <i>Infectado </i>hospitalizado. Na medida em que os modelos se sofisticam mais parâmetros numéricos são necessários para fazer previsões confiáveis. Quanto tempo leva para dobrar o número de infectados? Qual a taxa de mortalidade dos infectados para cada faixa etária (os números para o Covid-19 ainda são contraditórios e dependem da faixa etária, mas em média é algo entre 0.6 e 1%)? Em quanto a internação diminui as chances de óbito? Qual a taxa de recuperação? Quantos leitos hospitalares e de UTI estão disponíveis? Os parâmetros são obtidos por especialistas a partir da observação da evolução real da epidemia e são constantemente revisados. O número de parâmetros de um modelo realista é muito grande mas uma vez determinados permitem fazer previsões com boa margem de acerto. No Brasil ainda estamos na fase de crescimento exponencial. Para o Covid-19, R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> foi inicialmente estimado em 2,5, depois ficou claro que na verdade o valor está entre 3,0 e 3,3. Isso significa que nas condições sociais em que vivíamos no início da pandemia, um infectado em média infecta pouco mais de 3 pessoas. Isso obviamente é uma média: alguns infectados não infectarão ninguém, outros infectarão 40 ou 50 pessoas. Se tivéssemos mantido a vida normal como era no início de 2020, com R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span>=3.3 teríamos mais de 1 milhão de vítimas no Brasil. O objetivo do isolamento social é baixar o valor de R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span>. Como o sistema amplifica o sinal durante o crescimento exponencial, quanto mais cedo isso é feito, maior é o efeito sobre o menor é o número total de óbitos. Se tivéssemos feito um <i>lockdown </i>nos primeiros dias da doença o modelo previa entre 2 e 5 mil vítimas no Brasil ao longo de toda a epidemia. Isso não foi feito e essa cifra já foi superada. Se conseguimos manter R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> abaixo de 1 durante várias semanas a epidemia vai terminar pois nessa condição cada infectado em média infecta menos de uma pessoa. É essa a base do <a href="https://twitter.com/BenjAlvarez1/status/1250563198081740800">plano</a> da chanceler <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Angela_Merkel">Angela Merkel</a> para a retomada das atividades na Alemanha. Se conseguirmos o mesmo para o Brasil a a mortalidade diminui e chegamos a algo entre 5 e 10 mil óbitos, talvez um pouco mais pois nessas condições o sistema de saúde consegue dar conta de atender a grande parte dos doentes. Com R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> maior que 1 o número total de óbitos cresce muito rapidamente, chegando a mais de 1 milhão para R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span>=3.3. Essa enorme variação no número de óbitos com uma pequena variação de R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> é uma característica do que chamamos de sistemas não-lineares. Nesses sistemas um pequeno estímulo é rapidamente amplificado. Transistores são componentes não lineares que transformam uma pequena corrente numa corrente até 200 vezes maior. Nos modelos epidemiológicos uma pequena variação em R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> muda radicalmente o resultado. Isso não é intuitivo porque em nossa experiência cotidiana os sistemas são lineares e os efeitos são proporcionais às causas. Por isso alguns políticos como o ministro da saúde, o presidente e outras pessoas com conhecimento limitado de ciência consideram alarmismo quando os cientistas comunicam as previsões corretas do modelo. Infelizmente elas não são exageradas. Os modelos usados atualmente foram empregados para prever números de infectados e de óbitos em outras epidemias, inclusive recentes. Acertaram sempre. O número de vítimas do Covid-19 só não atingiu valores desesperadores porque o mundo inteiro adotou medidas de isolamento social e reduziram R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span>. Os lugares que não as adotaram ou as relaxaram antes da hora sofreram as consequências.</div>
<div style="text-align: justify;">
Para quem quer saber mais há <a href="https://youtu.be/gxAaO2rsdIs">vídeos</a> e <a href="https://prajwalsouza.github.io/Experiments/Epidemic-Simulation.html">simulações</a> computacionais que ilustram muito bem os modelos e permitem aprofundar os conhecimentos, inclusive <a href="http://gabgoh.github.io/COVID/index.html">variando</a> os parâmetros e verificando os efeitos não-lineares. Dependendo dos seus conhecimentos computacionais é possível usar repositórios públicos com código, inclusive o que <a href="https://github.com/DataForScience/Epidemiology101">modifiquei</a> para gerar as figuras usadas aqui.<br />
Os cientistas também gostariam que essa pandemia fosse só mais uma “gripezinha”. Ninguém "torce" pelo vírus. No entanto é importante alertar a sociedade para a real dimensão do problema para que decisões corretas baseadas em ciência sejam tomadas pelos políticos. O distanciamento social já teve efeito sobre a evolução da pandemia e reduziu o valor de R<span style="font-size: 0.6em; vertical-align: sub;">0</span> de forma que muito provavelmente não chegaremos nem perto de um milhão de vítimas no Brasil. No entanto, é uma ilusão achar que poderemos relaxar o distanciamento social antes de termos certeza de que estamos na descendente da curva de Infectados. Os modelos são complicados mas espero que esse texto tenha ajudado a entender seus princípios. Há pesquisadores trabalhando dia e noite pelo mundo todo em busca de uma droga eficaz ou de uma vacina contra o Covid-19. Todos esperamos que tenham sucesso e possamos brevemente deixar o isolamento social com o menor número de vítimas possível. A decisão sobre o momento certo para isso certamente virá da ciência.</div>
Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-33938664041362602182020-04-11T22:56:00.001-03:002020-04-13T11:57:29.251-03:00Como o presidente do Brasil transformou uma droga sem nenhum efeito na mais importante aposta contra a pandemia do Coronavírus [Spoiler: não vai dar certo]<i>Upideite 13/04/2020: </i>O prestigioso <a href="https://retractionwatch.com/">Retraction Watch</a>, que monitora artigos de qualidade duvidosa em revistas científicas, publicou uma <a href="https://retractionwatch.com/2020/04/12/elsevier-investigating-hydroxychloroquine-covid-19-paper/">nota</a> em 12/04/2020 na qual descreve a preocupação da <a href="https://www.elsevier.com/pt-br">Elsevier</a>, uma das maiores editoras de revistas técnicas e científicas do mundo e coproprietária do International Journal of Antimicrobial Agents com o processamento do artigo do Prof. Raoult. Foi emitida uma <a href="https://www.isac.world/news-and-publications/isac-elsevier-statement">nota</a> conjunta ISAC/Elsevier. Ela garante que o processo de revisão por pares ocorreu dentro dos mais elevados padrões éticos mas que, dadas as circunstâncias, o artigo está passando por um processo adicional de revisão por pares pós-publicação. Para o bom entendedor...<br />
<br />
Na sua transmissão semanal <a href="https://youtu.be/F9jXlF2ExQE">ao vivo</a>, como vem fazendo já há algumas semanas, o presidente Bolsonaro mais uma vez recomendou o uso de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Chloroquine">cloroquina</a> e <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Hydroxychloroquine">hidroxicloroquina</a> para tratar pacientes infectados por <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Coronavirus_disease_2019">Covid-19</a>. Por que essas drogas, que não têm efeito algum demonstrado sobre o vírus, viraram prioridade no tratamento no Brasil?<br />
A história é longa e muito já foi escrito sobre o assunto. Aqui quero discutir principalmente os aspectos ligados à ciência e à cultura científica.<br />
Tudo começa com um estudo mal feito. Para entender o que isso significa precisamos entender como cientistas comunicam suas descobertas. Cientistas costumam comunicar seus achados através de artigos publicados em revistas científicas. Uma diferença importante entre uma revista científica e uma revista dirigida ao grande público é que qualquer pessoa (inclusive você) pode publicar nas revistas científicas. Para isso é preciso escrever seu artigo dentro dos padrões exigidos pela revista. A revista recebe o artigo e inicia o chamado processo de revisão por pares: envia o artigo para entre 1 e 3 revisores especialistas no assunto, que vão ler o artigo e verificar se as ideias que o artigo contém são consistentes e se o que está sendo proposto ou contado segue boas práticas científicas. Cada revisor pode fazer uma de 3 recomendações:<br />
<br />
<ol>
<li>Publicar como está ou com pequenas correções.</li>
<li>Publicar após revisão significativa. Novas medidas, novas interpretações novas figuras podem ser necessárias.</li>
<li>Não publicar quando o artigo contém falhas ou inconsistências graves.</li>
</ol>
O editor ou um editor assistente da revista então decide se o artigo deve ou não ser publicado. Ao contrário das revistas para o grande público, as revistas científicas não remuneram os autores (algumas ainda cobram uma taxa de publicação!). Essa forma de publicar é universalmente aceita. A ciência avança graças a esse processo.<br />
Revistas científicas muito prestigiosas como <a href="https://www.nature.com/">Nature</a> só publicam <a href="https://www.nature.com/nature/for-authors/editorial-criteria-and-processes">8% dos artigos recebidos</a>, o que garante que a qualidade dos artigos publicados é muito alta. É por isso que um artigo publicado nela tem mais prestígio do que artigos publicados em revistas menos exigentes.<br />
O <a href="https://doi.org/10.1016/j.ijantimicag.2020.105923">estudo </a>sobre hidroxicloroquina contra Covid-19 foi recebido pelo editor, enviado para revisor, revisado e aceito para publicação em menos de 24h na menos prestigiosa revista <a href="https://www.journals.elsevier.com/international-journal-of-antimicrobial-agents">International Journal of Antimicrobial Agents</a>, a revista oficial da <a href="https://www.isac.world/">International Society of Antimicrobial Chemotherapy</a>. Como muitos autores costumam fazer para permitir acesso geral ao artigo antes da publicação, uma cópia foi disponibilizada no <a href="https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.03.16.20037135v1">medrxiv</a> no momento da submissão. Medrxiv é um repositório de artigos na área médica que podem ou não ter passado por revisão por pares em revistas especializadas. Ele é usado em geral para permitir acesso a trabalhos antes mesmo da revisão e garantir assim a originalidade das ideias caso alguém envie para publicação um artigo similar.<br />
Tem mais um detalhe no mínimo estranho em relação a esse artigo. Os autores poderiam ter enviado o artigo para publicação em qualquer revista da área, mas escolheram justamente essa cujo editor chefe é Jean-Marc Rolain, o segundo dos 3 autores do artigo. Isso normalmente não seria um problema, mas tendo em vista a rapidez com a qual o artigo passou pela revisão por pares algumas dúvidas sobre a isenção do processo de revisão por pares apareceram. O artigo contém várias inconsistências e más práticas científicas, o que causou ainda mais dúvidas em relação ao processo de revisão. Isso já foi bastante discutido <a href="https://www.theguardian.com/world/2020/apr/06/hydroxychloroquine-trump-coronavirus-drug">aqui</a>, <a href="https://scienceintegritydigest.com/2020/03/24/thoughts-on-the-gautret-et-al-paper-about-hydroxychloroquine-and-azithromycin-treatment-of-covid-19-infections/">aqui </a>e <a href="https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/artigo/2020/03/19/ninguem-provou-que-hidroxicloroquina-cura-covid-19">aqui</a>. O autor principal, Prof. Didier Raoult, que é o chefe do Prof. Rolain no seu laboratório, é um acadêmico com um histórico de controvérsias, <a href="https://forbetterscience.com/2020/03/26/chloroquine-genius-didier-raoult-to-save-the-world-from-covid-19/">acusações de fraudes</a> e opiniões polêmicas em relação à metodologia mais usada em pesquisas clínicas, o teste randomizado duplo-cego sobre o qual escrevi nesse <a href="http://ccientifica.blogspot.com/2008/06/o-estudo-duplo-cego.html">blog</a>. Sua semelhança física com o druida Panoramix levou parte da imprensa francesa comparar o tratamento por hidroxicloroquina com a poção mágica tomada por <a href="https://www.asterix.com/pt-pt/">Asterix</a> e seus amigos.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcRpc53DHo019-h2yDceDPBxT9F381iSaD8DUP4gbr2ISCeCab8A&usqp=CAU" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="225" data-original-width="225" src="https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcRpc53DHo019-h2yDceDPBxT9F381iSaD8DUP4gbr2ISCeCab8A&usqp=CAU" /></a></div>
O artigo é um exemplo de como não se deve fazer pesquisa sobre um medicamento. Avaliar a efetividade de uma droga é um processo longo. Primeiro, porque o pesquisador precisa ter certeza de que o efeito observado se deve à droga e não à evolução natural da condição clínica do paciente ou outra causa não controlada. Segundo, porque seres humanos (e animais também) são suscetíveis ao <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Placebo">efeito placebo</a>: o fato de estarem recebendo atenção pode contribuir para a cura. Para evitar essas circunstância fazemos testes <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Randomized_controlled_trial">randomizados duplo-cego</a>: os pacientes são divididos em 2 grupos, um grupo recebe a droga cujo efeito está sendo estudado e outro grupo recebe um placebo (remédio sem efeito) ou uma outra droga com efeito conhecido, nos casos em que não seria ético deixar um grupo sem tratamento algum. A atribuição dos pacientes a cada grupo é feita ao acaso. Preferivelmente os estudos envolvem mais de um centro. Para evitar flutuações estatísticas, os grupos devem ser tão grandes quanto possível. Nada disso foi feito no estudo do Prof. Raoult. Não houve atribuição aleatória de pacientes aos dois grupos. Todos os pacientes tratados estavam no hospital onde o Prof. Raoult trabalha. O grupo de controle estava espalhado em outros hospitais no sul da França. O estudo não foi duplo cego: tanto os cuidadores quanto os pacientes sabiam que tipo de tratamento estava sendo feito. Mas o pior foi o estudo mal projetado: 42 pacientes iniciaram o estudo. 3 foram transferidos para a UTI. 1 morreu. 1 saiu do hospital. 1 interrompeu o tratamento devido a náuseas. Esses 6 pacientes, <b>todos do grupo que recebeu hidroxicloroquina</b>, foram simplesmente excluídos do estudo. Os demais 36 deixaram o hospital, sendo que os tratados saíram em menos tempo. Assim 15% dos pacientes do grupo tratado teve uma evolução muito negativa mas <b>isso não consta nas conclusões</b> do artigo. Ao contrário, os autores concluíram que hidroxicloroquina encurta o tempo de internação dos tratados. Esse estudo chamou a atenção do bilionário Elon Musk que <a href="https://twitter.com/elonmusk/status/1239650597906898947">tuitou</a> a respeito. A <a href="https://www.foxnews.com/">FoxNews</a>, rede de TV que invariavelmente apóia o Presidente Trump <a href="https://www.mediamatters.org/coronavirus-covid-19/trump-promoting-unproven-covid-19-cure-after-reckless-speculation-fox-news">anunciou</a> que "hidroxicloroquina tem 100% de sucesso contra o vírus". O presidente Trump mordeu a isca e não economizou elogios ao <a href="https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1241367239900778501">declarar</a> que essas drogas "poderiam ser uma das maiores descobertas da história da medicina". Seu seguidor Jair Bolsonaro embarcou na mesma conversa e determinou que o Brasil deveria adotar esse como tratamento preferencial. Desde então, a International Society of Antimicrobial Chemotherapy que controla a revista científica onde o artigo foi publicado publicou uma <a href="https://www.isac.world/news-and-publications/official-isac-statement">nota</a> na qual afirma que "A diretoria da ISAC acredita que o artigo não está de acordo com os padrões esperados pela sociedade". Um artigo mal feito, com conclusões erradas determinou a principal política pública do governo brasileiro em relação ao Covid-19.<br />
<script async="" charset="utf-8" src="https://platform.twitter.com/widgets.js"></script>Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-49295941143644142632019-10-22T21:24:00.001-03:002019-10-25T14:44:30.317-03:00Os Falsos Proeminentes Cientistas do Clima<a href="https://1.bp.blogspot.com/-i6_VKAJdfVA/Xa-caDhbfSI/AAAAAAABVlU/NjL5lub6rDMQtuZa076qRIBI5bHLaueGwCLcBGAsYHQ/s1600/LATTES3-1-1-jpeg.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="696" data-original-width="1343" height="103" src="https://1.bp.blogspot.com/-i6_VKAJdfVA/Xa-caDhbfSI/AAAAAAABVlU/NjL5lub6rDMQtuZa076qRIBI5bHLaueGwCLcBGAsYHQ/s200/LATTES3-1-1-jpeg.jpg" width="200" /></a><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9sar_Lattes">César Lattes</a> foi um dos mais célebres físicos experimentais brasileiros. Seu nome foi imortalizado na <a href="http://lattes.cnpq.br/">Base de currículos Lattes</a>, mantida pelo <a href="http://www.cnpq.br/">CNPq</a> consiste num patrimônio acadêmico brasileiro único no mundo. Desde 1999 virtualmente todos os acadêmicos e pesquisadores brasileiros, inclusive ex-ministros e ex-presidentes mantém atualizado seu perfil no Lattes. Ali estão todas as publicações científicas, participação em eventos, orientações, trajetória acadêmica, proficiência linguística, enfim, tudo o que caracteriza a vida intelectual e acadêmica. Como praticamente todos os cientistas brasileiros estão cadastrados na plataforma Lattes, ela contém uma quantidade enorme de informações relevantes sobre os cientistas e a comunidade científica brasileiros, infelizmente ainda pouco exploradas.<br />
Duas estratégias são muito usadas por pseudocientistas e anticientistas para confundir o público leigo: uma é apresentar supostas controvérsias onde há consenso. Outra é apresentar pesquisadores irrelevantes ou pouco prestigiados pelos seus colegas como grandes especialistas numa área. Nos dois casos eles se aproveitam do desconhecimento do público sobre como funcionam a pesquisa e as publicações científicas.<br />
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-s1MUkPT_cHk/Xa-b42kcrPI/AAAAAAABVlM/_7JImvbOr8oATm1qVq9kdiMrPoh-cxLcwCLcBGAsYHQ/s1600/7124090-3x2-700x467.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="467" data-original-width="700" height="133" src="https://1.bp.blogspot.com/-s1MUkPT_cHk/Xa-b42kcrPI/AAAAAAABVlM/_7JImvbOr8oATm1qVq9kdiMrPoh-cxLcwCLcBGAsYHQ/s200/7124090-3x2-700x467.jpg" width="200" /></a><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Global_warming">Mudança climática global</a> causada pela intervenção humana é um assunto carregado de profundas implicações políticas. Não há dúvida de que a <a href="https://www.esrl.noaa.gov/gmd/ccgg/trends/history.html">concentração de CO2</a> e de outros gases causadores de aquecimento global vêm aumentando a um ritmo nunca visto na história do planeta. O consenso na comunidade científica é que o aumento da concentração desses gases está causando a um aumento da temperatura média global com consequências que podem ser catastróficas para o futuro da humanidade mais cedo ou mais tarde. Por isso, por precaução, cientistas prestigiados se reuniram no <a href="https://www.ipcc.ch/">IPCC</a>, um painel global de especialistas em clima e fizeram uma <a href="https://www.ipcc.ch/2018/10/08/summary-for-policymakers-of-ipcc-special-report-on-global-warming-of-1-5c-approved-by-governments/">recomendação</a> de redução no ritmo de liberação de gases do efeito estufa. As atividades desse painel foram reconhecidas com o <a href="https://www.nobelprize.org/prizes/peace/2007/summary/">Prêmio Nobel da Paz em 2007</a>. Mesmo que os modelos adotados pelos especialistas estejam errados (o que é pouco provável), é prudente reduzir a concentração de CO2 e outros gases causadores de efeito estufa gases na atmosfera.<br />
Obviamente a indústria dos combustíveis fósseis não gosta nada dessas recomendações e <a href="https://www.theguardian.com/business/2019/mar/22/top-oil-firms-spending-millions-lobbying-to-block-climate-change-policies-says-report">vem investindo milhões</a> para desqualificar o trabalho dos cientistas sérios.<br />
Recentemente chegou a minha atenção uma <a href="https://clintel.nl/wp-content/uploads/2019/09/ecd-letter-to-un.pdf">carta </a>enviada à <a href="https://www.un.org/en/">ONU</a> por um grupo holandês chamado <a href="https://clintel.nl/">CLIntel</a>, ou <i>Climate Intelligence</i>. A carta começa afirmando que não há uma emergência climática e é <a href="https://clintel.nl/wp-content/uploads/2019/09/ED-brochureversieNWA4.pdf">assinada</a> por nada menos que "500 proeminentes cientistas". Caso esses signatários representem um grupo de cientistas reconhecidos por seus pares sem dúvida a carta deveria ser levada em consideração pela ONU.<br />
Um grupo de cientistas sérios preparou uma <a href="https://climatefeedback.org/evaluation/letter-signed-by-500-scientists-relies-on-inaccurate-claims-about-climate-science/">resposta</a> à carta. Segundo eles a carta contém várias estratégias há muito adotadas pela pseudociência: mentiras, <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Cherry_picking">cherry picking</a>, descontextualização de informações. afirmações imprecisas e não respaldadas por referências sólidas. Um dos críticos coloca em dúvida a competência científica dos 500 signatários.<br />
Como sete signatários são brasileiros, podemos utilizar a base Lattes para verificar se eles realmente são "proeminentes cientistas" como afirma o CLIntel.<br />
Seguem os nomes dos signatários brasileiros com links para seus currículos Lattes.<br />
<ol>
<li><a href="http://lattes.cnpq.br/5110326514774369">Luiz Carlos Baldicero Molion</a> tem doutorado em meteorologia e é professor da UFAL. O documento afirma que ele é professor emérito, a <a href="https://www.blogger.com/"><span id="goog_717206091"></span>Wikipedia <span id="goog_717206092"></span></a>diz que ele é professor associado. O Lattes não tem informação e na <a href="http://www.ufal.edu.br/unidadeacademica/icat/pt-br/imagens/graduacao/docentes/prof.-dr.-luiz-carlos-baldicero-molion/view">página da UFAL</a> não há menção a ele ser emérito. Segundo o Web of Knowledge, o mais prestigioso banco de dados acadêmicos do mundo, o Prof. Molion tem um índice h=10. O <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/H-index">índice h</a> é um estimador da relevância acadêmica de um pesquisador. O índice h é definido para um pesquisador que tem h artigos publicados com mais de h citações. No caso do Prof. Molion, ele tem 10 artigos internacionais com 10 citações cada um. O valor de h que indica relevância depende da idade do pesquisador e da área. No caso do Prof. Molion h=10 é um valor relativamente mediano, não o qualificando como um cientista muito proeminente. </li>
<li><a href="http://lattes.cnpq.br/3573585906523607">Ricardo Augusto Felicio</a> tem doutorado em geografia e é professor da USP. Seu Lattes revela que da sua lista de 11 artigos nenhum é em revista internacional. Alguns nem se qualificam como artigos. Dessa forma não é possível definir seu índice h. O professor Felício não pode ser considerado um proeminente cientista.</li>
<li>Geraldo Luis Saraiva Lino não tem currículo Lattes. Um proeminente cientista brasileiro teria.</li>
<li>Thiago Maia não tem currículo Lattes. Um proeminente cientista brasileiro teria.</li>
<li><a href="http://lattes.cnpq.br/0821822724489153">Igor Vaz Maquieira</a> tem graduação em ciências biológicas. Aparentemente não é professor ou pesquisador em nenhuma universidade. O senhor Maquieira não tem nenhuma publicação científica nacional ou internacional. O senhor Maquieira não pode ser considerado um cientista, muito menos proeminente.</li>
<li><a href="http://lattes.cnpq.br/3188013756766166">Mario de Carvalho Fontes Neto</a> tem graduação em Engenharia Agronômica. O senhor Fontes Neto não tem nenhuma publicação científica nacional ou internacional. O senhor Fontes Neto não pode ser considerado um cientista, muito menos proeminente.</li>
<li><a href="http://lattes.cnpq.br/9211462757287658">Daniela de Souza Onça</a> é doutora em geografia e professora da UDESC. Dos seus 11 artigos 9 são num certo Fórum Ambiental da Alta Paulista que não é exatamente uma revista científica. Como ela não tem nenhum artigo internacional não é possível definir um índice h. A professora Onça não pode ser considerada uma proeminente cientista.</li>
</ol>
Graças ao Lattes podemos mostrar que <b>nenhum </b>dos sete signatários brasileiros da carta da CLIntel é um proeminente cientista. Quatro deles nem podem ser qualificados como cientistas. Se extrapolamos essa amostra para os demais signatários podemos concluir que pelo menos grande parte dos qwue assinam a carta não são nem cientistas nem proeminentes. A carta é mais uma manobra dos grupos de pressão anticiência para desacreditar o trabalho de gente séria.<br />
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Agradeço ao colega e amigo Carlos Lenz Cesar por ter me chamado a atenção para a carta do CLIntel<br />
.Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-4512495388478996032019-10-09T00:16:00.000-03:002019-10-09T00:16:54.211-03:00Como pensa um terraplanista?<br />
<div style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-align: justify;">
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/-IzulDiRyLao/XZUsL_Gr54I/AAAAAAABVD0/ozDN1LwWCmYKzFjp318tXXquR9MnGJeywCLcBGAsYHQ/s1600/240px-The_Earth_seen_from_Apollo_17.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="240" data-original-width="240" src="https://1.bp.blogspot.com/-IzulDiRyLao/XZUsL_Gr54I/AAAAAAABVD0/ozDN1LwWCmYKzFjp318tXXquR9MnGJeywCLcBGAsYHQ/s1600/240px-The_Earth_seen_from_Apollo_17.jpg" /></a><br />
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O Estadão Podcast de <a href="https://brasil.estadao.com.br/blogs/estadao-podcasts/como-explicar-o-fenomeno-terraplanista-ouca-no-estadao-noticias/">30 de setembro de 2019</a> buscou explicar o "fenômeno terraplanista". O podcast tem entrevistas com os colegas e amigos <a href="http://lattes.cnpq.br/4640148190073166">Adilson de Oliveira</a>, do <a href="http://www.labi.ufscar.br/">LabI UFSCar</a> e <a href="http://lattes.cnpq.br/1794801345183675">Ricardo Ogando</a>, do <a href="http://staff.on.br/ogando/">Observatório Nacional</a>, além de <a href="http://lattes.cnpq.br/1162699160293092">Daniel Barros</a>, da <a href="http://www.iea.usp.br/pessoas/pasta-pessoad/daniel-barros">USP</a>. Ele também entrevistou Bruno Alves, do canal do YouTube <a href="https://www.youtube.com/channel/UCkVPPZdJn6gTL5H7Fk78NGg">Mistérios do Mundo</a>, que tem mais de 100 mil assinantes. Desde já vale a pena mencionar que três entrevistados são doutores ligados a universidades. Não consegui obter informações sobre a formação ou atuação acadêmica do Bruno.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Bruno foi quem falou por mais tempo no podcast. Versou seus argumentos sobre o formato da terra, que segundo ele é plana. Vale a pena analisar cada argumento de Bruno. Aqui tem material para tentarmos entender os mecanismos mentais que levam pessoas a pensar que a terra é plana.</div>
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<li style="text-align: justify;">"<i>A principal prova de que a terra é plana é a ausência de curvatura nas águas</i>". Esse argumento é falso. As águas terrestres têm sua superfície curva, mas essa curvatura é muito pequena para ser notada em um pequeno lago. Em 1 km de distância a superfície <a href="http://earthcurvature.com/">baixa </a>8 cm. Em 10 km ela baixa 7,85 m. É muito difícil de perceber. Isso fica mais claro olhando fotos de satélite, que mostram a superfície curva dos oceanos.</li>
<li style="text-align: justify;">"<i>Elaboramos testes: ilhas que deveriam estar encobertas respeitando esses cálculos de curvatura para uma esfera de 40 mil quilômetros. Essas ilhas deveriam estar encobertas pela curvatura do horizonte. Quando utilizamos câmeras potentes, telescópios conseguimos enxergar essa ilha. Então começamos a perceber que a questão de não enxergar alvos não tem a ver com a curvatura da terra e sim com a densidade atmosférica, refração atmosférica e a própria perspectiva do observador porque nossa visão é piramidal então obviamente todas as linhas de nossa visão chegam até um ponto de fuga. A gente foi percebendo isso através de estudos e pesquisas. Esta eu considero a principal prova de que a terra não é um globo</i>." Trata-se de um longo e confuso argumento. Bruno menciona uma certa ilha (qual ilha seria?) que deveria estar atrás do horizonte (a que distância do observador estaria?) devido à curvatura da terra. No entanto, segundo ele, é possível enxergar a tal ilha. Depois usa termos supostamente técnicos para justificar seu suposto resultado. Ele não menciona onde seu resultado está publicado, de forma que não é possível verificar seus resultados nem seus cálculos. Não há dúvida de que tem algum erro fundamental nessas medidas que não podem ser verificadas.</li>
<li style="text-align: justify;">"<i>A gravidade, assim como infelizmente outras teorias científicas foi se tornando infalível. A ciência de verdade deve ser baseada em sempre estabelecer o benefício da dúvida. Quando você cria uma teoria científica que é considerada infalível, isso não é ciência, é dogma. A gravidade nada mais é do que uma tentativa teórica de se explicar um fato. Qual fato? Os corpos caem. O fato é que ele cai porque é mais denso que o ar. Se ele for menos denso que o ar como um balão de hidrogênio ou de hélio ele vai subir. Por quê isso acontece? Existem tentativas teóricas. A teoria serve pra isso. Existem várias teorias. Newton tem a teoria da gravidade. Nós temos um grande físico brasileiro que tem a teoria do efeito ilha. Temos outro grande físico holandês chamado Verlinde que tem a teoria da entropia. Então tem muitas teorias que servem para explicar um fato observável, mas isso não significa que a teoria tem que ser transformada em lei. Temos inúmeros físicos, inúmeros que assinam contra a teoria da gravidade (sic), contra a teoria da relatividade, mas infelizmente a ciência moderna virou dogma. A mecânica quântica, por exemplo, quando você vai pro nível micro, a gravidade não se enquadra, assim como a relatividade não se enquadra. Então estão ainda tentando estabelecer teorias como a matéria escura e tudo mais por causa desse desenquadramento da gravidade com a realidade que a gente observa inclusive em exames laboratoriais. Gravidade é uma tentativa teórica de se explicar um fato observável." </i>Esse trecho demonstra claramente que o Bruno não é físico nem tem intimidade com conceitos básicos da Física. Ele se refere à <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Newton%27s_law_of_universal_gravitation">Teoria da Gravitação Universal</a> como "a teoria da gravidade". Afirma que na verdade os corpos caem por questão de densidade, sem explicar qual força faz um corpo cair por causa de sua densidade. As quedas devido às diferenças de densidade se devem justamente à força gravitacional. Na ausência de gravidade os objetos mais densos não caem. Ele menciona a teoria do "efeito ilha", supostamente de um grande físico brasileiro. Como nunca tinha ouvido falar disso, tive que pesquisar. O grande físico brasileiro é um certo Carlos José Borge, que aparentemente tem graduação pela USP. Difícil saber sobre suas credenciais científicas porque apesar de ser um grande físico ele não tem currículo Lattes, como os físicos menos grandes costumam ter. No Linkedin tem a informação de que ele é formado pela USP. A <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Le_Sage%27s_theory_of_gravitation">teoria do efeito ilha</a> na verdade é bem antiga, proposta em 1690 por Duillier e em 1748 por Le Sage. É uma tentativa cinética para modelar a gravitação a partir de supostas colisões com supostas partículas de origem obscura. O modelo é tão implausível que o prêmio Nobel em Física <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Feynman">Richard Feynman</a> ao ser perguntado o que achava do modelo respondeu com sua notória simplicidade: "Não funciona". <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Erik_Verlinde">Erik Verlinde</a> efetivamente propôs uma <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Entropic_gravity">teoria entropica da gravitação</a>. No entanto, ao contrário do que Bruno sugere, seus resultados são absolutamente compatíveis com a teoria newtoniana, propondo uma nova interpretação para o significado da <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Gravitational_constant">constante de gravitação universal</a> G. Bruno usa uma retórica muito comum entre fundamentalistas religiosos quando falam de ciência que é inventar controvérsia onde não há controvérsia. A teoria da gravitação de Newton foi formulada em seu <a href="https://cudl.lib.cam.ac.uk/view/PR-ADV-B-00039-00001/1">Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica</a> (Príncípios Matemáticos da Filosofia Natural) publicado em 1687. De acordo com Newton, é possível expressar matematicamente a interação gravitacional atrativa F que existe entre 2 corpos quaisquer como:<br /><a href="https://wikimedia.org/api/rest_v1/media/math/render/svg/48f74b3b4d591ba1996c4d481f74ac3ab7e279d7" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img alt="{\displaystyle F=G{\frac {m_{1}m_{2}}{r^{2}}},}" border="0" height="70" src="https://wikimedia.org/api/rest_v1/media/math/render/svg/48f74b3b4d591ba1996c4d481f74ac3ab7e279d7" width="200" /></a><br />onde G é uma constante universal, m1 e m2 são as massas dos corpos e r é a distância que os separa corpos. O valor de G é relativamente pequeno, de forma que a atração gravitacional só é facilmente detectada quando pelo menos uma das massas é grande e a distância pequena. Por isso você não está sentindo a atração de seu computador, tablet ou celular enquanto lê esse texto. Apesar da distância ser pequena as massas são muito pequenas. Mas a não ser que você esteja na ISS, você sente a atração da terra porque apesar de nossa distância até o centro ser grande a massa da terra é muito grande. Como qualquer lei física, a teoria da gravitação universal ela só foi universalmente aceita (exceto por um punhado de terraplanistas que ignoram física elementar) depois de confirmada através de medidas controladas. Em 1797 o físico britânico Henry Cavendish propôs um <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Cavendish_experiment">experimento</a> engenhoso capaz de medir forças extremamente pequenas usando as oscilações de um pêndulo de torção. Eu mesmo fiz essas medidas durante minha graduação em Física na UFRGS. É um experimento trabalhoso, que requer medidas ao longo de dias, mas que permite medir a força gravitacional entre esferas metálicas de massa conhecida. O valor de G obtido é, dentro da precisão experimental, o mesmo obtido na interação entre qualquer objeto e o planeta terra, o que confirma a validade da lei. Não há nenhum modelo melhor que o de Newton par explicar a interação gravitacional. Nenhum físico tem dúvida em relação à validade da teoria da gravitação de Newton. Nem assinaria coisa nenhuma contra ela. Bruno também insiste numa falsa hierarquia entre uma teoria e uma lei, como se uma lei fosse um estágio mais estabelecido de uma teoria. Errado. Em ciência, uma lei descreve um fenômeno, enquanto uma teoria fornece uma explicação sobre as causas. Isso é muito bem explicado nesse <a href="https://youtu.be/P30QlwSsUic">vídeo</a> das Amoeba Sisters. Bruno ainda invoca a Mecânica Quântica (não poderia faltar). Segundo ele a gravidade "não se enquadra" no mundo microscópico. Não sei muito o bem o que ele quer dizer com enquadrar, mas a gravidade é normalmente desprezada na mecânica quântica justamente porque G é pequena e as demais forças da natureza (elétricas, magnéticas, forte e fraca) são muito mais importantes e os efeitos gravitacionais não precisam ser considerados. Bruno finalmente entrega o fato de não ter treinamento em Física quando confunde testes em laboratório com "exames laboratoriais".</li>
<li style="text-align: justify;">Essa é talvez a parte mais delirante do depoimento. <i>"A partir do momento em que a NASA começou apresentar as imagens, NASA e outras agências espaciais, a mais famosa é a Blue Marble que ficou famosa, a terra vista do espaço. Com o advento da tecnologia e de alguns aparatos tecnológicos que começaram a ser colocados nas mãos das pessoas, por exemplo o programa Photoshop. Ele não só monta imagens como também denuncia quando uma imagem é real ou falsa. Vejam o que aconteceu com a Blue Marble, que está nos nossos livros de geografia e tudo mais. Terraplanistas verificaram que existiam nuvens repetida, nuvens com desenhos estranhos, e começaram a denunciar que existiam nuvens iguais às outras. Foi assim até que a própria NASA confessou que essas imagens são compiladas por aviões que voam a grandes altitudes que vão mapeando como a Google fez com o Google Earth. Eles vão tirando fotografias e depois juntam as fotografias em um círculo. As nuvens eles compilam com computação gráfica para dar um aspecto mais bonito. Então não existe imagem real da terra tirada do espaço. São várias fotos que eles colam num círculo e a própria NASA confessou isso. Quanto à questão do eclipse, aí está o grande erro. As pessoas foram acostumadas a entender que aquilo que acontece é a sombra da terra na lua. Não é. Através de vários experimentos observáveis em vários eclipses, eu mesmo já fiz vários, todos esses experimentos eu fiz, inclusive no meu canal tem. Nesse último eclipse solar estavam sol eclipsado e lua acima do horizonte. No lunar a mesma coisa: lua eclipsada e sol ainda acima do horizonte. Portanto não é alinhamento sol-terra-lua que causam os eclipses. Muito tempo atrás os antigos que foram aqueles lá de trás que previram os eclipses na antiguidade. Inclusive os astrônomos de hoje não têm a capacidade de prever um eclipse sequer. Todos eles são previstos através dos ciclos dos antigos chineses, dos antigos sumérios, dos antigos gregos, ciclos de saros. Toda vez que você vê um eclipse vai ver assim: eclipse 52 da séries saros. Aqueles povos antigos eram todos terraplanistas e digo mais: eles estabeleceram que eram outros corpos que causavam esses eclipses. Então eu fico com a sabedoria desses povos que compilaram esses ciclos, que hoje são utilizados pela astronomia moderna porque eles são incapazes de prever um eclipse sequer se não utilizarem aqueles ciclos. Então para tudo eles utilizam esses ciclos." E</i>ssa parte é um amontoado de mentiras e desinformação. Vamos por partes. A <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/The_Blue_Marble">Blue Marble</a> original, a imagem que ilustra esse texto, é uma única foto tirada em 7 de dezembro de 1972 pela tripulação da Apolo 17 a uma distância de 29 mil km da terra. Não é um mosaico como afirma Bruno, e não há nada de errado com as formas das nuvens. Em 25 de janeiro de 2012 a NASA divulgou uma imagem composta do hemisfério ocidental em alta resolução, e a chamou de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/The_Blue_Marble#Blue_Marble_2012">Blue Marble 2012</a>. A NASA nunca negou que essa imagem é composta, portanto nunca precisou "confessar" nada. Não foram terraplanistas armados de Photoshop que descobriram isso, mas a própria NASA. As fotos não foram tiradas por aviões, mas por satélites que orbitam o globo terrestre. como curiosidade, é bom saber que 2 de fevereiro de 2012 a NASA divulgou uma outra Blue Marble 2012 composta, mostrando o hemisfério oriental. Em 5 de dezembro de 2012 a NASA publicou uma imagem composta noturna em alta resolução da terra, a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/The_Blue_Marble#Black_Marble_2012">Black Marble 2012</a>. Bruno confunde as imagens compostas e não compostas para fazer parecer que a NASA é uma fraudadora de imagens. Isso é pura má fé. A discussão sobre eclipses é tão confusa que não consigo comentar. Além de confusa é mentirosa. Se o Bruno já viu um eclipse da lua ele sabe que não tem sol nenhum acima do horizonte. E no eclipse do sol obviamente vemos a lua entre o sol e a terra., logo ela está, assim como o sol, acima do horizonte. Dizer que os astrônomos não sabem prever eclipses é uma demonstração de ignorância em relação à ciência moderna. Eclipses vem sendo previstos há <a href="https://www.popsci.com/people-have-been-able-to-predict-eclipses-for-really-long-time-heres-how/">2 mil anos</a>, sendo que atualmente com uma precisão muito maior que usando os ciclos de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Saros_(astronomy)">Saros</a>, que deixaram de ser usados no século 19 com o desenvolvimento de métodos matemáticos por <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Bessel">Friederich Bessel</a> e <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/William_Chauvenet">William_Chauvenet</a>. Os ciclos de Saros, que duram pouco mais de 18 anos, foram engenhosamente observados por astrônomos babilônios nos últimos séculos antes de cristo e efetivamente permitem prever datas de eclipses pois conectam os movimentos do sistema sol-terra-lua. Os ciclos de Saros só foram entendidos com o advento da teoria da gravitação universal e são uma prova do seu sucesso para descrever os movimentos dos astros.</li>
<li style="text-align: justify;">Para terminar, mais "sabedoria": <i>"É fato que Fernão de Magalhães circunavegou a terra. Existem registros históricos assim como James Cook e outros.James Cook fez 3. É engraçado as pessoas dizerem que isso prova que a terra é um globo. É um absurdo porque qualquer um em pleno gozo das faculdades mentais sabe que ao circunavegar você faz um círculo portanto a terra é plana e circular. Se você sai de um ponto uma ilha, faz uma volta e chega do outro lado, que você fez? Circunavegou. Então obviamente as viagens de circunavegação são completamente possíveis num modelo de terra plana. Não há problema nenhum nisso. O que vai determinar as circunavegações desses caras se a terra é um globo ou é plana é o tempo. A parte onde eles circunavegaram é uma parte muito curta. Uma esfera é mais gorda no equador e vai afinando conforme vai indo pro sul ou pro norte. Eles circunavegaram na parte sul da terra, obviamente onde o tamanho seria menor, próximo à Antártida, sempre pelo sul da América do Sul. Fernão de Magalhães ainda passou por cima da Austrália e por baixo da África para voltar para a Europa. Então obviamente seria algo rápido. Pedro Álvares Cabral saiu de Portugal e passou pela parte maior da esfera que é o equador e chegou no Brasil em 21 dias. Assim como Fernão de Magalhães, que chegou à baía de Guanabara em semanas. Engraçado que na parte mais gorda da terra que é o equador, o trajeto da Europa até Brasil leva semanas, enquanto que para circunavegar pela parte pequena da terra levaram 3 anos. As viagens de Fernão de Magalhães e fr James Cook levaram em média 3 anos de circunavegação."</i> Nessa passagem Bruno prova que além de conhecer pouco de Física e Matemática, Bruno não é muito bom em Geografia. Basta olhar um <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Magellan%27s_circumnavigation#/media/File:Magellan_Elcano_Circumnavigation-en.svg">mapa mostrando o percurso da circunavegação de Magalhães</a>, por exemplo, para apreciar o quanto a viagem de circunavegação é mais longa do que a viagem de Portugal ao Brasil. Aliás o percurso de Portugal ao Brasil foi parte da circunavegação. Comparar os tempos de viagem também não faz sentido. Os mares do sul são de navegação muito mais difícil do que o Atlântico Norte. 3 anos é um tempo até muito razoável para essa trajetória. Atualmente um veleiro faz a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Around_the_world_sailing_record">circunavegação</a> em pouco mais de 40 dias.</li>
</ol>
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O que mais chama a atenção na fala do Bruno é a segurança com que afirma um monte de bobagens em série como uma metralhadora. Ele provavelmente não tem formação científica como pode ser constatado pela linguagem que usa (adorei o "exame laboratorial") e pelos conceitos que postula. Ele não entende as teorias que cita, não sabe avaliar a qualidade do trabalho de um físico, não consegue ler um mapa, conta uma história confusa acusando a NASA de mentirosa e supostamente desmascarada pela turma dele. Ele não entende como é possível prever um eclipse e afirma que ninguém sabe. Ainda assim, o Bruno é referência dentro da comunidade que devido a um viés cognitivo insiste em inventar uma controvérsia onde ela não existe. Nenhum cientista sério contesta o formato da terra.</div>
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/-vIyYLj2aOTU/XZ1OuwvGDKI/AAAAAAABVWw/EeJbCSUHmRI78N0dS-TzAx-I6DNOqGpvgCLcBGAsYHQ/s1600/dke.png" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="191" data-original-width="264" src="https://1.bp.blogspot.com/-vIyYLj2aOTU/XZ1OuwvGDKI/AAAAAAABVWw/EeJbCSUHmRI78N0dS-TzAx-I6DNOqGpvgCLcBGAsYHQ/s1600/dke.png" /></a>A única explicação que eu encontro é que estamos passando por uma espécie de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Dunning%E2%80%93Kruger_effect">efeito Dunning-Kruger</a> coletivo. Os psicólogos David Dunning e Justin Kruger ganharam o <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Ig_Nobel_Prize">prêmio Ig Nobel</a> de 2000 por definirem uma forma de viés cognitivo no qual as pessoas percebem sua própria capacidade cognitiva como maior que ela realmente é. Ela vem da incapacidade das pessoas para reconhecer os limites de sua própria incompetência. Por isso Bruno, que tem um conhecimento científico muito limitado, explica diversos assuntos que não entende. O processo pode ser melhor compreendido olhando a figura que representa esquemáticamente a autoconfiança em função da competência. O efeito Dunning-Kruger é a causa do pico à esquerda, onde se situa Bruno. Devido à sua baixa competência nos assuntos que aborda ele tem uma segurança enorme que se transmite a outras pessoas igualmente incapazes de um julgamento mais apurado devido a sua baixa competência. É preciso entender muito mais para que as pessoas se dêem conta de suas limitações.</div>
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Que podemos fazer para ajudar os Brunos a transporem o pico da curva e conseguirem entender o mundo?</div>
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Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-55101915404569414252019-07-26T13:07:00.000-03:002019-07-26T13:07:58.002-03:00A Metodologia do RolezinhoNossa espécie consegue aprender através da experiência. Consegue também registrar o aprendizado e passá-lo de geração em geração. Inventamos a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Mathematics">Matemática</a>. Inventamos a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Science">Ciência</a>. Desenvolvemos uma metodologia que chamamos de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Scientific_method">Método Científico</a> que permite saber quando a nossas <a href="https://www.letras.mus.br/cazuza/45005/">ideias correspondem aos fatos</a>. Isso revolucionou a forma como percebemos a nós mesmos, a vida, o universo e tudo mais. Entendemos o universo e vivemos melhor com as tecnologias que desenvolvemos a partir do conhecimento científico.<br />
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<a href="https://1.bp.blogspot.com/-IHwGsrLKnpc/XTsYah7iSwI/AAAAAAABTr4/M5r6VfSNP2sFed1a8h-72ArgYL9RZ3GHACLcBGAs/s1600/diffractomkins.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="180" data-original-width="115" src="https://1.bp.blogspot.com/-IHwGsrLKnpc/XTsYah7iSwI/AAAAAAABTr4/M5r6VfSNP2sFed1a8h-72ArgYL9RZ3GHACLcBGAs/s1600/diffractomkins.jpg" /></a>O aprendizado muitas vezes contraria nossas crenças e a intuição que desenvolvemos na vida quotidiana. Bons exemplos de dicotomia entre realidade e nossa experiência quotidiana ocorrem na <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Quantum_mechanics">Mecânica Quântica</a>. A Mecânica Quântica descreve o universo sub-microscópico. Nessa escala ocorrem efeitos bizarros e surpreendentes. Quando passa por uma fenda de tamanho comparável com o seu um elétron é <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Diffraction">difratado</a> como acontece com a luz, ou seja, passa a existir uma probabilidade de encontrá-lo seguindo trajetórias diferentes da esperada para uma partícula macroscópica. Isso é um efeito quântico. Quando uma pessoa passa por uma fenda de tamanho comparável com o seu (uma porta, por exemplo) ela não é difratada. A Mecânica Quântica não descreve bem situações do mundo macroscópico. Por esse motivo os cientistas precisam desenvolver intuições compatíveis com as leis da natureza que se aplicam ao sistema que estão estudando para poder compreendê-los. Essas intuições levaram a invenções e descobertas que mudaram nossa vida. O <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Transistor">transístor</a>, base de toda a eletrônica e tecnologia da informação, é um dispositivo que só pode ser compreendido a partir da Mecânica Quântica. Ele funciona, ainda que seu funcionamento desafie nossa percepção da realidade macroscópica.<br />
Políticos em geral não são cientistas. Políticos minimamente espertos, mesmo que não muito inteligentes, têm <a href="https://www.scientificamerican.com/article/trump-taps-meteorologist-as-white-house-science-advisor/">assessores científicos</a> para apoiar suas decisões importantes. Eles sabem que o conhecimento científico permite a percepção mais fidedigna possível da natureza e da sociedade.<br />
O Brasil tem um histórico contraditório, misturando decisões políticas baseadas em evidências com outras baseadas em bobagens. No governo Dilma um obscuro professor da USP alardeou aos quatro ventos que tinha descoberto uma substância milagrosa que curava qualquer tipo de câncer, a <a href="http://ccientifica.blogspot.com/2015/10/fosfoetanolamina-o-cogumelo-do-sol-da.html">fosfoetanolamina</a>. Apesar de não haver evidência científica alguma para suas afirmações, ele conseguiu uma horda de seguidores que pressionou governos estaduais e o federal a fazer <a href="http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-03/instituto-do-cancer-suspende-estudo-com-fosfoetanolamina-por-falta-de-eficacia">estudos</a> caros e injustificados, que demonstraram que as curas alardeadas eram fruto da imaginação coletiva.<br />
Nada que possa ser comparado com o governo atual. O Método Científico foi substituído pela <a href="http://www.diretodaciencia.com/2019/05/29/a-metodologia-cientifica-do-ministro-osmar-terra-o-rolezinho/">Metodologia do Rolezinho</a>, termo cunhado no ótimo <a href="http://www.diretodaciencia.com/">Direto da Ciência</a> por Maurício Tuffani. Em que consiste a Metodologia do Rolezinho? Muito simples. Sempre que queremos testar se alguma ideia corresponde aos fatos em lugar de aplicar o método científico damos um rolê. Se no meio do rolê não observamos nenhuma evidência para essa ideia então ela deve estar errada.<br />
O método do rolezinho foi brilhantemente usado pelo ministro da cidadania ao se deparar com dados sobre consumo de drogas cuidadosamente obtidos pela Fiocruz num estudo que durou 3 anos. Segundo o estudo, apesar de haver consumo elevado <a href="https://oglobo.globo.com/sociedade/ministro-ataca-fiocruz-diz-que-nao-confia-em-estudo-sobre-drogas-engavetado-pelo-governo-23696922">não há uma epidemia de uso de drogas no país</a>. Isso contrariou a percepção do ministro. Ele precisava verificar quem estava certo: a Fiocruz ou ele. Então ele deu um rolezinho, chegando à conclusão obvia (para ele): "Eu andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada." Tenho uma péssima notícia para o ministro: ele não entende mais nada, como nunca entendeu. O método do rolezinho venceu.<br />
O próprio presidente é um forte adepto da Metodologia do Rolezinho. Ele acha que não há fome no Brasil, porque "não vê gente pobre pelas ruas com físico esquelético". Portanto em sua compreensão limitada os <a href="https://www.terra.com.br/noticias/brasil/bolsonaro-esta-mal-informado-diz-diretor-geral-da-fao,3cc23784475a0fe3a7973fbd0978644e1vcew0og.html">dados da FAO</a> obtidos pelo método científico devem estar errados. O presidente tem convicção que os <a href="http://www.abc.org.br/2019/07/21/diretor-do-inpe-nega-acusacoes-de-bolsonaro-reafirma-dados-sobre-desmatamento-e-diz-que-nao-deixara-cargo/"> dados obtidos pelo INPE</a> sobre desmatamento durante seu governo são mentirosos. Ele mesmo deu um rolê de avião sobre a Amazônia e se convenceu disso. Portanto na opinião dele os cientistas do INPE são uns incompetentes e inimigos do Brasil. Mais Metodologia do Rolezinho em ação. O <a href="https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2019/07/22/marcos-pontes-endossa-bolsonaro-e-questiona-inpe-sobre-dados-de-desmatamento.htm">ministro</a> da ciência, tecnologia, inovações e comunicações, que apesar do cargo que ocupa não tem treinamento científico além do clássico experimento do <a href="https://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u14356.shtml">pé de feijão</a>, também acha que o desmatamento não é tanto assim e valida o uso da Metodologia do Rolezinho em lugar do Método Científico. Estamos num mau caminho. Se o presidente ou seus ministros aplicarem a Metodologia do Rolezinho a um transístor com certeza dirão que ele não pode funcionar.<br />
O astrólogo oficial da república, mentor intelectual do atual governo, apresentou a base filosófica da Metodologia do Rolezinho em vídeos, como eu comentei <a href="http://ccientifica.blogspot.com/2019/01/olavo-e-relatividade.html">aqui</a>.<br />
Ao substituir o Método Científico pelo Método do Rolezinho o governo do Brasil deu mais um enorme passo rumo ao obscurantismo pré-científico, que parece ser um de seus objetivos. Vai ser assim até que o mandato termine ou esse pessoal seja derrubado (<a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Inshallah">inshallah</a>). Os primeiros passos na direção de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/The_Handmaid%27s_Tale">Gilead</a> já foram dados.<br />
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-wJYUobp37KQ/XTsSp5kXOgI/AAAAAAABTrk/GDJFCe5UED4DiLHd85MlOUSUeMVw3_C2QCLcBGAs/s1600/jtbvvpl906b11.png" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="315" data-original-width="600" height="105" src="https://1.bp.blogspot.com/-wJYUobp37KQ/XTsSp5kXOgI/AAAAAAABTrk/GDJFCe5UED4DiLHd85MlOUSUeMVw3_C2QCLcBGAs/s200/jtbvvpl906b11.png" width="200" /></a>Mas o que poderíamos esperar quando um dos <a href="https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-aprova-dois-projetos-em-26-anos-de-congresso,70001900653">dois projetos</a> aprovados pelo presidente em 26 anos como deputado federal foi justamente o que autorizava o uso da <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2078864&ord=1">fosfoetanolamina </a>por parte de pacientes com câncer?<br />
<br />Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com2Porto Alegre, RS, Brasil-30.0346471 -51.217658400000005-30.4742036 -51.8631054 -29.595090600000002 -50.572211400000008tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-45191742087241364732019-01-10T19:24:00.000-02:002019-01-11T23:06:26.276-02:00Olavo e a Relatividade<span style="text-align: justify;">Em cada época da história há pessoas na vanguarda da compreensão da <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Life,_the_Universe_and_Everything" style="text-align: justify;">vida, do universo e tudo mais</a>. Chamamos essas pessoas de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Philosophy">filósofos</a>. A palavra filósofo vem do grego φιλόσοφος, ou amante da sabedoria. Filósofos importantes influenciaram e mesmo determinaram como a sociedade se organizou, a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Morality">moral</a>, a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Ethics">ética</a>, de onde viemos e para onde vamos. Obviamente a invenção do <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Scientific_Revolution">pensamento científico contemporâneo</a>, que começou na Europa renascentista do século XVI, teve forte influência na filosofia. <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Isaac_Newton">Isaac Newton</a> chamou seu tratado sobre a natureza em três volumes de <i>Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica </i>(<a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Philosophi%C3%A6_Naturalis_Principia_Mathematica">Princípios Matemáticos da Filosofia Natural</a>). Nessa obra colossal é descrito o modelo que usamos até hoje para descrever o movimento de corpos materiais, a gravitação, o movimento de planetas. Ele sistematiza a noção de campos, e de quebra descreve o <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Calculus">cálculo infinitesimal</a>. No volume 3 Newton propõe "Regras de Raciocínio em Filosofia" em que enuncia algumas bases do raciocínio científico: efeitos similares devem ter causas similares (universalidade das leis da Física) e a compreensão da realidade deve derivar de fenômenos observados experimentalmente. Isso atualmente pode parecer óbvio, mas no século XVII não era.<br />
<br />
O Brasil de 2019 está passando por um fenômeno muito curioso. Membros importantes do governo recém empossado (incluindo o presidente) têm <a href="https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/guru-de-bolsonaro-diz-que-nao-existem-intelectuais-da-esquerda-a-seu-nivel.shtml">citado</a> como referência intelectual o senhor <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Olavo_de_Carvalho">Olavo de Carvalho</a>. Mesmo sem ter tido educação formal na área, o Sr. Carvalho se apresenta como <a href="http://www.olavodecarvalho.org/">filósofo </a>e mantém uma <a href="https://www.seminariodefilosofia.org/">página</a> na qual oferece cursos on line sobre diversos assuntos ligados à filosofia.</span>
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<span style="text-align: justify;"><br /></span>
<span style="text-align: justify;"><span style="text-align: justify;">Mas o que faz de um pacato cidadão um filósofo? Difícil de saber. Certamente não é um curso de graduação em Filosofia. Minha mãe era formada em Filosofia e nem por isso ficava filosofando ou falando dos mistérios da vida, do universo e tudo mais. O Sr. Carvalho é autor de uma longa lista de livros sobre os mais diversos assuntos. No entanto, ele </span></span>não é reconhecido pelos pares ou pelo mundo acadêmico como alguém com algo relevante a dizer sobre a vida, o universo e tudo mais,<span style="text-align: justify;"><span style="text-align: justify;"> como pode ser verificado <a href="https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38282897">aqui</a>, <a href="http://www.cafecolombo.com.br/ideias/precisamos-falar-sobre-olavo-de-carvalho-3/">aqui </a>e <a href="https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/decadente-e-derrotado-olavo-de-carvalho-mobiliza-os-feios-sujos-e-malvados-ou-o-filosofo-sujo/">aqui</a>.</span></span><br />
<span style="text-align: justify;"><span style="text-align: justify;"><br /></span></span>
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O Sr. Carvalho costuma publicar vídeos em seu <a href="https://www.youtube.com/channel/UC6RQhzm93SterWntL7GzqYQ">canal no Youtube</a> nos quais fala sobre os mais diversos assuntos, inclusive Ciência. Vou comentar um dos seus vídeos, no qual o Sr. Carvalho aplica seu bom senso ao movimento da terra em torno do sol.<br /> </span>
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<div style="text-align: center;">
<iframe allow="accelerometer; autoplay; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture" allowfullscreen="" frameborder="0" height="252" src="https://www.youtube.com/embed/H_dICdnI99U?start=79" width="448"></iframe>
</div>
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<blockquote class="tr_bq">
<div style="text-align: justify;">
"Com relação à origem da relatividade o que aconteceu foi o seguinte: no fim do século passado [houve] uma dupla de cientistas, Michelson e Morley, que disseram o seguinte: se de fato a terra se move em volta do sol então devem haver diferenças na velocidade da luz em vários pontos da terra conforme as várias estações do ano. Eles mediram isso milhares, milhares e milhares de vezes e viram que não mudava nada. Então das duas uma: ou a terra não se move ou então é preciso modificar a Física inteira. Um cidadão chamado Albert Einstein viu isso e decidiu que era preferível modificar a Física inteira só para não admitir que não havia provas do heliocentrismo. Ele fez então um arranjo que implicava em várias noções muito estranhas como a curvatura do espaço que é um conceito que até hoje eu não entendi. [...] Mais ainda a noção de que pessoas que viajassem através do espaço teriam várias idades ao mesmo tempo, e muitas coisas muito esquisitas que nunca foram provadas, mas que eram intelectualmente muito elegantes e de algum modo salvavam as aparências. O fato é que no confronto entre geocentrismo e heliocentrismo não existe nenhuma prova definitiva nem de um lado nem do outro. Você pode usar um sistema de referência ou pode usar o outro."</div>
</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
Citando a frase atribuída ao genial <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Wolfgang_Paul">Wolfgang Pauli</a>, isso é tão absurdo que <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Not_even_wrong">nem chega a estar errado</a>.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Como demonstraremos a seguir, o Sr. Carvalho mostra ter pouca familiaridade com o Método Científico, com a História da Ciência e com a própria Teoria da Relatividade.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Ao contrário do que o Sr. Carvalho afirma, os experimentos de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Michelson%E2%80%93Morley_experiment">Michelson-Morley</a>, realizados entre 1871 e 1878, não estavam testando se a terra se move ou não. Isso já havia sido estabelecido sem sombra de dúvidas por <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Nicolaus_Copernicus">Nicolau Copérnico</a> 400 anos antes. Michelson e Morley estavam testando a hipótese de existir um meio (chamado de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Aether_theories">éter</a>) para a propagação das ondas eletromagnéticas. Naquela época muitos cientistas pensavam que assim como ondas materiais (som por exemplo) só se propagam em meios materiais, deveria haver um meio de propagação para as ondas eletromagnéticas. Michelson e Morley projetaram um <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Interferometry">interferômetro</a> extremamente sensível para detectar variações mínimas na velocidade da luz. Eles apontaram seu equipamento em diferentes direções, buscando variações na velocidade da luz, o que deveria ocorrer devido ao movimento da terra caso o éter existisse. Michelson e Morley determinaram que a velocidade da luz era sempre a mesma, não importando a direção na qual orientavam o seu interferômetro. Isso não só descartou a hipótese do éter mas também criou um novo desafio teórico: como pode a velocidade da luz ser a mesma em todas as direções dado que a terra <b>está</b> se movendo? A resposta veio a partir dos trabalhos de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Length_contraction">Fitzgerald e Lorentz</a> (1892). Eles propuseram que por algum motivo uma mudança de sistema de referência no contexto do <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Electromagnetism">eletromagnetismo </a> (<a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Lorentz_transformation">transformação de Lorentz</a>) é diferente do que ocorre no contexto da mecânica <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Galilean_transformation">(transformação de Galileu</a>), mais intuitiva porque mais próxima de nossa experiência cotidiana. Em 1905 <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Albert_Einstein">Albert Einstein</a> formulou a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Special_relativity">Teoria da Relatividade Restrita</a> na qual unificou os resultados da mecânica e do eletromagnetismo postulando que a velocidade da luz é constante em qualquer sistema de referência chamado de inercial. Portanto, apesar de a transformação de Lorenz ser a maneira correta para tratae de mudanças de sistemas de referência, a transformação de Galileu pode ser usada quando o movimento relativo dos sistemas de referência ocorre a velocidades baixas comparadas com a da <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Speed_of_light">luz</a> que é de cerca de 300 mil km/s, muito maior do que estamos acostumados a experimentar em nosso dia-a-dia.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Isso tudo não tem nada a ver com a curvatura do espaço (que o Sr. Carvalho confessa não entender, e é um assunto muito difícil mesmo para quem estudou geometria avançada), que é um conceito que aparece na <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/General_relativity">Teoria Geral da Relatividade</a>.</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Ao formular as teorias da relatividade restrita e geral, Einstein não estava tentando resolver o problema do movimento da terra, mas sim o problema da invariância da velocidade da luz em mudanças de sistemas de referência. Isso é provavelmente demais para o entendimento de Ciência do Sr. Carvalho, a quem resta aplicar o seu senso comum e interpretar o experimento de Michelson-Morley como evidência para a terra não se mover.</div>
<br />
<div>
<div style="text-align: justify;">
Mas afinal como sabemos que a terra gira em torno do sol (modelo heliocêntrico) e não o sol gira em torno da terra (modelo geocêntrico)? Na verdade, isso ocorre porque supondo o sol no centro do movimento de todos os planetas a descrição desses movimentos fica muito mais simples e compatível com a teoria da gravitação exposta nos <i>Principia</i>. Isso é a essência da Ciência: fazer modelos que nos ajudam a compreender a Natureza.<br />
Com a invenção do telescópio no século XVI uma enxurrada de evidências astronômicas foi produzida:</div>
<br /></div>
<div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><b><img alt="See Explanation.
Moving the cursor over the image will bring up an annotated version.
Clicking on the image will bring up the highest resolution version
available." height="211" src="https://apod.nasa.gov/apod/image/1006/retrogrademars2010_tezel_annotated.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;" width="320" /></b></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><b>APOD/Tunç Tezel/NASA</b></td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<b>Movimentos retrógrados dos planetas</b>. Vistos da terra, os planetas executam trajetórias estranhas no céu, como o movimento de Marte reproduzido ao lado. Isso foi observado já no século XVI e foi um dos principais argumentos usados por Copérnico para propor o modelo heliocêntrico. O ajuste preciso das trajetórias só foi possível quando <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Johannes_Kepler">Johannes Kepler</a> propôs que os planetas percorrem trajetórias elípticas e não estritamente circulares em torno do sol.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<b style="text-align: center;"></b></div>
<div>
<a href="https://astronomer-wpengine.netdna-ssl.com/wp-content/uploads/2012/02/Venus_phases.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; display: inline !important; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-align: center;"><img alt="Image result for phases of venus" border="0" height="93" src="https://astronomer-wpengine.netdna-ssl.com/wp-content/uploads/2012/02/Venus_phases.jpg" width="200" /></a></div>
<div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
<div style="text-align: left;">
<b style="text-align: center;">As fases de Vênus</b><span style="text-align: center;">. Vênus apresenta tem fases semelhantes às da Lua. Isso não tem explicação num modelo geocêntrico mas é consequência direta d</span><span style="text-align: center;">o modelo heliocêntrico.</span></div>
<div>
<span style="text-align: center;"><br /></span></div>
</div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div>
<div style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;">
<img height="155" src="https://en.es-static.us/upl/2011/03/obliquity_wikimedia_4001.jpg" width="200" /></div>
</div>
<div>
<b>As estações do ano</b>. É muito difícil explicar porque ocorrem as estações do ano num modelo geocêntrico. No modelo heliocêntrico basta considerar que o eixo de rotação de terra está inclinado em relação ao plano da órbita em torno do sol. Essa inclinação é de cerca de 23<span style="font-family: "calibri" , sans-serif; font-size: 11pt;">°</span> (é por isso que o trópico de Capricórnio passa bem pertinho de Campinas, que tem latitude 23<span style="font-family: "calibri" , sans-serif; font-size: 11pt;">°</span>). A própria ocorrência de anos é consequência da rotação da terra em volta do sol.</div>
</div>
<br />
O heliocentrismo foi adotado como a descrição correta do sistema solar porque seus resultados são passíveis de explicação por uma teoria simples e elegante, capaz de fazer previsões sobre a evolução do sistema. Essa é a base da Ciência. Por isso as escolas ensinam heliocentrismo, não geocentrismo. A fala o Sr. Carvalho só mostra o quanto suas ideias sobre Física, heliocentrismo, relatividade e tudo o mais são baseadas apenas no senso comum e não na erudição e entendimento de conceitos como ele quer que acreditemos. Na verdade isso só convence outras pessoas que também não entendem o assunto. O grave é que o Sr. Carvalho tem não só admiradores mas seguidores que tomam suas palavras como uma expressão da verdade. Assim nascem as pseudociências. Ao falar de Ciência o Sr. Carvalho certamente não se qualifica enquanto filósofo, mas simplesmente como articulador de senso comum óbvio e errado, prática comum entre os gurus de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Self-help">auto-ajuda</a>. Ele no fundo não entende do que fala, usando fatos, resultados e conceitos fora de contexto e chegando a conclusões pretensamente científicas. Isso se chama <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Pseudoscience">pseudociência</a>.<br />
<br />
Pobre do país em que o guru intelectual dos governantes, com poderes suficientes para indicar dois ministros (inclusive o da <a href="https://novaescola.org.br/conteudo/13692/o-que-esperar-do-ministro-da-educacao-de-jair-bolsonaro">Educação</a>) seja tão superficial e tacanho.<br />
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<ol>
</ol>
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Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-73939919424953953052017-05-29T00:59:00.000-03:002017-06-02T12:18:19.566-03:00A Guerra Homeopática no Jornal da USP<br />
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-_8gy9AclCwM/WSuYVGhKgPI/AAAAAAAA78I/5ZXjKN2dl6YchSDDy3HYPPY1xC25cmPsACLcB/s1600/jusp.jpeg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="145" data-original-width="346" height="83" src="https://1.bp.blogspot.com/-_8gy9AclCwM/WSuYVGhKgPI/AAAAAAAA78I/5ZXjKN2dl6YchSDDy3HYPPY1xC25cmPsACLcB/s200/jusp.jpeg" width="200" /></a>Para que serve o jornal de uma universidade? Essa pergunta parece simples mas a resposta pode não ser muito óbvia. No Brasil praticamente todas universidades têm um jornal, que em geral é dedicado a promover o que a administração da universidade considera importante em suas atividades. Em alguns casos eles buscam traduzir em linguagem mais simples descobertas científicas importantes da universidade, e assim tornam-se importantes veículos de divulgação científica. Jornais de universidades importantes são também o <i>locus</i> de debates relevantes além da academia. Mas como o pano de fundo em geral é a ciência, os jornais de universidades respeitadas acabam emprestando prestígio e respeitabilidade aos assuntos que neles são discutidos.<br />
Não foi por outro motivo que em março de 2017 houve uma reação unânime da comunidade científica quando um professor <a href="http://lattes.cnpq.br/7984648859899240">Ciro Marcondes Filho</a>, da <a href="http://www3.eca.usp.br/">ECA-USP</a> publicou em sua coluna Ciência Feliz (juro que o nome é este!!!) um <a href="http://jornal.usp.br/atualidades/larvicida-e-apontado-como-causa-provavel-da-microcefalia/">artigo</a> requentando uma informação falsa e irresponsável feita pela obscura <a href="http://reduas.com.ar/informe-de-medicos-de-pueblos-fumigados-sobre-dengue-zika-y-fumigaciones-con-venenos-quimicos/">Organização Médicos em Cidades Pulverizadas</a> (o nome já deveria ser um sinal de alerta) associando o larvicida <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Pyriproxyfen">pyriproxyfen</a> com microcefalia. Para piorar, em lugar de reconhecer o erro (o que talvez arranharia seu ego) o Prof. Ciro saiu com uma explicação esfarrapada em relação ao papel da divulgação científica, como se ela devesse dar voz a qualquer ideia por mais esquisita e distanciada da realidade que fosse. Esse assunto foi muito bem abordado por meus colegas <a href="http://genereporter.blogspot.com.br/2017/03/divulgacao-cientifica-garoto-de-recados.html">Roberto Takata</a> e <a href="http://carlosorsi.blogspot.com.br/2017/03/o-baixo-ventre-da-divulgacao-cientifica.html">Carlos Orsi</a>. <br />
<a href="https://3.bp.blogspot.com/-d6-AiBDKJFY/WSuYCjz9NjI/AAAAAAAA78E/GzMDk6hI8_oVY1x71vbQH18eBAZFhCnCgCLcB/s1600/medicine_dropper.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="271" data-original-width="500" height="108" src="https://3.bp.blogspot.com/-d6-AiBDKJFY/WSuYCjz9NjI/AAAAAAAA78E/GzMDk6hI8_oVY1x71vbQH18eBAZFhCnCgCLcB/s200/medicine_dropper.jpg" width="200" /></a>Parece que o Jornal da USP insiste em dar voz e validade acadêmica à pseudociência. Em 19 de abril publicou o artigo <a href="http://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/ensino-de-homeopatia-veterinaria-e-deficiente-afirma-pesquisadora/">Ensino de homeopatia veterinária é deficiente, afirma pesquisadora</a> sobre a dissertação de mestrado de <a href="http://lattes.cnpq.br/4551800095581111">Clarice Vaz de Oliveira</a> apresentada à <a href="http://www.fmvz.usp.br/">FMVZ-USP</a>. Na dissertação a autora constata que homeopatia quase não faz parte dos currículos de Medicina Veterinária, o que ela considera injusto e resultado de uma disputa de poder. Eu e muitos outros cientistas temos uma opinião diferente. Até agora a dissertação não resultou em publicação em periódico especializado.<br />
No dia 15 de maio o professor <a href="http://lattes.cnpq.br/1153835367118420">Beny Spira</a> do <a href="https://ww2.icb.usp.br/icb/">ICB-USP</a> reagiu com um artigo que teve o título forte, <i>A Homeopatia é uma farsa criminosa</i> mudado para <a href="http://jornal.usp.br/artigos/a-homeopatia-e-uma-farsa-criminosa/">A Homeopatia é uma farsa</a> (o link continua com o nome original). O artigo do Prof. Spira é bastante didático ao mostrar como a homeopatia não tem efeito maior que o placebo, com 3 referências, entre elas o clássico editorial da <a href="http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(05)67149-8/fulltext">Lancet em 2005</a> que sugere que paremos de <a href="http://carlosorsi.blogspot.com.br/2017/05/debates-cientificos-quanto-e-o-bastante.html">destinar fundos</a> a estudos sobre a homeopatia dada a total ausência de evidências de sua eficácia.<br />
Em 19 de maio é publicado um artigo da lavra de Clarice Vaz de Oliveira, agora apresentada como "médica veterinária pela FMVZ e especializanda (sic) em Bioética na FMUSP", <a href="http://jornal.usp.br/artigos/uma-resposta-da-homeopatia-a-beny-spira/">Uma resposta da homeopatia a Beny Spira</a>, com 7 referências (além de mais 4 não-hiperlinks). Entre outros argumentos, ela usa o artigo <i>The Lancet e o proclamado fim da homeopatia: revisão crítica de publicação de Shang et al. (2005) e dos artigos relacionados subsequentes </i>de José Eizayaga em contraponto ao editorial da <i>Lancet</i> e a <a href="http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(05)67177-2/abstract">meta-análise</a> que o motivou. Ela não diz onde o artigo do Dr. Eizayaga foi publicado. Uma busca na web revela que o <a href="http://aph.org.br/revista/index.php/aph/article/view/262">artigo</a>, em português, foi publicado na <a href="http://aph.org.br/revista/index.php/aph/index">Revista de Homeopatia</a> editada pela <a href="http://aph.org.br/">Associação Paulista de Homeopatia</a>. Mostra também que o Dr. Eyzayaga é diretor do <a href="https://www.maimonides.edu/departamentos/homeopatia,%20departamento%20de%20homeopatia%20universidad">Departamento de Homeopatia</a> da <a href="https://www.maimonides.edu/">Universidad Maimónides</a>, em Buenos Aires. Curiosamente ele usa seu endereço eletrônico no gmail em lugar de um endereço institucional. Clarice termina seu artigo afirmando que "A homeopatia tem provas dadas de sua capacidade de resistência, através da firme convicção de seus usuários e praticantes."<br />
No mesmo dia 19 de maio foi publicado outro artigo <a href="http://jornal.usp.br/artigos/o-papel-da-agua-na-homeopatia/">O papel da água na homeopatia</a>, de autoria de <a href="http://lattes.cnpq.br/5663912463879490">Alvaro Vannucci</a>, docente aposentado do <a href="http://portal.if.usp.br/ifusp/">IFUSP</a>. Nesse artigo o autor argumenta que a água tem memória, o que apoiaria a ultradiluição usada em homeopatia. Entre as 14 referências há um artigo baseado em uma tese de doutorado que ele orientou, em que os autores argumentam que diferenças na impedância de água que diluiu LiCl em 15C (ou seja, 10³⁰, além do <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Avogadro_constant">número de Avogadro</a>) e água de referência poderiam ser explicados por efeitos de memória. <br />
Em 22 de maio o Dr. <a href="http://lattes.cnpq.br/5057017473145513">Marcus Zulian Teixeira</a>, homeopata que se apresenta como "coordenador da disciplina optativa <a href="http://www2.fm.usp.br/homeopatia/index.php">Fundamentos da Homeopatia</a>" da <a href="http://www.fm.usp.br/">FM-USP</a> contra-atacou com um artigo chamado <a href="http://jornal.usp.br/artigos/homeopatia-e-preconceito-ausencia-de-evidencias-cientificas-ou-negacao-das-existentes/">Homeopatia e preconceito: ausência de evidências científicas ou negação das existentes?</a>. Nesse artigo o Dr. Teixeira busca convencer o leitor de que a homeopatia é vítima de preconceito apesar de supostamente ter uma sólida base científica. Para apoiar suas afirmações o Dr. Zulian cita nada menos que 50 referências.<br />
No dia 25 de maio o Prof. Spira rebateu as críticas do Dr. Teixeira em seu artigo <a href="http://jornal.usp.br/artigos/pos-verdade-homeopatica-evidencias-cientificas-nem-um-pouco/">Pós-verdade homeopática: Evidências científicas? Nem um pouco</a>. Nele o Prof. Spira analisa uma por uma as 50 referências do Dr. Teixeira. Ele explica o que é a revisão por pares e porque 49 dos 50 artigos citados não deveriam ser tratados como evidência para nada. O <a href="http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S030121151730060X">único artigo</a> que foi publicado em uma revista com padrões de qualidade minimamente aceitáveis foi alvo de <a href="http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S030121151730221X">crítica</a> por outros pesquisadores que insinuam que um artigo com as falhas metodológicas que ele apresenta e que escaparam dos revisores não deveria ter sido aceito para publicação. A <a href="http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0301211517302221">resposta</a>, que por várias vezes agradece ao periódico por publicar um artigo sobre homeopatia, não reponde as principais críticas.<br />
<br />
Eu gostaria primeiramente de comentar o artigo do Dr. Teixeira no Jornal da USP. Ele contém todos os ingredientes de um discurso pseudocientífico. Começa ameaçando o Dr. Spira com artigos do Código Penal e do Código de Ética. Esse tipo de atitude não é exatamente o que encontramos em discussões científicas, mas certamente tem apelo para o público em geral. Depois vem o argumento de autoridade: referência a vários conselhos profissionais que regulam a prática da homeopatia, como se decisões de conselhos profissionais alterassem os efeitos dessa ou daquela prática. Já discuti isso em <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2009/09/homeopatia-mata.html">Homeopatia mata</a>.<br />
A argumentação avança, eivada de referências a artigos (vários do próprio Dr. Teixeira) publicados em periódicos com pouco ou nenhum rigor editorial. Aqui é importante reforçar o que foi dito pelo Prof. Spira: <i>Lancet</i> tem muito mais respeitabilidade que a <i>Revista de Homeopatia</i>, justamente porque é muito rigorosa nas análises de artigos submetidos. Em lugar de tentar impressionar com 50 referências, bastaria uma única na <a href="https://www.nature.com/">Nature</a> ou na <a href="http://www.sciencemag.org/">Science</a>, as mais respeitadas revistas científicas do mundo. Aliás, o célebre caso do artigo fraudado sobre a memória da água na <i>Nature</i> dá uma boa idéia do rigor com que homeopatas fazem suas pesquisas. Isso foi discutido em <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2008/06/o-estudo-duplo-cego.html">O Estudo Duplo Cego</a>. Decorar seus textos com um grande número de referências é um expediente muito usado por pseudocientistas justamente porque cientistas costumam fazer referência a trabalhos anteriores. Dá um ar... científico. Pior, para parecer um cientista sério o Dr. Teixeira faz referência duas vezes à sua "tese de pós-doutorado". Como????? Vou repetir, porque foi isso que ele escreveu: "Tese de pós-doutorado". É verdade que aqui nas terras tupiniquins muita gente pensa que pós-doutorado é um título obtido após o doutorado. Não é. Pós-doutorado é uma posição precária, com contrato de tempo limitado, que muitos recém doutores (entre outros esse que vos escreve) assumem para fazer pesquisa enquanto não obtém uma posição permanente em alguma instituição. Não envolve tese, defesa, banca, diploma. Não confere título algum. Qualquer acadêmico sabe disso, mas obviamente a referência à tese de pós-doutorado impressiona, dá a entender a quem não conhece o universo acadêmico que o autor faz um trabalho além do doutorado. Mais relevante talvez.<br />
<br />
No fundo, o que mais me preocupa nessa guerra são os seguintes aspectos:<br />
<ol>
<li>O que uma disciplina optativa de homeopatia está fazendo no currículo de uma das mais prestigiosas escolas de medicina do país? E ainda por cima coordenada por uma pessoa que não faz parte do quadro docente da faculdade? Desafio o leitor a encontrar alguma disciplina de homeopatia no <a href="https://hms.harvard.edu/sites/default/files/assets/Sites/PME/files/Design%20Team%20Summaries%2011.13.15%20Final.pdf">currículo</a> de Medicina de Harvard. Ou no da <a href="http://meded.ucsf.edu/mse/overview">UCSF</a>. Faculdades sérias não deveriam ter disciplinas voltadas para práticas sem base científica.</li>
<li>Por que o Jornal da USP abre espaço para pseudociência? Quando isso acontece só quem ganha são os pseudocientistas, que emprestam o prestígio científico da instituição. Exatamente o mesmo espaço de reconhecimento acadêmico vem sendo buscado por outras pseudociências como <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2017/05/macintelligentdesign.html">Intelligent Design</a>, <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2015/08/vi-verde-luz.html">Homeostase Quântica</a> e <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2014/03/uma-aula-de-pseudociencia.html">Saúde Quântica</a>.</li>
</ol>
Sempre admirei e respeitei pessoas que usam homeopatia como terapia (exceto em situações graves) porque acreditam nos efeitos dela. As pessoas têm o direito de acreditar no que querem e usar isso em suas próprias vidas. No entanto, parece-me muito inadequado homeopatas buscarem empurrar supostas evidências científicas que não existem para sua prática. Isso ofende os cientistas de verdade. Se os princípios da homeopatia tivessem conexão com a realidade tudo o que sabemos sobre Química e Física estaria errado. Homeopatia não é ciência. Homeopatia é uma farsa.<br />
<br />
<b>Upideite 1</b> 29/05/2017. O Dr. Teixeira realmente pretende tomar "<a href="http://homeopatia.bvs.br/2017/05/18/jornal-da-usp-artigo-detratando-a-homeopatia-comentario-ao-jornal-da-usp/">uma medida legal</a>" contra o Prof. Spira!<br />
<br />
<b>Upideite</b> <b>2 </b>29/05/2017. A Associação Brasileira de Farmaceuticos Homeopatas divulgou uma <a href="http://homeopatia.bvs.br/2017/05/19/manifestacao-da-abfh-ao-artigo-publicado-no-jornal-da-usp/">nota de repúdio</a> ao texto do Prof. Spira de 15/05/2017 no Jornal da USP, por ele ter se expressado "de maneira
inadequada e não cordial" além de "incorreções
e uso de fundamentos científicos inadequados" ao tratar homeopatia como uma “farsa criminosa e pseudociência”. Eu concordo que talvez a palavra "criminosa" pode não ter sido a mais cordial. Ela foi retirada do título. Mesmo assim, recentemente <a href="https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/morte-de-menino-com-otite-tratado-com-homeopatia-comove-italia-21403011">na Itália um menino foi vítima</a> dessa prática quando seus pais decidiram (não) tratar uma otite banal com homeopatia. Quanto a tratar a homeopatia como pseudociência e usar fundamentos científicos corretíssimos, só posso ser solidário ao Prof. Spira.<br />
<br />
<b>Upideite 3 </b> 29/05/2017. Certo como a água, o Dr. Teixeira não deixaria de responder ao Prof. Spira no Jornal da USP, agora com o pomposo título <a href="http://jornal.usp.br/artigos/a-verdade-sobre-as-evidencias-cientificas-em-homeopatia/">A verdade sobre as evidências científicas em homeopatia</a>. Nada poderia estar mais longe da verdade. Não vou perder tempo aqui mencionando cada afirmação falsa, mas basta a referência feita por ele à suposta <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Water_memory">memória da água</a>. Nenhum cientista sério leva isso a sério porque simplesmente contradiz tudo o que sabemos sobre a estrutura molecular da água. Claro que ele ainda vai argumentar que <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Brian_Josephson">Brian Josephson</a> e <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Luc_Montagnier">Luc Montaigner</a> acreditam nisso. No entanto, a única conclusão que se pode chegar é que um <a href="http://www.nobelprize.org/">prêmio Nobel</a> não equivale a um atestado de sanidade mental. A referência que ele cita para a memória da água é nada menos que um volume especial da infame revista pseudocientífica <a href="http://www-sciencedirect-com.ez88.periodicos.capes.gov.br/science/journal/14754916/96/3">Homeopathy</a> sobre o assunto. Essa revista <a href="https://www.statnews.com/2016/06/17/homeopathy-journal-thomson-reuters/">não é levada a sério</a> por cientistas: trata-se de longe da revista mais autoreferenciada de todas da <a href="https://www.elsevier.com/">Elsevier</a>. Mais de 70% das citações a seus artigos vêm de artigos publicados na própria revista. Seu <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Homeopathy_(journal)">parâmetro de impacto</a> em 2014 foi 0,78, um valor tão baixo que combinado com a alta taxa de autocitação fez com que a Thomson-Reuters excluísse a revista de sua indexação <a href="http://ipscience-help.thomsonreuters.com/incitesLiveJCR/JCRGroup/titleSuppressions.html">InCites</a> em 2015. Basear sua argumentação em referências de padrão acadêmico tão lamentável faz parte da encenação pseudocientífica. Eles contam com a ignorância dos leitores do Jornal da USP em relação à diferença entre revistas sérias e repositórios de bobagens.<br />
<br />
<b>Upideite 4</b> 01/05/2017. O Prof. emérito do <a href="http://www3.iq.usp.br/">IQ-USP</a> <a href="http://lattes.cnpq.br/7280488093349214">Hernán Chaimovich</a> entrou na guerra com seu artigo <a href="http://jornal.usp.br/artigos/cars-colegas/">Car@s colegas...</a>. Apesar de eu sentir um certo mal estar quando vejo a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Arroba">arroba</a> invadir a grafia de palavras na língua mátria, vale a pena comentar aqui. Ele se refere a consensos em ciência, dado que é assim que a ciência avança, e de forma muito educada sugere que o comportamento dos que creem em homeopatia é quase religioso. Ele tem razão.<br />
<br />
<b>Upideite 5</b> 02/05/2017. O prof. Chaimovich aparentemente também não gosta das arrobas. O título de seu texto mudou para "<a href="http://jornal.usp.br/artigos/cars-colegas/">Ciência e suas controvérsias</a>". Meio estranha essa prática do Jornal da USP de eles mesmos inventarem títulos para artigos escritos por pesquisadores da casa.Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-19001514481305113732017-05-14T22:56:00.002-03:002017-05-15T17:04:11.675-03:00MackIntelligentDesign<br />
A <a href="http://portal.mackenzie.br/">Universidade Presbiteriana Mackenzie</a> (UPM) é uma universidade privada com iniciativas sérias em pesquisa. O <a href="http://mackgraphe.mackenzie.br/mackgraphe/">MackGraphe</a>, Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno, Nanomateriais e
Nanotecnologias parece seguir na direção das boas universidades do mundo. Trata-se de um centro de fazer inveja a qualquer instituição privada brasileira (e também a muitas instituições públicas), dedicado principalmente à pesquisa avançada em <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Graphene">grafeno</a>, uma camada monoatômica de carbono com propriedades muito interessantes e potenciais aplicações.<br />
Com centros desse tipo a UPM poderia ser uma instituição de destaque no cenário latino-americano. Bastaria seguir o modelo estabelecido por algumas das melhores universidades protestantes do mundo. Por exemplo a <a href="https://www.princeton.edu/main/">Princeton University</a> é uma instituição que como a UPM começou como uma iniciativa de missionários presbiterianos. Ao longo da história ela teve seu nome associado a não menos que <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Nobel_laureates_by_university_affiliation#Princeton_University_.2812th.29">41 ganhadores</a> do Prêmio Nobel, entre eles <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Albert_Einstein">Albert Einstein</a>. O prestígio acadêmico de Princeton é resultado da liberdade acadêmica de seus quadros e o compromisso com os resultados obtidos por seus pesquisadores e cientistas, mesmo quando esses resultados contrariam as crenças de seus administradores.<br />
No entanto, enquanto cientistas sérios realizam suas pesquisas em grafeno, fotônica ou materiais complexos, a poucos metros do MackGraphe, abrigadas pela mesma universidade, outras pessoas dedicam-se discutir e <a href="http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2017/05/1882590-universidade-mackenzie-de-sp-abre-centro-que-questiona-a-evolucao.shtml">propagar ideias pseudo e anticientíficas</a>. Obviamente refiro-me ao recém-inaugurado Núcleo de Pesquisa Mackenzie em Ciência, Fé e Sociedade – <a href="http://portal.mackenzie.br/discoverymackenzie/">Discovery-Mackenzie</a>. Esse centro propõe-se a "promover estudos científicos focados em complexidade e informação na
busca de evidências que apontem para a ação de processos naturais ou
design inteligente na natureza." Em outras palavras, ele se dedica a negar uma das mais bem estabelecidas bases da biologia contemporânea: a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Evolution">evolução</a>. O Núcleo Discovery-Mackenzie está associado ao infame <a href="http://www.discovery.org/">Discovery Institute</a>, sediado em Seattle. Esse <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Discovery_Institute">instituto</a> tem se dedicado a propagar a falsa percepção de que <span class="" id="result_box" lang="pt"><span class="">a evolução é "uma teoria em crise" </span><span class="">através de alegação incorreta de que ela é objeto de ampla controvérsia e debate dentro da comunidade científica. </span></span>Não é. Mais que isso, ele propõe a ideia <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Pseudoscience">pseudocientífica</a> do <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Intelligent_design">intelligent design</a> como alternativa. Isso nada mais é do que tentar forçar a concepção de universo de uma certa religião como se fosse realidade científica. O Discovery Institute enfrenta forte oposição nos Estados Unidos e vem tentar a sorte em terras que entende mais promissoras para propagar sua pseudociência. <br />
Eu tinha a esperança de que a inauguração do MackGraphe marcaria uma nova era para a UPM, que ela deixaria para trás as atividades pseudocientíficas criacionistas que a <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2008/03/criacionismo-no-mackenzie.html">caracterizaram</a> entre 2008 e 2012 e que já discuti no blog. Parece que não.<br />
A UPM pode decidir o que quer para seu futuro. A exemplo de Princeton, Yale e outras ela pode abandonar o fundamentalismo religioso e tornar-se uma referência científica, como vem ocorrendo nas PUCs do <a href="http://www.puc-rio.br/index.html">Rio de Janeiro</a> e do <a href="mailto:http://www.pucrs.br/">Rio Grande do Sul</a> (entre outras) ou senão insistir na mediocridade pseudocientífica dos criacionistas e propaladores do <a href="http://www.tdibrasil.com/">intelligent design</a>. Tentar usar a estratégia de validar academicamente ideias claramente religiosas só desqualifica a instituição. Enquanto o MackGraphe contribui para o avanço da ciência e <a href="http://mackgraphe.mackenzie.br/mackgraphe/pesquisa/publicacoes-recentes/">publica</a> seus resultados em periódicos científicos de prestígio internacional, o Núcleo Discovery-Mackenzie ou MackIntelligentDesign continuará propalando sua pseudociência para o delírio de religiosos e incautos. Nenhum periódico científico sério jamais publicou artigos defendendo o intelligent design. Isso não trará prestígio à UPM. Nenhuma instituição séria no mundo mantém um centro dedicado à pseudociência.<br />
<br />
Ontem foi <a href="http://darwinedeus.blogfolha.uol.com.br/2017/05/13/um-apelo-ao-mackenzie/">publicado</a> um texto com uma argumentação distinta mas com espírito muito semelhante a este. Recomendo a leitura.<br />
<br />
<i>Upideite 1 15/05/2017</i>: O meu amigo Carlos Orsi também publicou um texto com o mesmo espírito em seu blog. <a href="http://carlosorsi.blogspot.com.br/2017/05/design-inteligente-e-propaganda-nao.html?m=1">Design Inteligente é propaganda, não ciência.</a><br />
<br />
<i>Upideite 2 15/05/2017:</i> Enquanto eu terminava esse texto uma emissora de TV religiosa se unia a uma universidade com padrão acadêmico duvidoso, como argumentado acima, para transmitir essa <a href="http://noticias.r7.com/domingo-espetacular/videos/cientistas-questionam-a-origem-da-vida-e-comprovam-existencia-de-um-ser-superior-14052017">maravilha de propaganda pseudocientífica</a>. O título não podia ser mais mentiroso. Note que os americanos são apresentados como se fossem cientistas prestigiados (não são). Um brasileiro curiosamente dirige o centro fora da sua própria universidade, que tem um padrão acadêmico que não permitiria o estabelecimento de um dentro de pesquisas em pseudociência.<br />
Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-36140581383835529712017-04-23T00:00:00.000-03:002017-04-23T00:07:55.318-03:00Onde foi que eu errei?Um <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2008/04/picaretagem-quntica.html">texto</a> meu de 2008 recebeu recentemente talvez o melhor e mais inteligente comentário que já foi feito nesse blog. Infelizmente o autor (ou autora) não se identificou. Segue a íntegra do comentário. Eu adicionei links onde achei relevante: <br />
<blockquote class="tr_bq">
Cientistas sérios não deveriam se desviar demais das lições da
<a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Epistemology">epistemologia</a>. Ninguém é obrigado a concordar com <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Feyerabend">Feyerabend</a>, por
exemplo, mas de forma geral a epistemologia contemporânea não só
justifica como endossa a criação de linhas alternativas e não
paradigmáticas da ciência. Numa perspectiva <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Postmodernism">pós-moderna</a>, <a href="http://www.amitgoswami.org/">Amit Goswami </a>
presta serviço à ciência e à sociedade na medida em que produz discursos
ricos e de alto valor social, que envolvem filósofos, religiosos,
políticos e cientistas, aproximando comunidades inteiras do pensamento
científico e criando diálogos, ainda que não caibam nos corredores dos
departamentos de física. Não se trata de forma alguma de um embusteiro,
mas de alguém que diverge da postura dominante, branca e ocidentalizada
do conhecimento. Os físicos deveriam levantar a mão para o céu em
agradecimento ao deus que não acreditam por Goswami reascender a vontade
de milhares de pessoas de conhecer mais a física e a ciência,
ajudando-as a dar os primeiros passos para fora de um cotidiano
não-científico, oferecendo um discurso que dialoga a partir desse mesmo
cotidiano. Em vez disso ficam preocupados com certa cruzada mecanicista
que não encontra apoio nem ouvidos. Sou ateu e não creio numa palavra de
Amit Goswami. Mas não vou levar adiante um ceticismo que resvala no
preconceito, como muitas vezes as vozes dominantes tão admiradas
(inclusive por mim) como a de <a href="http://www.carlsagan.com/">Sagan</a>, por exemplo, chegou a resvalar. Ao
final, o que faz mal à civilização não é a "pseudociência" e sim uma
estrutura econômica e política sórdida, da qual a ciência ocidental tem
sido aliada incondicional por quatro séculos. Essa sim é responsável
pela ignorância científica global.</blockquote>
Por coincidência (ou não) o comentário foi feito pouco antes da <a href="https://www.marchforscience.com/">Marcha pela Ciência</a> e na mesma semana em que tomei conhecimento de um ótimo <a href="https://areomagazine.com/2017/03/27/how-french-intellectuals-ruined-the-west-postmodernism-and-its-impact-explained/">texto</a> sobre o pós-modernismo escrito por <a href="https://twitter.com/hpluckrose">Helen Pluckrose</a> (há uma versão em português <a href="http://xibolete.uk/intelectuais-franceses/">aqui</a>).<br />
<br />
Não há a menor dúvida de vivemos tempos complicados para a ciência. Líderes mundiais negam seus resultados. Aqui no Brasil o ex-Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação destinou <a href="http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/governo-vai-investir-r-10-milhoes-em-estudo-da-fosfoetanolamina/">R$ 10 milhões</a> para uma pesquisa rigorosamente anticientífica (não a pesquisa em si, mas o assunto). Como bem mencionado pelo jornalista científico <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Specter">Michael Specter</a> em seu <a href="http://hael_specter_the_danger_of_science_denial/">TED talk</a>, nunca houve um tempo como o atual. Vivemos mais e melhor do que em qualquer outra época devido ao sucesso do método científico. Por que cientistas precisam marchar pela ciência? Por que as pessoas preferem a versão mistificada da ciência proposta por Goswami, o auto intitulado ativista quântico com suas respostas fáceis? <a href="https://youtu.be/peR8eOcGA3M">Onde foi que nós erramos?</a><br />
<br />
Provavelmente essa questão tem mais de uma resposta, mas ultimamente eu tenho estado muito atento à negação da ciência no próprio meio acadêmico. Em universidades do mundo todo, a poucas dezenas de metros dos departamentos onde ocorrem descobertas científicas grupos de intelectuais se dedicam a discutir a negação da ciência. Citando o texto de Pluckrose, "Acima de tudo, pós-modernos atacaram a ciência e seu propósito de
alcançar conhecimento objetivo acerca duma realidade que exista
independente das percepções humanas, as quais têm por só mais uma forma
de ideologia dominada por suposições burguesas ocidentais." Para eles a ciência nada mais é do que uma construção europeia, ocidental e opressora. Isso se expressa de uma forma particularmente lamentável na África. Eu tive a oportunidade de participar da conferência <a href="https://www.britishcouncil.org/education/ihe/what-we-do/policy-strategy/going-global-conference/2016-cape-town/session-resources">Going Global 2016</a>, organizada pelo <a href="https://www.britishcouncil.org/">British Council</a> na belíssima Cidade do Cabo, África do Sul. Houve uma <a href="https://www.britishcouncil.org/sites/default/files/going_global_2016_programme.pdf">sessão</a> chamada "Decolonising the curriculum: a catalyst for change?" na qual os apresentadores reivindicavam a substituição dos conteúdos científicos supostamente europeus por conteúdos genuinamente africanos. Eu da plateia ingenuamente perguntei se existe uma mecânica africana, ou uma teoria eletromagnética africana, ou uma teoria quântica africana. Um dos palestrantes me olhou com desdém, perguntou de onde eu era (apesar de eu ter me identificado ao perguntar) e passou a discorrer sobre o quanto a ciência como ela existe hoje é um mecanismo de opressão e colonização. Confesso que não entendi bem a resposta.<br />
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Caro(a) anônimo(a), Goswami presta um desserviço à ciência e à sociedade na medida em que baseia muitas de suas afirmações em experimentos fraudados, publicados em periódicos sabidamente pouco cuidadosos com o rigor científico, e vende sua interpretação pessoal de fenômenos quânticos como se fossem um passo além do entendimento científico. Dessa forma ele reforça as crenças pré concebidas de seus incautos seguidores. A postura dominante, branca e ocidentalizada diante do conhecimento se confunde com o próprio conhecimento. Sim, ciência como nós a entendemos é uma criação europeia que se desenvolveu muito nos Estados Unidos no século passado. Não temos como mudar isso. Eu a percebo como um desenvolvimento da humanidade. A ciência é uma criação humana que não depende de crenças, nossa vontade, de nossa consciência. Ela sim tem um compromisso inequívoco com a realidade física que nos cerca. O resto é política, ou como a sociedade se organiza e distribui as benesses econômicas advindas das aplicações da ciência. Os sucessos e fracassos desse complicado sistema econômico não podem ser creditados ao método científico ou ao fazer ciência. <br />
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Um excelente exemplo do quanto misturar posições políticas e pseudociência pode ter consequências catastróficas ocorreu no final dos anos 1990 e 2000 na África do Sul. O então presidente <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Thabo_Mbeki">Thabo Mbeki</a> tinha todas as razões do mundo para desconfiar do conhecimento científico ocidental. Ele caiu na conversa fácil de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Peter_Duesberg">pseudocientistas</a> que <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/HIV/AIDS_denialism_in_South_Africa">negavam</a> a conexão entre HIV e AIDS e combatiam a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Pharmaceutical_industry">big pharma</a>. Mbeki não aceitou o uso de anti retro virais, mesmo doados e seguindo as recomendações de seus assessores pseudocientistas fomentou o uso de vitaminas para conter a epidemia. Estima-se que <a href="https://www.theguardian.com/world/2008/nov/26/aids-south-africa">300 mil</a> pessoas morreram.<br />
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Sem dúvida estamos errando por não conseguirmos fazer com que as pessoas percebam que vivem mais e melhor hoje devido ao conhecimento científico. Mas certamente o caminho não é buscarmos nos aproximar do público travestindo esse conhecimento para reforçar suas crenças. Ativismo quântico coisa nenhuma!!!Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com40tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-33274026332320643682015-10-28T15:18:00.000-02:002015-10-28T17:01:01.829-02:00Fosfoetanolamina: O Cogumelo do Sol da USP<a href="http://2.bp.blogspot.com/-62iCPpO5QwU/VjEAoQrXZJI/AAAAAAAAmDg/_BRhyoMZuYM/s1600/download.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="133" src="http://2.bp.blogspot.com/-62iCPpO5QwU/VjEAoQrXZJI/AAAAAAAAmDg/_BRhyoMZuYM/s200/download.jpg" width="200" /></a>Como meu amigo <a href="http://carlosorsi.blogspot.com.br/2015/10/e-tal-cura-do-cancer-do-ex-professor-da.html">Carlos Orsi</a>, inicio por um disclaimer: há aproximadamente uma década perdi uma pessoa muito próxima por causa de um câncer. Como ele, sei bem o que é ser forçado a entender que mesmo com todas as conquistas que tivemos em algumas situações o desenvolvimento científico na área da saúde simplesmente não tem nada a oferecer. Sei muito bem o que é passar por esse sentimento de impotência.<br />
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Acho que tudo o que podia ser dito sobre <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Phosphorylethanolamine">fosfoetanolamina</a> e mais um pouco já foi dito nos últimos dias em blogs e na grande imprensa. Testes clínicos, eficácia, cura do câncer, gênio brasileiro, direito dos pacientes, etc...<br />
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Eu quero aqui abordar um aspecto pouco comentado do assunto que me preocupa muito porque está relacionado a como funcionam mal as instituições no estado brasileiro.<br />
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-sl_t6LxSvQA/VjEAoSXgbII/AAAAAAAAmDk/EO_ATKKkNII/s1600/cogumelo-do-sol-agaricus-blazei-murill.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="100" src="http://4.bp.blogspot.com/-sl_t6LxSvQA/VjEAoSXgbII/AAAAAAAAmDk/EO_ATKKkNII/s200/cogumelo-do-sol-agaricus-blazei-murill.jpg" width="200" /></a></div>
Em 2003 o Ministério Público do Estado de São Paulo solicitou a condenação da empresa Cogumelo do Sol Agaricus do Brasil Comércio Importação por propaganda enganosa e abusiva além de danos morais difusos. O <a href="http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_consumidor/acp/acp_mp/acpmp_fitoterapicos/98-038.htm">requerimento inicial</a> é muito claro em relação ao quanto a publicidade é enganosa:<br />
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"A publicidade, portanto, é capaz de induzir o consumidor em erro principalmente pela superficialidade com que trata de dado essencial do produto, qual seja, a de que é alimento e não remédio.
E abusiva porque se baseia em depoimentos de supostos consumidores que oferecem relatos de que encontraram verdadeira solução para seus problemas de saúde com o uso do produto, induzindo consumidores que estão fragilizados por sofrerem de alguma enfermidade ou por terem amigos e familiares sofrendo dos mesmos problemas a adquirirem o produto como solução para tais problemas, além do fato desses depoimentos serem ratificados pelos populares apresentadores dos programas televisivos nos quais é normalmente veiculada a publicidade, quais sejam, os matutinos direcionados às mulheres e os vespertinos de variedades. Não bastasse, vale-se de um “simpósio” sobre cogumelos, com participação de um médico e um funcionário da EMBRAPA, o Instituto Brasileiro de Pesquisa Agropecuária, que evidenciam que o <b>Cogumelo do Sol</b> é o melhor dentre os cogumelos, visando, assim, dar reconhecimento científico ao produto, cujas propriedades terapêuticas não são cientificamente comprovadas, tanto é que o produto é registrado no Brasil como alimento ou complemento alimentar. Logo, a publicidade é abusiva na medida em que, utilizando-se dos citados artifícios, visa dar credibilidade ao produto como solução para problemas de saúde, o que pode levar o consumidor a crer em propriedades que o produto não tem, podendo levá-lo a se comportar de forma prejudicial à sua saúde, na medida em que pode deixar de procurar orientação médica ou abandonar tratamentos convencionais para buscar a “solução” no <b>Cogumelo do Sol."</b><br />
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Em 2014 finalmente a empresa foi <a href="http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/04/03/justica-multa-cogumelo-do-sol-em-r-98-mil-por-propaganda-enganosa.htm">multada</a>. <br />
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Se trocarmos <b>Cogumelo do Sol</b> por <b>fosfoetanolamina</b>, Embrapa por USP e adaptarmos um pouco, o texto poderia se aplicar ao caso atual.<br />
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Infelizmente não foi esse o entendimento do juiz que proferiu ler a <a href="http://tarabori.jusbrasil.com.br/noticias/245631368/sentenca-concedendo-o-uso-da-fosfoetanolamina-sintetica">sentença</a> que determina que o <a href="http://www5.iqsc.usp.br/">Instituto de Química de são Carlos (IQSC) da USP</a> deve distribuir a droga, que não tem <a href="http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/087adf004a38e24a8c7fcc4eff144ba1/NT_56_2015+SUMED+-+fosfoetanolamina.pdf?MOD=AJPERES">autorização</a> para uso humano ou veterinário pela <a href="http://portal.anvisa.gov.br/wps/portal/anvisa/home">ANVISA</a>. A sentença se vale da <a href="http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/82/82131/tde-12022008-135651/pt-br.php">dissertação de mestrado</a> de <a href="http://lattes.cnpq.br/9925551979058002">Renato Meneguelo</a> como evidência científica; Na verdade, Meneguelo é também coautor de 4 artigos que aparecem no <a href="http://lattes.cnpq.br/8034254143160012">currículo</a> de seu orientador. Todos versam sobre estudos in vitro ou com camundongos.<br />
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O que a fosfoetanolamina tem que o Cogumelo do Sol não tem?<br />
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<li>Um nome complicado. Princípios ativos que funcionam têm em geral nomes que nos fazem lembrar as aulas de química orgânica. Isso até faz sentido: mesmo que o cogumelo do sol contivesse um princípio ativo interessante, sua concentração no cogumelo dependeria de diferentes fatores como época . Aliás, esse é em geral o caso de princípios ativos presentes em fitoterápicos. É muito difícil saber quanto efetivamente tem de princípio ativo em uma planta ou fungo em particular. </li>
<li>A USP. Acho que ter envolvido a USP e a forma como a sociedade percebe a universidade pública no Brasil foi determinante para a sentença do juiz.</li>
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Nos anos 1990 apareceu uma tal <a href="http://dietadausp.net/">dieta da USP</a> que fez algum barulho nos meios dietéticos. Da USP ela só tinha o nome, pois nenhum departamento ou instituto assumiu a autoria. Nem tinha como, pois ela <a href="http://receitaparaemagrecer.net.br/dieta-da-usp-funciona-ou-e-fraude/">não foi desenvolvida</a> na USP.</div>
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Agora um juiz assume que se a droga vem da USP é porque é boa, nem precisa pássar por testes clínicos.</div>
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Imagine um juiz obrigar a Cogumelo do Sol Agaricus do Brasil Comércio Importação a distribuir gratuitamente seus cogumelos, pois não se pode tirar a esperança de pacientes terminais? Foi exatamente isso o que ocorreu com a USP.</div>
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Ao contrário do que vem sendo afirmado, fosfoetanolamina não foi inventada na USP. O grupo do IQSC desenvolveu uma nova maneira de sintetizá-la, com um custo declarado de R$0,10 por cápsula.</div>
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Desculpem desapontá-los, mas fosfoetanolamina é um composto disponível comercialmente no Brasil. Quem dispor de R$4914,00 pode comprar <a href="http://www.sigmaaldrich.com/catalog/product/sigma/p0503?lang=pt&region=BR">on-line</a> 500g do produto, entregue em casa (acredito que em função do noticiário recente o vendedor toime algumas precauções antes de entregar). Isso corresponde a R$0,009828 por mg. Não sei quanta fosfoetanolamina está presente nas cápsulas, mas se for 10mg sai por menos de R$0,01. Se for 100mg chegamos a R$ 0,09828, perto do custo declarado pelo professor aposentado da USP. Uma vez de posse do produto, uma balança de precisão e alguma instrumentação qualquer estudante do ensino médio que teve aula de laboratório de química é capaz de encapsular a fosfoetanolamina na dose que bem entender. Então pode ingeri-la com o fim que bem entender: cura para o câncer, resfriado, disfunção erétil, queda de cabelo, lumbago,.. Não seria preciso obrigar a USP a sintetizar e distribuir gratuitamente esse composto.</div>
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As pessoas não fazem isso porque fosfoetanolamina tem registro na <a href="http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/anvisa+portal/anvisa/sala+de+imprensa/menu+-+noticias+anos/2015/sem+pesquisa+clinica+fosfoetanolamina+nao+pode+ser+considerada+medicamento">ANVISA</a> para esses fins. Só o fazem porque acreditam que os tumores vão se dobrar perante o peso da USP. Infelizmente não. Eu adoraria saber que essa molécula realmente cura vários tipos de câncer. Mas isso só acontecerá se alguma equipe conseguir financiamento para realizar os testes clínicos.</div>
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A total ignorância de juízes sobre como funciona uma instituição de pesquisa e ensino e as responsabilidades envolvidas causam esse tipo de situação. Sempre me pergunto a quem os familiares dos pacientes terminais vão se queixar se a droga não tiver o efeito esperado. Quem será o responsável? A USP? </div>
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Essa história toda revela como a sociedade brasileira percebe suas universidades. Numa sociedade minimamente letrada cientificamente um juiz não determina que uma universidade deve sintetizar um composto e distribuí-lo gratuitamente a quem o queira. </div>
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A justiça brasileira fez da fosfoetanolamina o Cogumelo do Sol da USP, apesar de institucionalmente o IQSC da USP <a href="http://www5.iqsc.usp.br/esclarecimentos-a-sociedade/">negar</a> veementemente seus superpoderes. Essa mesma justiça deveria avançar para um desfecho semelhante ao do Cogumelo do Sol.<br />
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Agradeço ao Clécio que me chamou a atenção para a disponibilidade comercial da fosfoetanolamina.Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-38067414880546980512015-10-19T01:00:00.000-02:002015-10-19T10:04:42.955-02:00Luz, Ciência e VidaComemorando o tema da <a href="http://semanact.mcti.gov.br/">Semana Nacional de Ciência e Tecnologia 2015</a>, <a href="http://semanact.mcti.gov.br/noticias/-/asset_publisher/49dMZaJUyFHn/content/tema-da-snct-2015-remete-ao-ano-internacional-da-luz">Luz, Ciência e Vida</a> estou participando da <a href="http://genereporter.blogspot.com.br/2015/10/blogagem-coletiva-sntc.html">blogagem coletiva</a> proposta pelo meu colega e amigo Roberto Takata.<br />
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<a href="http://2.bp.blogspot.com/-eJ1aA_7jCBk/ViQ_f8y-eoI/AAAAAAAAl7o/Tt0X_1E9Wz8/s1600/fibras%2Bcoloridas.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-eJ1aA_7jCBk/ViQ_f8y-eoI/AAAAAAAAl7o/Tt0X_1E9Wz8/s1600/fibras%2Bcoloridas.jpg" /></a>Eu decidi escrever sobre uma aplicação muito importante da luz na sociedade contemporânea, que é transmitir informação. Eu estou escrevendo a partir da minha casa. Meu computador está conectado à rede através de um cabo muito especial: ao contrário dos fios de telefone, de TV ou que transportam eletricidade e são feitos de metal, esse cabo é feito de vidro. Trata-se de uma <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Optical_fiber">fibra ótica</a>. Ele é muito fino, tipicamente um quarto de milímetro de diâmetro. Dentro dele viajam pulsos de luz com uma atenuação baixíssima. Nesses pulsos estão codificadas cada letra do texto que escrevo agora (e muito mais) de forma que a informação possa chegar a todo mundo. É difícil as pessoas se darem conta da quantidade de ciência, conhecimento e compreensão de fenômenos que está envolvida nesse sistema que para o usuário pode parecer banal. Começando pela fibra: Nela a luz se propaga praticamente sem perdas. Fibras óticas são uma invenção humana, baseada no entendimento do fenômeno que chamamos de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Total_internal_reflection">reflexão interna total</a> quando a luz incide em uma interface entre dois meios vindo do meio com maior índice de refração. Uma vez isso entendido foi preciso desenvolver vidros muito homogêneos e passíveis de serem esticados na forma de fibras com dezenas de quilômetros de comprimento. A elas é preciso acoplar emissores de luz que podem ser modulados (tipicamente <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Laser_diode">lasers semicondutores</a>) que modulam a luz emitida, ou seja, acendem e apagam alguns bilhões de vezes por segundo transmitindo a informação na forma de um <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Binary_code">código binário</a>. Mesmo com baixas perdas por atenuação, os pulsos de luz se dispersam pelo caminho e a cada 50 km precisam ser regenerados e amplificados. Até 20 anos atrás isso era feito transformando a luz em sinais elétricos através de um detetor, amplificando eletronicamente e reemitindo a luz por intermédio de um laser. Atualmente isso é feito por um <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Optical_amplifier">amplificador ótico</a>, sem necessidade de eletrônica. Não é um exagero dizer que a internet acessível a de baixo custo só é possível graças aos desenvolvimentos envolvendo a luz. Atualmente uma das áreas de pesquisa que se desenvolve mais rapidamente no mundo é a chamada <a href="http://www.photonicssociety.org/">fotônica</a>, A ideia é que usamos luz, fótons, como transportadores e mediadores de informação, como os elétrons na eletrônica. Até os anos 1980 essa palavra <a href="https://books.google.com/ngrams/graph?content=photonics&year_start=1800&year_end=2000&corpus=15&smoothing=3&share=&direct_url=t1%3B%2Cphotonics%3B%2Cc0">praticamente não existia</a>, e só passou a ser usada de verdade a partir dos anos 1990.<br />
Hoje em dia fibras óticas estão presentes em praticamente toda a transmissão de informação. Ligações telefônicas, sinais de TV, texto e internet em algum momento passaram por uma fibra ótica. Conexões internas de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Data_center">data centers</a> usam fibras, e já se fala em <a href="http://ieeexplore.ieee.org/xpl/login.jsp?tp=&arnumber=5510930&url=http%3A%2F%2Fieeexplore.ieee.org%2Fxpls%2Fabs_all.jsp%3Farnumber%3D5510930">conexões óticas</a> dentro de um computador (inter-chip) e mesmo dentro de um circuito integrado (intra-chip).<br />
Na próxima vez que você falar ao telefone, ou usar a internet, ou assistir TV a cabo, ou de alguma forma transmitir ou receber informação de forma eletrônica, pode ter certeza que em algum momento essa informação viajou na forma de luz. Luz não é só ciência e vida, mas também um elemento da natureza que pode ser entendido, dominado e usado para tornar nossa vida mais confortável e prazerosa. Aliás, como tudo o que chamamos de tecnologia.Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-31234918584627906542015-08-19T01:42:00.001-03:002015-08-19T01:44:09.276-03:00Vi verde luzEstá previsto para o dia 19 de agosto de 2015 na <a href="http://www.fcm.unicamp.br/fcm/">Faculdade de Ciências Médicas</a> (FCM) da <a href="http://www.unicamp.br/">Unicamp </a>o curso introdutório <a href="http://www.fcm.unicamp.br/fcm/eventos/2015/curso-introdutorio-da-liga-de-medicina-integrativa-viver-de-luz">Viver de Luz</a> . Quando vi o título fiquei muito contente. Entendi que os pesquisadores em <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Genetics">genética</a> da Unicamp haviam finalmente conseguido introduzir no <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Human_genome">genoma humano</a> genes capazes de sintetizar <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Chlorophy">clorofila. </a><span style="color: black;">Fazendo <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Photosynthesis">fotossíntese</a>, finalmente os humanos poderiam dispensar alimentos e viver de luz, como as <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Plant">plantas</a>. Por um instante comecei a imaginar a repercussão que o feito teria. Talvez finalmente uma pesquisa brasileira candidata ao <a href="http://www.nobelprize.org/nobel_organizations/nobelfoundation/">Prêmio Nobel</a>.</span><br />
Quando parei para ler o conteúdo do curso voltei à dura realidade. Trata-se na verdade de uma mesa redonda da qual participarão um "<span id="goog_443545646"></span><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Anthroposophic_medicine">médico antroposófico<span id="goog_443545647"></span></a>" e um "terapeuta, pesquisador de homeostase quântica informacional". Nem vou discutir se medicina "antroposófica" deve ter espaço na universidade. O que será homeostase quântica? Para entender esse sutil conceito é preciso buscar informação na fonte: a página web do <a href="http://www.institutoquantum.com.br/site/?pg=links&link=tratamentos">Instituto Quantum</a>, aparentemente mantido pelo terapeuta convidado. Minha primeira impressão na página é que se tratava de um lugar que estuda os <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Rare_earth_element">elementos das terras raras</a>: há um modelo de um átomo de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Europium">Európio </a>(Eu) na entrada. Curiosamente só com 5 dos 63 elétrons do elemento, num modelo de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Bohr_model">Bohr </a>simplificado que não faz jus à complexidade dos <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:F_orbital.png">orbitais f</a> que caracterizam esse elemento.<br />
Segundo o Instituto Quantum, homeostase quântica da essência (não consegui entender se é o mesmo que informacional), é uma "terapia vibracional que ensina as pessoas a adquirirem o autocontrole da saúde emocional, mental e física, capacidade natural do ser humano que depende apenas do correto entendimento de como acessá-la ". Acho que não entendi. Mas onde entra a <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Schr%C3%B6dinger_equation">equação de Schroedinger</a>, a quantização? "Através do estudo quântico dos três elementos da Essência humana, da conscientização, interação e da metodologia correta para manter a harmonia entre eles, as pessoa (sic) além de aprenderem que é possível controlar a mente, as emoções e o corpo físico, aprenderão a viver de maneira saudável e feliz, assumindo o controle de suas vidas e desfrutando da independência adquirida. Aprenderão também que não é preciso acreditar para conseguir alterar os sentimentos, basta querer." Continuei sem entender. Encontrei um vídeo do terapeuta em que ele é mais explícito, com legendas em inglês para mostrar para o mundo que a coisa é séria. Ai meu bom <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Max_Planck">Max Plank</a>, mais um que invoca teu nome em vão...<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen="" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://i.ytimg.com/vi/moz81zWJyOs/0.jpg" frameborder="0" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/moz81zWJyOs?feature=player_embedded" width="320"></iframe></div>
O entrevistado mostra, em todas suas referências, que tem um entendimento muito particular da Mecânica Quântica, em descompasso com o que qualquer estudante de Física sabe. Em suma, um amontoado de bobagens de auto ajuda, com as palavras que esse pessoal adora: vibrações, quantum, consciência, dessa vez junto com <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Homeostasis">homeostase</a>; no mesmo estilo da aula sobre "<a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2014/03/uma-aula-de-pseudociencia.html">Saúde quântica</a>" dada na UNIFESP que já comentei aqui.<br />
Deixar-se enganar por um terapeuta que não entende a Física Quântica e diz bobagens sobre ela é um direito do cidadão. Não há nada de errado em ter crenças esquisitas.<br />
Lamentável é isso se transformar em um evento oficial na Unicamp, com um cartaz exibindo os logos da Universidade e da Faculdade de Ciências Médicas.<br />
O que faz da Unicamp uma das melhores universidades da América Latina é a seriedade e o rigor nas suas atividades. Quando uma unidade da universidade abre espaço para esse tipo de coisa ela está validando pseudociência como se fosse uma atividade científica. É um caminho extremamente perigoso para sua reputação. Não deve haver espaço para atividades pseudocientíficas em universidades sérias. Universidades têm a responsabilidade de mostrar à sociedade o que é possível a partir do conhecimento científico, e indicar a diferença entre ciência e crença de alguns travestida de ciência.<br />
Assim como outros professores da universidade, mandei uma mensagem ao Diretor da FCM alertando para a leviandade por trás da "homeostase quântica", que aliás nunca foi publicada em revista científica séria. Solicitei que a Faculdade retirasse o apoio institucional ao curso. Até agora sem resposta.<br />
Infelizmente parece que a Unicamp está no mesmo perigoso caminho da UNIFESP: confundir o público validando práticas da <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/New_Age">nova era</a>. Não deve haver espaço para pseudociência na universidade. Como um pacato cidadão pode saber a diferença de eficácia entre a "homeostase quântica" e os cursos com base científica oferecidos pela universidade, se todos são tratados institucionalmente da mesma forma? Qual o interesse em oferecer aos estudantes de medicina e ao público um curso sem base científica?<br />
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Ao contrário do que afirmei ironicamente acima, o Eu do átomo do Instituto Quantum não é o símbolo do Európio, mas o pronome pessoal <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Eu_(pronome)">Eu</a>, que para os mecânicos quânticos da nova era deve parecer um átomo de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Boron">boro</a>...Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-77345690309657088252015-05-24T17:32:00.000-03:002015-05-29T14:11:38.733-03:00Why Dawkins matters?Richard Dawkins está de volta ao Brasil para participar da série <a href="http://www.fronteiras.com/">Fronteiras do Pensamento</a>. Ele dará palestras em Porto Alegre e São Paulo.
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<a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Dawkins">Richard Dawkins</a> é talvez um dos intelectuais mais importantes do nosso tempo. Não por acaso, é o cientista que os criacionistas e adeptos do <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Intelligent_design">intelligent design</a> mais adoram <a href="http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2015/01/1579055-biologo-ateu-richard-dawkins-le-em-video-cartas-de-odio-que-recebe.shtml">odiar</a> e criticar.<br />
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<a href="http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a0/Richard_Dawkins_Cooper_Union_Shankbone.jpg/640px-Richard_Dawkins_Cooper_Union_Shankbone.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img alt="Richard Dawkins Cooper Union Shankbone.jpg" border="0" src="http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a0/Richard_Dawkins_Cooper_Union_Shankbone.jpg/640px-Richard_Dawkins_Cooper_Union_Shankbone.jpg" height="200" width="160" /></a>Richard Dawkins é um <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Evolutionary_biology">biólogo evolutivo</a> que ganhou fama com seu livro <a href="http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12134">O gene egoísta</a>, que foi publicado originalmente em 1976. Esse livro tem como ideia central o <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Gene-centered_view_of_evolution">protagonismo dos genes</a> no processo evolutivo. A partir dessa ideia Dawkins resolve um paradoxo que me preocupava muito nas aulas de biologia sobre evolução no ensino médio: o que os professores chamavam de <i>instinto de preservação da espécie</i>. Isso faria com que os animais fossem solidários e adotassem estratégias de sobrevivência como um grupo. Eu nunca entendi bem o que faria com que um peixe ou um caramujo ou um polvo sacrificasse sua vida para que seu coleguinha de espécie sobrevivesse. Parecia muito paradoxal para animais com capacidade de raciocínio muito limitada ou nula. Até hoje pessoas escrevem <a href="http://www.dm.com.br/opiniao/2014/09/a-preservacao-das-especies-no-mundo-animal.html">artigos</a> invocando esse "princípio". Na verdade não tinha mesmo o que entender. Usando seu modelo e alguns algoritmos matemáticos Dawkins desvenda o enigma: a razão é simples. Espécies que não apresentam traços de altruísmo e solidariedade simplesmente <u>desaparecem</u> ao longo do processo evolutivo. São extintas. Altruísmo é uma estratégia estável evolutivamente. Ausência de altruísmo não é. Depois de ler a argumentação de Dawkins parece óbvio. A favor de minhas professoras de biologia, é importante notar que que estudei exatamente quando o livro era publicado e naquela época ele não deve ter chegado ao Brasil tão rapidamente. Quando li esse livro, na edição comemorativa ao seu trigésimo aniversário, fiquei tão fascinado que me perguntei se eu não teria seguido uma carreira em biologia evolutiva se o tivesse lido na época certa. As ideias de Dawkins foram fortemente criticadas por pesos pesados da biologia como <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Ernst_Mayr">Ernst Mayr</a> ou <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Stephen_Jay_Gould">Stephen Jay Gould</a>. A ciência funciona assim: evolui a partir de críticas bem embasadas e consistentes.<br />
<br />
Richard Dawkins não parou por aí. A <a href="http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/proa/noticia/2015/05/cinco-livros-para-entender-richard-dawkins-4766653.html">Zero Hora</a> propõe a leitura de 5 livros para entendê-lo. Um que eu gosto muito é o <a href="http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=11079">Relojoeiro Cego</a> de 1986. Nesse livro Dawkins explica com uma linguagem acessível como é possível a evolução resultar em seres mais complexos sem a intervenção de uma mente suprema. Em outras palavras, é uma excelente aula de recuperação para os adeptos do <i>intelligent design</i> que faltaram à aula sobre <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Second_law_of_thermodynamics">segunda lei da termodinâmica</a>, ou nunca a estudaram ou pior, não a entenderam.<br />
<br />
Richard Dawkins provavelmente não teria sido convidado para o evento do Fronteiras porque propôs uma teoria que explica o <i>instinto de preservação da espécie</i>, ou por ter explicado em linguagem simples a segunda lei da termodinâmica para adeptos do <i>intelligent design</i>. Dawkins aborda uma questão fundamental na sociedade contemporânea em seu livro de livro <a href="http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12248">Deus, um Delírio</a> (eu gosto muito mais do título em inglês, <a href="http://www.hmhco.com/shop/books/The-God-Delusion/9780618918249">The God Delusion</a>). Nesse livro Dawkins toma uma posição extremamente lúcida e corajosa sobre o diálogo ciência-religião. Segundo Dawkins, a existência ou não de um Deus (ou vários Deuses) é uma hipótese científica e pode ser testada. A resposta dos testes até agora tem sido: "<b>Tudo indica que não existe um Deus (ou vários Deuses) determinando os processos naturais</b>." Isso é muito diferente do que outros intelectuais/cientistas vinham afirmando. Para preservar uma boa convivência com o <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Establishment">establishment</a> religioso, o já citado Stephen Jay Gould criou a expressão magistérios não-interferentes (<a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Non-overlapping_magisteria">Non-overlapping magisteria</a>, ou NOMA). Segundo Gould, "A ciência busca documentar o caráter factual do universo natural e desenvolver teorias que descrevem e explicam esses fatos. A religião, por outro lado, atua no igualmente importante, mas completamente distinto, reino dos propósitos humanos, significados e valores - assuntos que o domínio factual da ciência pode iluminar mas jamais resolver." Esse dois reinos são o NOMA. Obviamente a visão de Gould é diplomática num contexto em que a grande maioria da população crê em um ou mais Deuses. Dawkins insiste que as pessoas são livres para acreditarem no que querem, mas é um erro estratégico a religião buscar legitimidade no domínio científico. A ciência tem sido bastante compatível com a ideia de que não existe um ou mais Deuses. É exatamente por isso que as ideias de Dawkins vão muito além da sua contribuição à <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Evolution">teoria da evolução</a>. É por isso que os religiosos e adeptos do <i>intelligent design</i> odeiam Dawkins e tentam sempre colocar em dúvida sua contribuição à ciência. É por isso que as ideias de Dawkins importam.<br />
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Richard Dawkins mantém a <a href="https://richarddawkins.net/">Fundação Richard Dawkins para a Razão e a Ciência</a>.<br />
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Para quem como eu não poderá assistir as palestras de Dawkins, recomendo assistir os documentários <a href="https://www.youtube.com/watch?v=8nAos1M-_Ts">The Root of All Evil</a> e <a href="https://www.youtube.com/watch?v=8P2mS-AImeY">The Enemies of Reason</a>.<br />
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O título desse texto é inspirado no livro de Michael Shermer <a href="http://us.macmillan.com/books/9780805083064">Why Darwin Matters</a>.
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Esse post é dedicado a Norma e Duda, minhas professoras de biologia lá nos idos dos anos 70.
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<b>Upideite 29/05/2015: </b>Azar dos azares, Dawkins <a href="https://richarddawkins.net/2015/05/letter-from-brazil-part-2-got-in-a-fight-with-a-creationist/">tropeçou</a> ao entrar no avião e caiu quando ia embora do Brasil. Teve um corte na cabeça que precisou de uma sutura. Contra sua vontade (ele queria ir embora) foi levado a um hospital onde foi suturado. Dois comentários dele dignos de nota:<br />
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<ol>
<li>Ficou impressionado por ter tido que esperar pouco no hospital, comparado com o que esperava a partir de sua experiência com hospitais britânicos. Ele provavelmente não foi levado a um pronto socorro do <a href="http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/entenda-o-sus">SUS</a>.</li>
<li>Nenhum enfermeiro ou paramedico que o atendeu falava uma palavra em inglês. O médico era fluente em inglês. Mais um retrato da sociedade brasileira.</li>
</ol>
Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-89863059229793178992015-01-12T10:54:00.001-02:002015-07-18T21:03:51.137-03:00Par ou ímpar?<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<a href="http://www.kalsi.com.au/21-65-large/reviewing-quarterly-performance.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="http://www.kalsi.com.au/21-65-large/reviewing-quarterly-performance.jpg" height="200" width="200" /></a>É comum ultimamente ouvirmos afirmações do tipo "há uma crise na academia" a respeito de determinado assunto. Como é possível saber se essa crise ocorre na comunidade científica acadêmica ou na academia de ginástica frequentada por quem faz a afirmação e sua imaginação?<br />
Para entender isso é preciso antes descobrir como a comunidade científica estabelece o senso comum sobre nossa compreensão do universo que nos cerca.<br />
Há centenas de anos alguns rituais e procedimentos consensuais se estabeleceram para determinar se realmente as ideias correspondem aos fatos ou são pura imaginação.<br />
Um dos processos mais respeitados e aceitos por todos é a <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Peer_review">revisão por pares</a>. Ele consiste em <br />
submeter as comunicações científicas a pessoas com largo e estabelecido conhecimento na área para verificarem se o artigo representa de alguma forma um avanço ou uma contribuição relevante.<br />
As revistas mais rigorosas e prestigiosas lançam mão de dois ou três revisores para anonimamente opinarem sobre os artigos submetidos. A aceitação para publicação depende de pareceres positivos dos revisores. O prestígio acadêmico de publicações como <a href="http://www.nature.com/">Nature</a> ou <a href="http://www.sciencemag.org/">Science</a> é resultado do rigor e da seriedade de seu processo de revisão.<br />
Não esqueço do orgulho que me tomou quando fui convidado pela primeira vez para ser revisor de um periódico importante. Foi há quase 30 anos no <a href="http://scitation.aip.org/content/aip/journal/apl">Applied Physics Letters</a>. Para mim significava ser reconhecido como alguém de confiança para ajudar a decidir o que deve e o que não deve ser publicado na minha área. Depois disso me tornei revisor de outros periódicos. Essa é a trajetória normal de cientistas com produção de artigos minimamente relevante. Isso foi em tempos pré-internet, em que o acesso a artigos ocorria unicamente através de periódicos impressos que ficavam na biblioteca. Só era possível ler artigos que tinham passado pelo processo de revisão.<br />
A internet abriu possibilidades nunca antes imaginadas para o acesso à informação. Eu já <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2009/10/hierarquizar-blogosfera.html">comentei</a> isso anteriormente. A internet permite que qualquer pessoa difunda suas ideias, produção artística, científica ou literária sem depender de cair nas graças de um editor ou ter seu artigo revisado por pares. A internet subverte o processo de revisão por pares..<br />
Isso tem vantagens e desvantagens. A desvantagem mais óbvia é a exatamente a mesma que a vantagem: qualquer um pode se dizer artista, escritor ou cientista e divulgar sua produção sem passar por revisão alguma. Pseudocientistas abundam, com sites bem organizados e com aspecto respeitoso. Basta mandar seu artigo para o <a href="http://arxiv.org/">ArXiv</a>, um impressionante repositório de um milhão de artigos não revisados mantido pela <a href="http://www.cornell.edu/">Universidade Cornell</a>. Originalmente a ideia era permitir acesso rápido aos artigos durante o processo de revisão.<br />
No entanto, os periódicos com revisão por pares continuam conferindo prestígio aos artigos neles publicados e são a referência quando falamos da comunidade acadêmica.<br />
Nos últimos anos vem acontecendo uma explosão dos chamados periódicos de <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Open_access">acesso livre</a>. Alguns ganharam rapidamente uma reputação invejável por sua seriedade, dinamismo e obviamente o acesso livre. Esse é o caso por exemplo do <a href="http://www.plosone.org/">PLOS One</a>.<br />
<div>
Mas como a internet é livre da noite para o dia surgem periódicos nada sérios. Eles podem ter fins lucrativos, apresentando um processo de revisão por pares absolutamente frouxo ou não existente para que qualquer bizarrice seja aceita mediante uma módica contribuição por parte do autor. é o equivalente a autores de livros que pagam a edição impressa de suas obras medíocres. Esses são chamados apropriadamente de <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Predatory_open_access_publishing">editores predatórios</a>. A outra vertente, com uma agenda política e sme sem fins lucrativos, se dedica a publicar ideias pseudocientíficas e contrárias ao que a comunidade acadêmica aceita como ciência.<br />
<br /></div>
<div>
Recentemente recebi a mensagem que reproduzo a seguir:</div>
<br />
<blockquote>
De: ASCITNews<br />
Para: tessler<br />
<br />
Dear Tessler, L.R. ,<br />
<br />
AASCIT is seeking individuals with diverse areas of expertise to serve as peer reviewers or editorial board members to evaluate papers submitted to AASCIT journals. The peer review process used by AASCIT enhances the efficiency and maximizes the quality of the paper.<br />
After reading your article <i>Structural characterization of ZnO/ Er2O3 core/shell nanowires </i>published in <i>Superlattices and Microstructures</i>, our Editorial Board speak highly of it and think you are qualified to be a Reviewer or Editorial Board Member in our journals to review papers.<b>Now, we sincerely invite you to join us serving as a journal Reviewer or Editorial Board Member and you will get below benefits:</b><br />
<br />
1. Publish your own papers with certain discounts in our journals.<br />
2. Enriching your knowledge and broadening your horizon by reading others’ papers.<br />
3. Get a certificate.<br />
<br />
A reviewer's responsibilities include reviewing manuscripts for clarity, accuracy, and research rigor; identifying the strengths and weaknesses of manuscripts and so on. For more details, you can visit: <a href="http://www.aascit.org/journals/callforeditorial">http://www.aascit.org/journals/callforeditorial</a><br />
<br />
You can also visit our journal page to check the journals in which you are interested.
If you are interested in becoming a Reviewer or Editorial Board Member, please submit your application through our online system: <a href="http://www.aascit.org/common/login"> http://www.aascit.org/common/login</a><br />
<br />
We are looking forward to your participation.
</blockquote>
<br />
A tradução corresponde a:
<br />
<blockquote>
Caro Tessler, L.R. ,<br />
<br />
AASCIT está à procura de indivíduos de diversas áreas de especialização para atuar como revisores ou membros do conselho editorial para avaliar os artigos submetidos aos periódicos da AASCIT. O processo de revisão por pares usado por AASCIT aumenta a eficiência e maximiza a qualidade do artigo.
<br />
<div class="a3s" id=":5f4" style="overflow: hidden;">
Depois de ler o seu artigo <i>Structural characterization of ZnO/ Er2O3 core/shell nanowires </i><span style="color: black; line-height: 20px;">publicado em </span><i>Superlattices and Microstructures</i>, nosso Conselho Editorial tem falado muito bem dele, o que qualifica você para ser um revisor ou Membro do Conselho Editorial em nossas revistas para avaliar artigos. <b>Então sinceramente convidamos você a se juntar a nós atuando como revisor ou como membro do Conselho Editorial e você terá benefícios abaixo:</b> </div>
<div class="a3s" id=":5f4" style="overflow: hidden;">
<br />
1. publicar seus próprios artigos com descontos em nossas revistas.</div>
<div class="a3s" id=":5f4" style="overflow: hidden;">
2. Enriquecer seu conhecimento e ampliar seu horizonte, lendo artigos de outros autores.</div>
<div class="a3s" id=":5f4" style="overflow: hidden;">
3. Obter um certificado.</div>
<div class="a3s" id=":5f4" style="overflow: hidden;">
<br /></div>
<div class="a3s" id=":5f4" style="overflow: hidden;">
As responsabilidades de um revisor incluem a revisão dos manuscritos para clareza, precisão e rigor na pesquisa; identificar os pontos fortes e fracos de manuscritos e assim por diante. Para mais detalhes visite: <a href="http://www.aascit.org/journals/callforeditorial">http://www.aascit.org/journals/callforeditorial</a></div>
<div class="a3s" id=":5f4" style="overflow: hidden;">
<br />
Você também pode visitar a nossa página para verificar as revistas em que você está interessado. Caso você se interesse em se tornar um Revisor ou Membro do Conselho Editorial, por favor, envie seu pedido através do nosso sistema on-line: <a href="http://www.aascit.org/common/login">http://www.aascit.org/common/login</a><br />
<br />
<br />
Contamos com a sua participação.<br />
<br /></div>
</blockquote>
Essa mensagem me chamou a atenção por alguns motivos:
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<div style="text-align: left;">
<span style="font-family: inherit;">1) O artigo mencionado é um artigo de congresso, com poucas citações na literatura. Não é exatamente o que qualifica um revisor num periódico sério. Eles pelo menos podiam escolher um artigo mais citado para tentar massagear meu ego.</span><br />
<span style="font-family: inherit;">2) Eles me convidam não só para ser revisor de algum periódico, mas também para participar do Conselho Editorial. Nos periódicos sérios isso é restrito a verdadeiros experts. Mais uma tentativa de massagear meu ego.</span><br />
<span style="font-family: inherit;">3) Eles oferecem vantagens para ser revisor e um certificado. Bom, para o Brasil onde exigem certificado de tudo isso é maravilhoso. Imagine o prestígio que vou ganhar com o certificado de revisor emoldurado na minha sala! </span><br />
4) Eu nunca tinha ouvido falar dessa AASCIT (para mim ascite é barriga d'água).<br />
<br />
Lá fui eu buscar saber do que se trata a <a href="http://www.aascit.org/home/index">AASCIT</a>. Ela tem um site que parece sério. No entanto uma busca no Google mostra que ela está na lista de editores predatórios <a href="http://scholarlyoa.com/publishers/">Beall's List</a>, na <a href="http://www.scientificspam.net/?p=76">Scientific Scam</a>, e o melhor de tudo, <a href="http://www.scamadviser.com/check-website/aascit.org">seu site fica na Tailândia</a> e é classificado como de risco, apesar de AASCIT significar Associação Americana (e não tailandesa) de Ciência e Tecnologia.<br />
<br />
Ou seja, melhor ficar longe disso.<br />
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Agora além de nos preocuparmos com pseudociência precisamos também nos preocupar com pseudoeditoras e pseudoperiódicos.<br />
Há vários exemplos de artigos falsos que foram enviados para testar o sistema de pseudorevisão por pares de pseudoperiódicos com fins lucrativos. O mais engraçado talvez seja o de <a href="http://scholarlyoa.com/2014/11/20/bogus-journal-accepts-profanity-laced-anti-spam-paper/">David Mazières e Eddie Kohler</a>, que submeteram um artigo chamado "<a href="http://www.scs.stanford.edu/~dm/home/papers/remove.pdf">Tirem me da merda da sua lista de mail</a>" no <a href="http://www.ijact.org/">International Journal of Advanced Computer Technology</a>. O texto todo do artigo consiste nas palavras <i>Get me off your fucking mail list</i> repetidas <i>ad nauseam</i>. O artigo foi aceito com relatórios muito positivos dos revisores.<br />
<br />
Há também os pseudoperiódicos com uma agenda definida, para dar roupagem científica à pseudociência. Aqui no Brasil temos o <a href="http://www.feg.unesp.br/~ojs/index.php/ijhdr/index">International Journal of High Dilution Research</a>, que se dedica a divulgar a pseudociência que "valida" a homeopatia. Uma rápida olhada no tipo de artigo ali publicado dá uma boa ideia do que se trata. O pseudocientífico <a href="http://www.mdpi.com/journal/life">Life</a>, "uma revista internacional de acesso livre, revisada por pares de estudos científicos relacionados a temas fundamentais nas Ciências da Vida, especialmente aquelas relativas às origens da vida e evolução de biosistemas" ficou famoso por artigos que não passariam em lugar algum minimamente sério. Num deles, com o pomposo título <a href="http://www.mdpi.com/2075-1729/2/1/1">Teoria das Origens, Evolução e Natureza da Vida</a> o autor faz um impressionante jogo de palavras sem sentido de mais de 100 páginas, rapidamente analisado por <a href="http://freethoughtblogs.com/pharyngula/2012/01/27/the-comparison-to-jabberwocky-is-inevitable/">PZ Myers</a>. Outro, "<a href="http://www.mdpi.com/2075-1729/2/1/106">Seria a vida especial?</a>" é realmente especial. Começando pelo endereço que autor apresenta: Department of ProtoBioCybernetics and ProtoBioSemiotics, Origin of Life Science Foundation, Inc., 113-120 Hedgewood Drive, Greenbelt, MD 20770, USA. Como mostrado pelo mesmo PZ Myers, não só essa instituição não existe como o <a href="http://freethoughtblogs.com/pharyngula/2012/02/02/more-bad-science-in-the-literature/">endereço corresponde à casa do autor</a>, <a href="https://lifeorigin.academia.edu/DrDavidLAbel">David L. Abel</a>.<br />
O próprio <a href="http://www.discovery.org/">Discovery Institute</a>, bastião americano da pseudociência conhecida como <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Intelligent_design">Intelligent Design</a>, reconhece a importância da revisão por pares e disponibiliza uma <a href="http://www.discovery.org/id/peer-review/">lista de artigos</a> aceitos supostamente com revisão por pares. A lista inteira foi <a href="http://www.skeptical-science.com/science/claims-peer-review-intelligent-design-examined/">refutada</a>, artigo por artigo. Desnecessário dizer que pseudociência não passa por revisão por pares séria.<br />
<br />
Como saber se realmente há uma crise na academia em relação a determinado assunto? Fácil: busque a informação onde a academia busca: periódicos sérios revisados por pares, não pelos ímpares que estão por aí confundindo a academia de verdade com a academia de ginástica.<br />
<br />
Exercício: procure nos periódicos sérios se há alguma dúvida a respeito do processo de seleção natural, ou da evolução.</div>
</div>
Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-82764999917193739922014-11-22T19:30:00.001-02:002014-11-23T10:08:17.614-02:00A Cunha Tupiniquim<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Em 1999 o <a href="http://www.discovery.org/">Discovery Institute</a>, entidade que se dedica a difundir e propagar a pseudociência que eles chamam de <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Intelligent_design">intelligent design</a> (design inteligente segundo quem conhece mal a língua inglesa) publicou um documento estratégico. O documento se chama <a href="http://www.antievolution.org/features/wedge.pdf">A Cunha</a>. O documento propõe uma estratégia para aceitação e difusão do <i>intelligent design</i> na sociedade americana. O documento é bem estruturado, com objetivos e estratégias a médio e longo prazo.<br />
Os principais objetivos são:<br />
<ol style="text-align: left;">
<li>Derrotar o materialismo científico e suas heranças moral, cultural e política.</li>
<li>Substituir as explicações materialísticas pela compreensão teística de que a natureza e os seres humanos foram criados por <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/God">Deus</a>.</li>
</ol>
<div>
Quando eu li isso pela primeira vez, somado aos grafismos tão amadores e <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Font">fontes</a> de tão mau gosto, minha primeira reação foi achar que se tratava de uma fraude/piada, no estilo do <a href="http://www.venganza.org/">Flying Spaghetti Monster</a>. Não era. O documento é autêntico. A Estratégia da Cunha consiste em introduzir as ideias do <i>intelligent design</i> por alguma fresta e ir progressivamente expandindo sua influência, como uma cunha em madeira (dãããã). A estratégia inicial era fazer o <i>intelligent design</i> ser aceito como uma alternativa nas ciências e na pesquisa científica. Isso deveria ser acompanhado por debates em instituições de ensino e na vida em geral.<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-nQtcpQPu-Ys/VHD_lL3f3uI/AAAAAAAAUHA/y1PxDJ_Z0tQ/s1600/teach-both.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-nQtcpQPu-Ys/VHD_lL3f3uI/AAAAAAAAUHA/y1PxDJ_Z0tQ/s1600/teach-both.jpg" height="224" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Ensine as duas teorias... Deixe as crianças decidirem. </td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div>
Felizmente a estratégia da cunha falhou fragorosamente nos EUA. Nenhuma universidade séria realiza palestras ou debates sobre o assunto (OK, o <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Leo_Kadanoff">orientador</a> do <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/William_A._Dembski">William Dembski</a> o convidou para dar um seminário na <a href="http://www.uchicago.edu/">Universidade de Chicago</a>, mas isso não teve grandes consequências e suscitou <a href="http://whyevolutionistrue.wordpress.com/2014/08/10/why-dembski-is-speaking-at-the-university-of-chicago/">protestos</a> na universidade), e as tentativas de propor a interpretação do <i>intelligent design</i> nos currículos de ensino médio foi amplamente rechaçada. Como <a href="http://lclane2.net/terry.html">alertou</a> o emérito educador <a href="http://ncse.com/news/2011/10/congratulations-to-mark-terry-006904">Mark Terry</a>, "Só uma revolução científica esquisita busca estabelecer sua posiçao nos currículos de ensino médio antes que a pesquisa tenha sido comprovada. Esse óbvio obstáculo será removido se a revolução for efetivamente baseada numa redefinição da ciência em lugar de novas pesquisas".</div>
<div>
<br /></div>
<div>
A Sociedade Brasileira do Design Inteligente foi fundada recentemente lançando um <a href="http://mauriciotuffani.blogfolha.uol.com.br/manifesto-da-tdi-brasil/">manifesto</a> que equivale a uma carta de intenções. Esse manifesto repete, de forma adaptada às condições locais, exatamente a Estratégia da Cunha:</div>
<div>
<ol style="text-align: left;">
<li>Não são favoráveis, na atual conjuntura acadêmica, ao ensino da Teoria do Design Inteligente (TDI) nas escolas e universidades brasileiras públicas e privadas, como também nas confessionais.</li>
<li>Criticam o ensino da <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Evolution">Teoria da Evolução</a> invocando um "direito constitucional dos alunos de serem informados que há uma disputa já instalada na academia entre a Teoria da Evolução e o <i>intelligent design</i> quanto à melhor inferência científica sobre nossas origens". Eles devem estar se referindo à academia de ginástica ondem praticam seus abdominais. Na academia científica, onde a ciência avança através de publicações em periódicos sérios, não há disputa alguma. As <a href="http://www.nature.com/news/does-evolutionary-theory-need-a-rethink-1.16080">discussões</a> sérias sobre Evolução passam longe do <i>intelligent design</i>.</li>
<li>Para se diferenciar do criacionismo estritamente religioso eles o enviam para "aulas de filosofia e teologia". É uma estratégia para parecerem científicos.</li>
</ol>
<i>Intelligent design</i> é religião disfarçada. Eles professam exatamente as mesmas ideias que os <a href="http://www.criacionismo.com.br/">criacionistas</a> assumidos, mas com uma roupagem pseudocientífica. É assim: a vida e o surgimento dos seres humanos não pode ter resultado da seleção natural (acho que todos os apoiadores do <i>intelligent design</i> faltaram às aulas de <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Thermodynamics">termodinâmica</a>) e exige uma inteligência superior que decide os destinos do universo. Essa inteligência superior não precisa ser o Deus cristão, mas tem todas as características dele.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Será que a estratégia da cunha está funcionando nas terras tupiniquins?<br />
<br /></div>
<div>
Parece que sim.<br />
</div>
<div>
O folclórico deputado <a href="http://www.camara.gov.br/Internet/Deputado/dep_Detalhe.asp?id=530191">Marco Feliciano</a> apresentou o <a href="http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=777616">projeto de lei 8.099/14</a>, que propõe o ensino de criacionismo nas escolas. O <a href="http://www.pt.org.br/">Partido dos Trabalhadores</a> corretamente decidiu denunciar e apresentar críticas ao <a href="http://www.pt.org.br/deputado-propoe-aula-obrigatoria-de-criacionismo-nas-escolas/">projeto em sua página</a>. No entanto, o partido errou fortemente ao consultar sobre o assunto não uma sociedade científica séria como a <a href="http://www.sbpcnet.org.br/site/">SBPC</a> ou a <a href="http://www.abc.org.br/">Academia Brasileira de Ciências</a>, mas justamente a pseudocientífica Sociedade Brasileira do Design Inteligente (só não tem link porque eles não têm página na web ainda). Que posa de defensora da ciência "que o mundo empírico nos revela".</div>
<div>
<br /></div>
<div>
É péssimo para a ciência brasileira que o partido do governo reconheça uma sociedade pseudocientífica como autoridade acadêmica. Espero que as sociedades científicas sérias em algum momento desautorizem publicamente a Sociedade Brasileira do Design Inteligente.</div>
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<div>
O Presidente Executivo da Sociedade Brasileira do Design Inteligente afirma no <a href="https://www.facebook.com/congressodesigninteligente/photos/a.662910803788090.1073741828.657246234354547/754973251248511/?type=1&pnref=story">Facebook</a> que estará "em breve submetendo uma carta às sociedades e periódicos científicos brasileiros defendendo o ensino da TDI".<br />
Será uma ótima oportunidade para que as sociedades e periódicos científicos brasileiros tomem uma posição relegando pseudociência ao seu lugar e bloqueando definitivamente a Estratégia da Cunha Tupiniquim.</div>
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Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-61600035597059376612014-11-10T23:54:00.000-02:002014-11-17T11:02:05.098-02:00Darwin e a Catedral<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-UhBUlCb6DXU/VGFn4JOlgYI/AAAAAAAAUA4/QBxc7Svw_qQ/s1600/DSCN5011.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-UhBUlCb6DXU/VGFn4JOlgYI/AAAAAAAAUA4/QBxc7Svw_qQ/s1600/DSCN5011.JPG" height="150" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A Catedral da Ciência hoje em dia.</td></tr>
</tbody></table>
O ano era 1860. A <a href="http://www.britishscienceassociation.org/">Associação Britânica pelo Progresso da Ciência</a>, que havia sido fundada em 1831 para encorajar o debate público e o entendimento da ciência decidiu realizar seu encontro anual em Oxford. O encontro marcaria a inauguração da nova 'catedral da ciência', o Museu de Oxford (atualmente <a href="http://www.oum.ox.ac.uk/">Museu de História Natural da Universidade de Oxford</a>). Catedral da Ciência é uma denominação mais que adequada para o local, que ainda hoje impressiona quem o visita: um grande galpão de tijolos com um pé direito de uns 10 metros e um telhado de vidro suportado por uma estrutura de ferro vitoriana, no melhor estilo das estações de trem vitorianas e lembrando muito uma catedral com telhado de vidro. Como todos os anos, o encontro reuniria o que havia de importante na ciência da época. Foi lá que ocorreu <a href="http://www.oum.ox.ac.uk/learning/htmls/debate.htm">O Grande Debate</a>.<br />
Um dos livros mais importantes da história, <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/On_the_Origin_of_Species">Sobre a Origem das Espécies por meio da Seleção Natural</a> havia sido publicado somente sete meses antes por <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Darwin">Charles Darwin</a>. O próprio Darwin não pode comparecer. Sua saúde frágil o levou a uma temporada de curas em Surrey. O Vice-presidente honorário do encontro era o Bispo de Oxford, <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Samuel_Wilberforce">Samuel Wilberforce</a>. Wilberforce era um inimigo implacável das idéias evolucionistas.<br />
<br />
Na quinta-feira 28 de junho o Professor <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Daubeny">Charles Daubeny</a> apresentou seu artigo "Sobre as causas finais da sexualidade em plantas, com referência particular ao trabalho do Sr. Darwin...". Isso é ciência acontecendo: um pesquisador desenvolve ideias de outro pesquisador no sentido de avançar um modelo coerente da natureza. <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Owen">Richard Owen</a>, contestou fazendo a afirmação exagerada que o cérebro de um gorila era mais diferente de um humano do que dos primatas inferiores. <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Henry_Huxley">Thomas Henry Huxley</a>, apelidado "o buldog de Darwin" por sua defesa apaixonada das ideias da evolução, era conhecido por usar a similaridade entre os cérebros dos primatas como evidência para a evolução, levantou-se e contradisse Owen educadamente. A discussão continuou nos bastidores até que na noite de sexta-feira um Huxley exausto decidiu ir para casa. Robert Chambers, outro evolucionista, pediu que ele ficasse.<br />
<br />
Na manhã de sábado o melhor da ciência britânica se reuniu junto com uma multidão de estudantes de Oxford, clérigos além de damas e cavalheiros locais na sala de leitura da biblioteca no primeiro andar do museu. Estima-se que cerca de 700 pessoas estavam presentes. O encontro foi coordenado pelo Reverendo <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/John_Stevens_Henslow">John Stevens Henslow</a>, professor de botânica de Darwin em <a href="http://www.cam.ac.uk/">Cambridge</a> e amigo de longa data.<br />
A principal apresentação dessa sessão seria por parte do Dr. <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/John_William_Draper">John W. Draper</a>, da <a href="http://www.nyu.edu/">New York University</a>, que leu um artigo longo e chato 'Sobre o desenvolvimento intelectual da Europa, considerado com referência às ideias do Sr. Darwin e outros, que a progressão dos organismos é determinada por uma lei'. Quando ele terminou, Henslow abriu a sessão para um debate. Algumas intervenções foram saudadas por ruidosas vaias por parte dos estudantes. Depois disso ele autorizou somente intervenções que não fossem 'mera difamação'.<br />
Wilberforce foi então convidado a se manifestar. Ele usou os mesmos argumentos empregados na sua resenha anônima do livro de Darwin, que apareceriam um mês depois no <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Quarterly_Review">Quarterly Review</a>. Sua retórica às vezes lógica, às vezes pobre, sempre rebuscada cativou a audiência e foi saudada por damas acenando seus alvos lenços, estudantes assobiando nas últimas filas, clérigos aplaudindo. No final de sua intervenção, Wilberforce teria feito a famosa provocação a Huxley: "é do lado de sua avó ou de seu avô que o senhor descende de um macaco?", ao que Huxley teria respondido "Se a questão é se eu prefiro ter como avô um macaco do que um homem altamente favorecido pela natureza, possuidor de grandes meios e influência e que ainda assim usa isso com o mero propósito de introduzir o ridículo numa discussão científica tão séria e importante, eu sem hesitar afirmo minha preferência pelo macaco". Há controvérsias sobre se essa troca de insultos realmente aconteceu, mas a história é muito boa. Claro que os dois lados afirmam ter ganho o debate, mas isso é irrelevante. O episódio ilustra bem alguns pontos sobre os quais tenho insistido:<br />
<br />
1) Discussão científica só ocorre quando uma proposta aprimora ou quebra velhos paradigmas. No caso, estamos falando de um modelo científico (a <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Evolution">Teoria da Evolução</a> e a <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Natural_selection">Seleção Natural</a>) que descreve de forma bastante completa a biodiversidade e os fósseis recém proposto em contraposição com os dogmas cristãos, que propunham a criação do universo e de todas as formas de vida por um ser superior todo-poderoso em 6 dias há pouco menos de 6000 anos. Não faz o menor sentido voltar a um modelo da evolução que exige um ser sobrenatural guiando o processo quando um modelo naturalista é perfeitamente capaz de dar conta dos resultados experimentais.<br />
<br />
2) O melhor modelo não é decidido a favor de quem tem a melhor retórica, ou xinga mais, ou é mais aplaudido, ou faz o <a href="http://www.dicionarioinformal.com.br/mimimi/">mimimi</a> de se considerar boicotado pela comunidade científica, ou tem um blog cheio de gracejos e palavras difíceis sem significado nenhum. O melhor modelo é sempre aquele que descreve os fatos da forma mais completa, elegante, simples e coerente com as evidências experimentais. No caso da Teoria da Evolução, esse modelo está sujeito a correções e aprimoramentos, mas ao contrário do que alguns afirmam por aí não passa por<a href="http://www.nature.com/news/does-evolutionary-theory-need-a-rethink-1.16080"> crise alguma</a> no seio da comunidade científica.<br />
<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-6LKqBvGL3uY/VGFnln9UCNI/AAAAAAAAUAw/Usp97_GnN3I/s1600/DSCN5024.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-6LKqBvGL3uY/VGFnln9UCNI/AAAAAAAAUAw/Usp97_GnN3I/s1600/DSCN5024.JPG" height="150" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Oxford, 7/11/2014</td></tr>
</tbody></table>
Tive o privilégio de visitar o Museu de História Natural de Oxford onde o Grande Debate aconteceu justamente uma semana antes do início do <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2014/10/o-segundo-primeiro-congresso-brasileiro.html">Segundo Primeiro Congresso Brasileiro do Design Inteligente</a>. A sensação que tive ao entrar no prédio foi de estupefação com a grandiosidade do lugar. Senti a vibração da história que aconteceu ali, e do debate que ajudou a estabelecer a unanimidade entre os cientistas sobre a Teoria da Evolução. Muito se aprendeu desde então. A existência do <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/DNA">DNA</a>, seu papel como vetor do código genético, sua estrutura e relativa fragilidade frente a mutações. Hoje não é possível conceber alguém estudar seriamente os seres vivos sem entender muito bem o processo evolutivo e a seleção natural. Durante a visita ao museu comparamos o peso de dois ossos aparentemente iguais e homólogos, um deles (de uma ave) muito mais leve que o outro (de um mamífero). A seleção natural tem consequências palpáveis.<br />
<br />
É triste constatar que 154 anos depois um grupo de religiosos, entre eles alguns poucos com treinamento em ciência, organizam na minha <a href="http://www.campinas.sp.gov.br/">querida cidade adotiva</a> um encontro no qual vão tentar travestir suas crenças como "ciência" e assim apresentá-las à sociedade. Infelizmente cultura científica não tem sido uma prioridade em políticas públicas no Brasil e muita gente vai achar que o palavreado sofisticado tem algum fundamento científico. Pior, os adeptos do <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Intelligent_design">intelligent design</a> vão propor que a educação pública brasileira dê um enorme passo para trás ensinando ideias obsoletas há tanto tempo, compatíveis com uma peculiar leitura dos livros sagrados de uma certa vertente de uma certa religião monoteísta popular no mundo ocidental. Curiosamente a referência ao plano de ocupar escolas e universidades públicas foi retirado da página do evento.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-fPwx6B4myKo/VGFpNvLFsDI/AAAAAAAAUBE/ujFbV22yqrQ/s1600/10-pound.png"><img border="0" height="167" src="https://3.bp.blogspot.com/-fPwx6B4myKo/VGFpNvLFsDI/AAAAAAAAUBE/ujFbV22yqrQ/s1600/10-pound.png" width="320" /></a></div>
Nota de 10 libras comemorando Darwin<br />
<br />
A sociedade brasileira precisa dizer NÃO a essa iniciativa, parte de uma agenda obscurantista que quer desesperadamente se estabelecer por aqui. Não nos deixemos enganar por pseudocientistas que <a href="http://www.designinteligentebrasil.com.br/ds_congress/sponsors">não são referendados por nenhuma instituição científica ou universitária com peso acadêmico relevante</a>. Os cientistas até hoje não propuseram uma alternativa melhor que a Teoria da Evolução. Sem dúvida ela pode ser aperfeiçoada, mas isso só ocorrerá a partir da observação de fatos e não a partir de crenças religiosas. Design inteligente NÃO é ciência.<br />
<br />
Esse primeiro texto da minha vida sobre evolução, apesar de adeptos do intelligent design seguidamente me taxarem de evolucionista, é dedicado aos amigos e colegas do curso English as a Medium of Instruction que ocorreu em Oxford na primeira semana de novembro de 2014. Agradeço ao British Council por ter proporcionado essa iniciativa.<br />
<br />
<b>Upideite 17/11/2014:</b> A recém criada Sociedade Brasileira do Design Inteligente <a href="http://mauriciotuffani.blogfolha.uol.com.br/2014/11/16/design-inteligente-rejeita-criacionismo-em-aulas-de-ciencia/">rejeitou</a> o ensino do assunto em aulas de ciência em um <a href="http://mauriciotuffani.blogfolha.uol.com.br/manifesto-da-tdi-brasil/">manifesto público</a>. No entanto manifesto contém palpites cientificamente desqualificados a respeito do ensino da Teoria da Evolução. Não deixo de lembrar uma frase ótima atribuída ao <a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_VI_de_Portugal">D. João VI</a>: "Quando não sabemos o que fazer (dizer), o melhor é não fazer (dizer) nada". <br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
</div>
<!-- Blogger automated replacement: "https://images-blogger-opensocial.googleusercontent.com/gadgets/proxy?url=http%3A%2F%2F3.bp.blogspot.com%2F-fPwx6B4myKo%2FVGFpNvLFsDI%2FAAAAAAAAUBE%2FujFbV22yqrQ%2Fs1600%2F10-pound.png&container=blogger&gadget=a&rewriteMime=image%2F*" with "https://3.bp.blogspot.com/-fPwx6B4myKo/VGFpNvLFsDI/AAAAAAAAUBE/ujFbV22yqrQ/s1600/10-pound.png" -->Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-86603889262967872272014-10-12T17:47:00.000-03:002014-11-11T10:16:36.693-02:00O Segundo Primeiro Congresso Brasileiro do Design Inteligente<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
Entre 14 e 16 de novembro próximo ocorrerá no sofisticado hotel Royal Palm Plaza em Campinas o <a href="http://www.designinteligentebrasil.com.br/">Segundo Primeiro Congresso Brasileiro do Design Inteligente</a>. Eu não errei na edição nem você leu errado. Trata-se do Segundo Primeiro Congresso Brasileiro do Design Inteligente (SPCBDI). O <a href="http://designinteligente.blogspot.com.br/2010/05/i-congresso-brasileiro-do-design.html">Primeiro Primeiro Congresso Brasileiro do Design Inteligente</a> ocorreu (ou pelo menos foi anunciado) em 10 e 11 de dezembro 2010 no mesmo local. O SPCBDI não seria mencionado aqui no Cultura Científica se não fosse por dois motivos:<br />
<ol style="text-align: left;">
<li>Ele se apresenta à sociedade como um congresso científico, mas como vou argumentar adiante ele é na verdade um evento pseudo-científico.</li>
<li>Mais grave, os organizadores pretendem divulgar o "Primeiro Manifesto público TDI-BRASIL sobre o ensino da evolução e do
Design Inteligente em nossas escolas e universidades públicas". Ou seja, pretendem trazer ao Brasil o ensino de pseudo-ciência como se fosse ciência, repetindo a tática que usaram e foi refutada nos Estados Unidos.</li>
</ol>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td><a href="http://3.bp.blogspot.com/-LnnLivD6J4o/VDrixJIepEI/AAAAAAAAT8k/84ULxyDWbBQ/s1600/intelligent_design.gif_970022646.gif" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-LnnLivD6J4o/VDrixJIepEI/AAAAAAAAT8k/84ULxyDWbBQ/s1600/intelligent_design.gif_970022646.gif" height="240" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="font-size: 13px;">A aula de hoje sobre "design inteligente" em biologia terminou. Agora vamos começar a aula de "geografia inteligente"...</td></tr>
</tbody></table>
A <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Intelligent_design">Teoria do Design Inteligente</a> (TDI) é uma manifestação contemporânea do <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Teleological_argument">argumento teleológico</a>. Esse argumento consiste em supor a existência de uma entidade inteligente no universo, baseado na percepção de supostas evidências para um projeto deliberado na natureza e no universo físico. No TDI, essa percepção envolve conceitos como <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Irreducible_complexity">complexidade irredutível</a>, ou <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Homochirality">homoquiralidade</a> em sistemas biológicos, que seriam evidências de que o processo evolutivo não poderia ter ocorrido por acaso. Na verdade, ela resulta de uma compreensão limitada e enviesada da <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Evolution">Teoria da Evolução</a> e da <a href="http://www.hawking.org.uk/the-origin-of-the-universe.html">origem do universo</a> por parte de seus proponentes. Não por acaso, eles escolheram <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Darwin">Charles Darwin</a> como seu inimigo maior não cansam de afirmar que a base da biologia contemporânea "é apenas uma teoria".<br />
Já ha muitos anos o movimento TDI perde importância nos Estados Unidos, onde ganhou muita visibilidade nos anos 1980 e 90. Lá há uma forte tradição religiosa que entre outras fez com <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Creationism">criacionismo</a> fosse ensinado nas escolas públicas como uma alternativa ao modelo científico das origens do universo e da vida. Em 1987 a Suprema Corte decidiu no processo <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Edwards_v._Aguillard">Edwards vs. Aguillard</a> que o ensino de criacionismo nas escolas violava a <a href="http://www.constitution.org/constit_.htm">Constituição</a>. O criacionismo voltou aos bancos escolares na forma de TDI. Adeptos da TDI se dizem cientistas e afirmam que sua teoria é científica. Só que o TDI não segue o <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Scientific_method">metodo científico</a> e não pode ser considerada ciência. Isso desagradou pais de 11 alunos no Distrito de Dover, Pennsylvania, que abriram o processo <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Kitzmiller_v._Dover_Area_School_District">Kitzmiller vs. Dover Area District</a>. Eles não queriam que pseudo-ciência fosse ensinada a seus filhos na escola. Em 2005 o juiz decidiu que TDI é uma forma disfarçada de religião e não deve ser ensinado como ciência nas escolas públicas. Esse episódio é muito bem contado no documentário da BBC <a href="http://vimeo.com/28367057">A War on Science</a>, que apresenta a argumentação do TDI e da ciência.<br />
Cabe sempre lembrar que artigos usando argumentos de TDI nunca foram aceitos para publicação nos periódicos científicos mais prestigiosos. TDI não é ciência, mas tem todas as características de pseudo-ciência: ideias não-científicas ou anti-científicas apresentadas com roupagem científica. Obviamente, se seus argumentos fizessem sentido ou trouxessem uma explicação melhor para a evolução do que o que temos, atualmente ela seria aceita nos meios científicos.<br />
No Brasil o movimento de TDI se confunde com o <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Creationism">criacionismo cristão</a>
e uma leitura literal do Novo Testamento. Ele está intimamente ligado
ao crescimento das religiões protestantes e a uma forma particular de
pregação religiosa. Isso tem consequências na política, nos meios de
comunicação e obviamente na sociedade como um todo. <br />
Ultimamente, entidades e pessoas religiosas vêm buscando legitimar o TDI no meio acadêmico brasileiro. A <a href="http://www.mackenzie.br/portal.html">Universidade Presbiteriana Mackenzie</a> organizou eventos para "discutir" o darwinismo hoje. Esses eventos na realidade eram um palco para adeptos do TDI mostrar suas ideias em uma universidade. Nunca um especialista em evolução esteve entre os palestrantes. Essa certamente não é uma boa estratégia para uma universidade protestante privada brasileira que busca ganhar prestígio científico com iniciativas como um <a href="http://www.mackenzie.br/mackgrafe1.html?&no_cache=1">Centro de Pesquisas em Grafeno</a>. Isso foi comentado aqui no <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2009/03/criacionismo-no-mackenzie-3-missao.html">Cultura Científica</a> mais de <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2008/03/criacionismo-no-mackenzie.html">uma vez</a>.<br />
No ano passado um evento de TDI na <a href="http://www.unicamp.br/">Unicamp</a> foi cancelado na última hora devido a manifestações de professores (<a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2013/10/criacionismo-na-unicamp-de-novo.html">eu entre eles</a>) preocupados com as consequências simbólicas que ele poderia ter para a universidade. A Unicamp é uma das melhores universidades da América Latina. Ganhou esse prestígio a custa de muito trabalho e publicações em periódicos sérios. Não havia nenhuma razão para emprestar esse prestígio a um movimento pseudo-científico.<br />
Então começou a ser organizado o Congresso de TDI, em Campinas mas fora da Unicamp. É um direito das pessoas se reunirem para tratar de qualquer assunto, científico ou não, desde que não violem as leis do país. Só que o congresso foi anunciado na lista de emails oficial da Unicamp como "um evento histórico", o que causou novamente protestos. Rapidamente o anúncio foi retirado de sua página. A mesma coisa ocorreu na página da <a href="http://www.sbq.org.br/">Sociedade Brasileira de Química</a>, onde um anúncio similar apareceu e foi retirado em 2 dias. Ironicamente, imediatamente foi anunciada a <a href="http://boletim.sbq.org.br/noticias/2014/n1606.php">conferência</a> de <a href="http://www.scripps.edu/blackmond/about.html">Donna Blackmond</a> sobre "A Origem da Homoquiralidade nos Seres Vivos" na 38ª Reunião Anual da SBQ. A Profa. Blackmond é uma das maiores autoridades mundiais no assunto. Homoquiralidade é uma das supostas evidências para a TDI, propalada por <a href="http://www.godandscience.org/evolution/origin_homochirality.html">pessoas</a> que têm um entendimento limitado da <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Thermodynamics">termodinâmica</a>, como já <a href="http://www.nature.com/nature/journal/v441/n7093/abs/nature04780.html">demonstrado</a> pelo grupo da Dra. Blackmond.<br />
<br />
O Segundo Primeiro Congresso Brasileiro do Design Inteligente apresenta sina<br />
<ol></ol>
is de ser de um encontro pseudo-científico. Como comparação, busque na web qualquer encontro científico sério para notar as diferenças:<br />
<ol style="text-align: left;">
<li>Na página de <a href="http://www.designinteligentebrasil.com.br/">Notícias</a> do SPCBDI há links para notícias sobre o evento. Todas (ou quase) são para páginas evangélicas como Púlpito Cristão, Gospel Prime, ANAJURE, etc. Congressos científicos são noticiados em páginas de sociedades científicas, financiadoras da ciência e universidades sérias. Não há nada mais óbvio para um evento de cunho religioso do que ser noticiado em blogs e páginas religiosas.</li>
<li>O SPCBDI tem um "<a href="http://www.designinteligentebrasil.com.br/ds_congress/committees">Comitê Científico</a>", que corresponde ao Comitê de Programa. Esses comitês são em geral formados por professores experientes e exponentes da pesquisa na indústria ou institutos sérios, e têm como função decidir o programa do evento. Não precisa apresentar os currículos dos membros pois a comunidade os conhece e respeita. No SPCBTDI os 104 membros (da última vez que contei, mas está aumentando a cada dia) apresentam um currículo. Pouquíssimos se descrevem como especialistas em TDI (na verdade um ou outro). O comitê é na verdade um grupo de apoiadores do movimento, creio eu que em sua enorme maioria evangélicos, muitos com credenciais científicas incompatíveis com a participação em um comitê de programa. Nenhum membro do comitê científico tem em seu currículo publicações científicas sérias envolvendo TDI porque TDI não consegue ser publicada em periódicos científicos sérios. TDI é pseudo-ciência.</li>
<li>Congressos científicos têm como patrocinadores em geral agências de fomento, universidades prestigiosas, fabricantes de equipamento relevante para o meio. Congressos pseudo-científicos podem ser <a href="http://www.designinteligentebrasil.com.br/ds_congress/sponsors">patrocinados</a> por fábricas de esquadrias, concessionárias de veículos, fábricas de colchões e universidades evangélicas.</li>
</ol>
Causa especial preocupação o tal documento que tentará introduzir pseudo-ciência nos currículos escolares ou de ensino superior público, como uma alternativa "democrática" à ciência, para que os estudantes "possam ouvir todos os lados" e fazer escolhas. Infelizmente argumentos desse tipo costumam ser usados com pessoas de boas intenções, com espírito democrático mas que não conhecem ciência e o processo de pesquisa científica. Teoria científicas não se impõem porque estão escritas em livros sagrados, mas porque são as que melhor dão conta dos fatos.<br />
<br />
Ensinar religião como se fosse ciência nas escolas seria um enorme retrocesso para nossa educação. Nenhum cientista em sã consciência iria a um terreiro de candomblé dizer que os orixás não criaram e controlam o mundo, ou na igreja evangélica dizer que o mundo não foi criado em 6 dias.<br />
<br />
Melhor deixar a ciência na escola, a religião nos templos.<br />
<br />
<b>Upideite 14/10/2014:</b> Foi publicado hoje no blog <a href="http://teoriadetudo.blogfolha.uol.com.br/">Teoria de Tudo</a>, do Rafael Garcia, um ótimo <a href="http://teoriadetudo.blogfolha.uol.com.br/2014/10/14/vem-ai-a-nova-biologia-ou-nao/">texto </a>acerca do debate científico sério sobre evolução. Ele faz referência a dois artigos na <a href="http://www.nature.com/news/does-evolutionary-theory-need-a-rethink-1.16080">Nature </a>em que são confrontadas as ideias dos defensores da chamada <a href="http://www.amazon.com/Evolution-Extended-Synthesis-Massimo-Pigliucci/dp/0262513676">Síntese Evolucionária Estendida</a> (SEE) com a <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Evolution">Teoria Evolucionária Padrão</a> (TEP). Os defensores da primeira afirmam que há uma revolução da compreensão que temos da biologia no horizonte pois segundo eles "indutores importantes da evolução, que não podem ser reduzidos a genes, devem ser incorporados ao âmago da teoria evolucionária". Os defensores da TEP dizem que não há dificuldades fundamentais em incorporar mecanismos não-genéticos à compreensão da evolução. Eu particularmente concordo com o Rodrigo na análise: Se por um lado a SEE pode ter ingredientes importantes para expandir nossa compreensão do processo evolutivo, ela não apresenta nenhum rompimento paradigmático com a TEP. É assim que a ciência de verdade avança. Sem recorrer ao sobrenatural ou a divindades inteligentes.<br />
<br />
<b>Upideite 11/11/2014:</b> O programa do encontro está fechado. O evento vai terminar "com chave de ouro" com a palestra de um Físico. Para provar o ouro da chave o <a href="https://www.facebook.com/congressodesigninteligente/photos/a.662910803788090.1073741828.657246234354547/748093721936464/?type=1&theater">currículo</a> do palestrante é apresentado, com uma certa pompa e aparece até o título do <a href="http://scitation.aip.org/content/avs/journal/jvsta/10/4/10.1116/1.577700">artigo</a> publicado no J. Vac. Sci. & Tech. A em 1992. Só tem um problema: Em geral currículos de Físicos não citam o nome de cada artigo publicado. Uma rápida busca no <a href="http://lattes.cnpq.br/2951554210772138">Lattes</a> confirmou o que eu temia: O palestrante publicou um único artigo em toda sua carreira. Isso não é errado nem negativo, mas dá uma ideia do padrão científico do evento.<br />
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Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-4435894798837215862014-06-15T19:46:00.000-03:002014-06-21T09:09:07.936-03:00A Guerra das Vitaminas: O dia D<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<span style="float: left; padding: 5px;"><a href="http://www.researchblogging.org/"><img alt="ResearchBlogging.org" src="http://www.researchblogging.org/public/citation_icons/rb2_large_gray.png" style="border: 0;" /></a></span>
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<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Tivemos vários assuntos polêmicos provocados pela seção Tendências/Debates da <a href="http://www.folha.uol.com.br/">Folha de São Paulo</a> recentemente. Um deles rendeu uma batalha de cartas no Painel do Leitor do mesmo jornal. Fiquei um pouco surpreso com a agressividade implícita em algumas cartas, mais comum em debates apaixonados do que científicos. Uma busca no Google mostrou que isso é só a ponta de um enorme iceberg de ciência mal feita.<br />
Para mim a história começa antes. No ano passado minha filha mais velha teve receitada uma <br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-392xEbaB9_A/U531pTIJW4I/AAAAAAAAPzE/kTV1zFydcfk/s1600/vitad.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-392xEbaB9_A/U531pTIJW4I/AAAAAAAAPzE/kTV1zFydcfk/s1600/vitad.jpg" height="69" width="200" /></a></div>
complementação de vitamina D. Um teste de laboratório mostrou que ela tinha insuficiência dessa vitamina. A endocrinologista, que também cuida de mim há mais de uma década, me disse que não é nada para se preocupar, é comum jovens em Campinas terem insuficiência de vitamina D por não se exporem o suficiente ao sol. Efetivamente complementação oral de vitamina D é recomendada a pessoas com carência dessa vitamina, e aparentemente só nesse caso.<br />
Em 8/5/14 o Prof. <a href="http://lattes.cnpq.br/5267666794914527">Morton Scheinberg</a> da USP e do Hospital Israelita Albert Einstein, publicou no T/D texto <a href="http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/05/1450994-morton-scheinberg-o-mito-da-vitamina-d.shtml">O mito da vitamina D</a>. A resposta no T/D veio no dia 2/6/14 por parte do Prof. <a href="http://lattes.cnpq.br/0828498555941677">Cicero Galli Coimbra</a>, da UNIFESP e do médico e ex-deputado federal <a href="http://lattes.cnpq.br/8479446197098130">Walter Feldman</a>: <a href="http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/06/1463464-cicero-galli-coimbra-e-walter-feldman-a-verdade-sobre-a-vitamina-d.shtml">A verdade sobre a "vitamina" D</a>. Logo começaram as cartas: O Prof. Scheinberg no dia 3/6/14 escreve ao <a href="http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2014/06/1464094-medico-contesta-artigo-sobre-que-questiona-uso-da-vitamina-d.shtml">Painel do Leitor</a> afirmando que "Recomendar doses elevadas de vitamina D como terapia inovadora para doenças autoimunes carece de fundamento científico.". No dia 4/6/14 o médico e ex-deputado Feldman lançou o livro de sua autoria <a href="http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=43001153">Vitamina D e Esclerose Múltipla - A Chave Brasileira das Doenças Autoimunes</a>. O <a href="http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2014/06/1465549-aluguel-do-morumbi-para-amistoso-da-selecao-rende-r-14-mi-ao-sao-paulo.shtml">lançamento</a> contou com a presença de políticos, jogadores de futebol, chiques e famosos. Teve até cobertura por um <a href="http://www.youtube.com/watch?v=oVPLIT0buq8">programa de TV</a> de gosto duvidoso. O <a href="http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/170015-painel-do-leitor.shtml">Painel do Leitor</a> de 8/6/14 da Folha publicou carta do Prof. <a href="http://lattes.cnpq.br/0089323921848443">Tarso Adoni</a> em que ele afirma que "Os autores agem de má-fé ao assumirem uma relação causal entre deficiência de vitamina D e o aparecimento de uma doença autoimune tão complexa como a esclerose múltipla." O <a href="http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2014/06/1468281-medicos-e-leitores-debatem-uso-terapeutico-da-vitamina-d.shtml">Painel do Leitor</a> do dia 11/6/14 discute o assunto. O Prof. Tarso Adoni insiste que não há comprovação científica para esse tipo de terapia. Marcelo de Palma e Sergio de Palma, vice-presidente e secretário do <a href="http://www.institutodeautoimunidade.org.br/">Instituto de Autoimunidade</a> saem em defesa de Coimbra e Feldman citando "vasto respaldo científico de extrema confiança"; <a href="http://michelesallum.no.comunidades.net/index.php?pagina=1070096156">Michele Sallum</a>, pedagoga de Curitiba sugere que o Prof. Adoni está mal-informado e "pago por algum laboratório para escrever isso"; <a href="http://www.doctoralia.com.br/medico/carlos+antonio+anselmo+guimaraes-12055988">Carlos Antonio Anselmo Guimarães</a>, médico de Curitiba sugere que se consulte a Colaboração Cochrane, onde a conclusão é que "não há evidências que justifiquem seu [vitamina D] uso". Ana Emilia Gurniak, irmã de paciente em São Paulo se diz indignada com as "absurdas acusações" do Prof. Adoni e "Quem está no dia-a-dia do tratamento sabe muito bem que o ele é eficaz, seguro e barato." Ana C. N. Sasaki, de São Paulo, recomenda cautela ao divulgar resultados sobre o assunto e Maurílio Polizello Jr., farmaceutico de Ribeirão Preto, afirma que "Estatisticamente, mesmo com poucas comprovações científicas, pessoas que desenvolveram doenças autoimunes como esclerose múltipla apresentam níveis muito aquém dos valores mínimos estipulados de vitamina D no sangue." e portanto toma sua dose diária da vitamina. Não consigo entender como uma estatística bem feita pode se contrapor a comprovações científicas.<br />
<br />
<b>O que realmente sabemos sobre a vitamina D?</b><br />
Um artigo recente com o sugestivo título <a href="http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0261561410001111#">Status da Vitamina D em um país ensolarado: onde foi parar o sol?</a> reporta uma preocupante e inesperada carência de vitamina D entre 603 voluntários. Em grandes centros urbanos a exposição ao sol não é suficiente para garantir a síntese de vitamina D nos níveis mínimos recomendados. O artigo recomenda o monitoramento do serum 25 vitamin D (s25(OH)D) mesmo num país ensolarado como o Brasil. Ou seja, é razoável supor que parte importante da população tem carência de vitamina D, e nos casos em que isso se confirma deve ser indicada a complementação.<br />
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<b>O que realmente sabemos sobre <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Multiple_sclerosis">esclerose múltipla</a>?</b><br />
Não muito. Não sabemos o que a causa. Conhecemos bem os sintomas. Os protocolos de tratamento são tão pouco eficazes que <a href="http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2901236/">estima-se que 70%</a> dos pacientes recorrem à medicina complementar e alternativa.<br />
<br />
A terapia proposta pelo Prof. Cícero enquadra-se nesse contexto. É uma terapia complementar e alternativa. O "<a href="http://www.institutodeautoimunidade.org.br/">Instituto de Investigação e Tratamento de Autoimunidade</a>" do qual os senhores de Palma são diretores não é um instituto de pesquisa, mas uma ONG recheada de boas intenções. O presidente é exatamente o Prof. Cícero Galli Coimbra. Três diretores têm o sobrenome de Palma. Um deles provavelmente é um ex-paciente do Prof. Coimbra. No Lattes do Prof. Coimbra não há uma única publicação científica relacionada a Vitamina D e Esclerose Múltipla. Certo está o Dr. Guimarães. O correto nesse caso é consultar a melhor referência sobre o consenso médico do mundo, a <a href="http://summaries.cochrane.org/CD008422/vitamin-d-for-the-management-of-multiple-sclerosis">colaboração Cochrane</a>: Não há evidências que recomendem o tratamento de esclerose múltipla com vitamina D. O <a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2014000200152&lng=en&nrm=iso&tlng=en">consenso</a> da <a href="https://www.blogger.com/"><span id="goog_1349241714"></span>Academia Brasileira de Neurologia<span id="goog_1349241715"></span></a> é claro e está em negrito no artigo: "<b>Não há evidência científica para o uso de vitamina D como monoterapia para esclerose múltipla na prática clínica até a preparação desse consenso</b>".<br />
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É possível que o Prof. Coimbra tenha razão e seu protocolo seja realmente revolucionário no tratamento da esclerose múltipla. No entanto, enquanto um <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2008/06/o-estudo-duplo-cego.html">estudo duplo-cego aleatorizado</a> não for realizado será impossível saber. Até que isso aconteça o mais prudente é seguir o recomendado no consenso da ABN.<br />
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O Globo Reporter fez uma <a href="http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2013/09/cientista-brasileiro-revela-espantoso-poder-da-vitamina-d-contra-esclerose-multipla.html">matéria</a> com um tom meio nacionalista sobre o tratamento do Prof. Coimbra. Ali ele afirma que "não há como você chegar e dizer que precisa de um estudo controlado, porque se você tivesse por exemplo um filho seu com esclerose múltipla, você jamais colocaria essa pessoa, aceitaria que ela fosse para o grupo placebo, para mostrar o quanto ela iria mal”. Se o Dr. Feldman, que não tem treinamento nem experiência em pesquisa afirmasse isso seria ruim mas compreensível. A recusa do Prof. Coimbra a submeter seu protocolo a um estudo duplo-cego aleatorizado é inadmissível.<br />
<br />
Tem razão os doutores Scheinberg, Adoni, Guimarães e Sasaki: atualmente, a panaceia dos doutores Coimbra e Feldman não é mais que uma forma de medicina complementar e alternativa e não tem evidências científicas que justifiquem seu uso como tratamento primário para esclerose múltipla.<br />
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Disclaimer: Não sou pago por laboratório algum para fazer essa análise!<br />
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<b>Upideite 18/6/14:</b> Deu no site da Veja a matéria <a href="http://veja.abril.com.br/noticia/saude/vitamina-d-pode-evitar-mortes-por-cancer-e-doencas-cardiovasculares?">Vitamina D pode evitar mortes por câncer e doenças cardiovasculares</a>, com referência ao artigo <a href="http://dx.doi.org/10.1136/bmj.g3656">Vitamin D and mortality: meta-analysis of individual participant data from a large consortium of cohort studies from Europe and the United States</a> que foi publicado ontem no British Medical Journal. Vale a pena ler as conclusões do artigo original como um indicador de como se deve proceder em ciência bem feita: "Apesar dos níveis de 25(OH)D variarem fortemente com país, sexo e estação do ano, a associação entre o nível de 25(OH)D e a mortalidade por qualquer causa e por causas específicas é notavelmente consistente. Os resultados de um estudo aleatorizado com grupo de controle testando a longevidade são esperados <b>antes que a suplementação de vitamina D possa ser recomendada</b> para a maioria dos individuos com baixos níveis de 25(OH)D." O grifo é meu.<br />
Ao contrário do que a Veja afirma, em lugar algum do artigo há alguma indicação de que "a equipe acredita que a pesquisa tem uma grande relevância na saúde pública, mostrando que o combate à deficiência em vitamina D deve ser uma prioridade."<br />
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<b>Upideite 21/6/14</b>: Folha volta a tratar do <a href="http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2014/06/1473974-uso-de-vitamina-d-para-tratar-esclerose-multipla-gera-controversia.shtml">assunto</a>. Corretamente menciona a falta de comprovaç<span style="font-family: sans-serif;">ão</span> científica para o protocolo do Dr. Coimbra e o consenso da ABN.<br />
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<b>Referências</b><br />
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<span class="Z3988" title="ctx_ver=Z39.88-2004&rft_val_fmt=info%3Aofi%2Ffmt%3Akev%3Amtx%3Ajournal&rft.jtitle=Clinical+Nutrition&rft_id=info%3Adoi%2F10.1016%2Fj.clnu.2010.06.009&rfr_id=info%3Asid%2Fresearchblogging.org&rft.atitle=Vitamin+D+status+in+a+sunny+country%3A+Where+has+the+sun+gone%3F&rft.issn=02615614&rft.date=2010&rft.volume=29&rft.issue=6&rft.spage=784&rft.epage=788&rft.artnum=http%3A%2F%2Flinkinghub.elsevier.com%2Fretrieve%2Fpii%2FS0261561410001111&rft.au=Unger%2C+M.&rft.au=Cuppari%2C+L.&rft.au=Titan%2C+S.&rft.au=Magalh%C3%A3es%2C+M.&rft.au=Sassaki%2C+A.&rft.au=dos+Reis%2C+L.&rft.au=Jorgetti%2C+V.&rft.au=Moys%C3%A9s%2C+R.&rfe_dat=bpr3.included=1;bpr3.tags=Other%2CHealth%2CScience%2C+Culture%2C+Nutrition%2C+Public+Health">Unger, M., Cuppari, L., Titan, S., Magalhães, M., Sassaki, A., dos Reis, L., Jorgetti, V., & Moysés, R. (2010). Vitamin D status in a sunny country: Where has the sun gone? <span style="font-style: italic;">Clinical Nutrition, 29</span> (6), 784-788 DOI: <a href="http://dx.doi.org/10.1016/j.clnu.2010.06.009" rev="review">10.1016/j.clnu.2010.06.009</a></span><br />
<br /></div>
<span class="Z3988" title="ctx_ver=Z39.88-2004&rft_val_fmt=info%3Aofi%2Ffmt%3Akev%3Amtx%3Ajournal&rft.jtitle=Expert+Review+of+Clinical+Immunology&rft_id=info%3Adoi%2F10.1586%2Feci.10.12&rfr_id=info%3Asid%2Fresearchblogging.org&rft.atitle=Complementary+and+alternative+medicine+for+the+treatment+of+multiple+sclerosis&rft.issn=1744-666X&rft.date=2010&rft.volume=6&rft.issue=3&rft.spage=381&rft.epage=395&rft.artnum=http%3A%2F%2Finformahealthcare.com%2Fdoi%2Fabs%2F10.1586%2Feci.10.12&rft.au=Yadav%2C+V.&rft.au=Shinto%2C+L.&rft.au=Bourdette%2C+D.&rfe_dat=bpr3.included=1;bpr3.tags=Medicine%2COther%2CHealth%2CScience%2C+Culture%2C+Public+Health%2C+Immunology">Yadav, V., Shinto, L., & Bourdette, D. (2010). Complementary and alternative medicine for the treatment of multiple sclerosis <span style="font-style: italic;">Expert Review of Clinical Immunology, 6</span> (3), 381-395 DOI: <a href="http://dx.doi.org/10.1586/eci.10.12" rev="review">10.1586/eci.10.12</a></span><br />
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<span class="Z3988" title="ctx_ver=Z39.88-2004&rft_val_fmt=info%3Aofi%2Ffmt%3Akev%3Amtx%3Ajournal&rft.jtitle=Cochrane+Summaries&rft_id=info%3Adoi%2F10.1002%2F14651858.CD008422&rfr_id=info%3Asid%2Fresearchblogging.org&rft.atitle=Vitamin+D+for+the+management+of+multiple+sclerosis&rft.issn=&rft.date=2010&rft.volume=&rft.issue=&rft.spage=&rft.epage=&rft.artnum=http%3A%2F%2Fsummaries.cochrane.org%2FCD008422%2Fvitamin-d-for-the-management-of-multiple-sclerosis&rft.au=Jagannath+VA&rft.au=Fedorowicz+Z&rft.au=Asokan+GV&rft.au=Robak+EW&rft.au=Whamond+L&rfe_dat=bpr3.included=1;bpr3.tags=Medicine%2COther%2CHealth%2CScience%2C+Culture%2C+Nutrition%2C+Public+Health%2C+Immunology%2C+Metabolism">Jagannath VA, Fedorowicz Z, Asokan GV, Robak EW, & Whamond L (2010). Vitamin D for the management of multiple sclerosis <span style="font-style: italic;">Cochrane Summaries</span> DOI: <a href="http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD008422" rev="review">10.1002/14651858.CD008422</a></span><br />
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<span class="Z3988" title="ctx_ver=Z39.88-2004&rft_val_fmt=info%3Aofi%2Ffmt%3Akev%3Amtx%3Ajournal&rft.jtitle=Arquivos+de+Neuro-Psiquiatria&rft_id=info%3Adoi%2F10.1590%2F0004-282X20130252&rfr_id=info%3Asid%2Fresearchblogging.org&rft.atitle=Supplementation+and+therapeutic+use+of+vitamin+D+in+patients+with+multiple+sclerosis%3A+Consensus+of+the+Scientific+Department+of+Neuroimmunology+of+the+Brazilian+Academy+of+Neurology&rft.issn=0004-282X&rft.date=2014&rft.volume=72&rft.issue=2&rft.spage=152&rft.epage=156&rft.artnum=http%3A%2F%2Fwww.scielo.br%2Fscielo.php%3Fscript%3Dsci_arttext%26pid%3DS0004-282X2014000200152%26lng%3Den%26nrm%3Diso%26tlng%3Den&rft.au=Brum%2C+D.&rft.au=Comini-Frota%2C+E.&rft.au=Vasconcelos%2C+C.&rft.au=Dias-Tosta%2C+E.&rfe_dat=bpr3.included=1;bpr3.tags=Medicine%2COther%2CScience%2C+Culture%2C+Immunology%2C+Neurology">Brum, D., Comini-Frota, E., Vasconcelos, C., & Dias-Tosta, E. (2014). Supplementation and therapeutic use of vitamin D in patients with multiple sclerosis: Consensus of the Scientific Department of Neuroimmunology of the Brazilian Academy of Neurology <span style="font-style: italic;">Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 72</span> (2), 152-156 DOI: <a href="http://dx.doi.org/10.1590/0004-282X20130252" rev="review">10.1590/0004-282X20130252</a></span></div>
<span class="Z3988" title="ctx_ver=Z39.88-2004&rft_val_fmt=info%3Aofi%2Ffmt%3Akev%3Amtx%3Ajournal&rft.jtitle=BMJ&rft_id=info%3Adoi%2F10.1136%2Fbmj.g3656&rfr_id=info%3Asid%2Fresearchblogging.org&rft.atitle=Vitamin+D+and+mortality%3A+meta-analysis+of+individual+participant+data+from+a+large+consortium+of+cohort+studies+from+Europe+and+the+United+States&rft.issn=1756-1833&rft.date=2014&rft.volume=348&rft.issue=jun17+16&rft.spage=0&rft.epage=0&rft.artnum=http%3A%2F%2Fwww.bmj.com%2Fcgi%2Fdoi%2F10.1136%2Fbmj.g3656&rft.au=Schottker%2C+B.&rft.au=Jorde%2C+R.&rft.au=Peasey%2C+A.&rft.au=Thorand%2C+B.&rft.au=Jansen%2C+E.&rft.au=Groot%2C+L.&rft.au=Streppel%2C+M.&rft.au=Gardiner%2C+J.&rft.au=Ordonez-Mena%2C+J.&rft.au=Perna%2C+L.&rft.au=Wilsgaard%2C+T.&rft.au=Rathmann%2C+W.&rft.au=Feskens%2C+E.&rft.au=Kampman%2C+E.&rft.au=Siganos%2C+G.&rft.au=Njolstad%2C+I.&rft.au=Mathiesen%2C+E.&rft.au=Kubinova%2C+R.&rft.au=Paj%C2%A0k%2C+A.&rft.au=Topor-Madry%2C+R.&rft.au=Tamosiunas%2C+A.&rft.au=Hughes%2C+M.&rft.au=Kee%2C+F.&rft.au=Bobak%2C+M.&rft.au=Trichopoulou%2C+A.&rft.au=Boffetta%2C+P.&rft.au=Brenner%2C+H.&rft.au=%2C+.&rfe_dat=bpr3.included=1;bpr3.tags=Medicine%2COther%2CScience%2C+Culture%2C+Immunology%2C+Clinical+Research"><br /></span>
<span class="Z3988" title="ctx_ver=Z39.88-2004&rft_val_fmt=info%3Aofi%2Ffmt%3Akev%3Amtx%3Ajournal&rft.jtitle=BMJ&rft_id=info%3Adoi%2F10.1136%2Fbmj.g3656&rfr_id=info%3Asid%2Fresearchblogging.org&rft.atitle=Vitamin+D+and+mortality%3A+meta-analysis+of+individual+participant+data+from+a+large+consortium+of+cohort+studies+from+Europe+and+the+United+States&rft.issn=1756-1833&rft.date=2014&rft.volume=348&rft.issue=jun17+16&rft.spage=0&rft.epage=0&rft.artnum=http%3A%2F%2Fwww.bmj.com%2Fcgi%2Fdoi%2F10.1136%2Fbmj.g3656&rft.au=Schottker%2C+B.&rft.au=Jorde%2C+R.&rft.au=Peasey%2C+A.&rft.au=Thorand%2C+B.&rft.au=Jansen%2C+E.&rft.au=Groot%2C+L.&rft.au=Streppel%2C+M.&rft.au=Gardiner%2C+J.&rft.au=Ordonez-Mena%2C+J.&rft.au=Perna%2C+L.&rft.au=Wilsgaard%2C+T.&rft.au=Rathmann%2C+W.&rft.au=Feskens%2C+E.&rft.au=Kampman%2C+E.&rft.au=Siganos%2C+G.&rft.au=Njolstad%2C+I.&rft.au=Mathiesen%2C+E.&rft.au=Kubinova%2C+R.&rft.au=Paj%C2%A0k%2C+A.&rft.au=Topor-Madry%2C+R.&rft.au=Tamosiunas%2C+A.&rft.au=Hughes%2C+M.&rft.au=Kee%2C+F.&rft.au=Bobak%2C+M.&rft.au=Trichopoulou%2C+A.&rft.au=Boffetta%2C+P.&rft.au=Brenner%2C+H.&rft.au=%2C+.&rfe_dat=bpr3.included=1;bpr3.tags=Medicine%2COther%2CScience%2C+Culture%2C+Immunology%2C+Clinical+Research">Schottker, B., Jorde, R., Peasey, A., Thorand, B., Jansen, E., Groot, L., Streppel, M., Gardiner, J., Ordonez-Mena, J., Perna, L., Wilsgaard, T., Rathmann, W., Feskens, E., Kampman, E., Siganos, G., Njolstad, I., Mathiesen, E., Kubinova, R., Paj k, A., Topor-Madry, R., Tamosiunas, A., Hughes, M., Kee, F., Bobak, M., Trichopoulou, A., Boffetta, P., Brenner, H., & , . (2014). Vitamin D and mortality: meta-analysis of individual participant data from a large consortium of cohort studies from Europe and the United States <span style="font-style: italic;">BMJ, 348</span> (jun17 16) DOI: <a href="http://dx.doi.org/10.1136/bmj.g3656" rev="review">10.1136/bmj.g3656</a></span></div>
Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com33tag:blogger.com,1999:blog-8768401474994996719.post-29697264241720782252014-03-30T21:57:00.001-03:002015-08-11T22:37:25.528-03:00Uma aula de pseudociência<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Por vários motivos, <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Pseudoscience">pseudociência</a> não deve ser acolhida em universidades prestigiosas. Na verdade não deveria entrar em instituição alguma que se pretenda séria.<br />
Depois do <a href="http://ccientifica.blogspot.com.br/2013/09/saude-quantica-2-o-retorno-quantico.html">evento sobre Saúde Quântica</a>, fiquei muito curioso em relação a que significado os proponentes dão ao tema. Trabalho com <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Quantum_mechanics">Física Quântica</a> há 30 anos e não consigo entender o que isso pode ter a ver com saúde. Encontrei no YouTube uma aula dada pelo Engenheiro <a href="http://lattes.cnpq.br/8563151985033504">Wallace Liimaa</a> (não, meu teclado não está com defeito, ele escreve assim mesmo) num programa de pós-graduação da <a href="http://www.unifesp.br/">UNIFESP</a>. O Professor Liimaa é provavelmente a maior referência em Saúde Quântica no Brasil. No entanto, mesmo tendo prestado bastante atenção na aula toda (requer tempo e uma boa dose de paciência) não é possível entender o que significa saúde quântica. O que aprendi é que o Professor Liimaa tem um entendimento bastante limitado e confuso da Física Quântica. A aula inclui um amontoado de conceitos errados, equivocados ou fora de contexto, apesar de fazer referência a cientistas historicamente importantes e usar termos corretos. Trata-se de pseudociência na sua forma mais pura: um monte de baboseiras ditas com um linguajar sofisticado que parece cientifico, vagando entre <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Organic_agriculture">agricultura orgânica</a>, autoajuda, <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/New_age">new age</a> e <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Intelligent_design">intelligent design</a>. Quase nada de Mecânica Quântica. O que realmente não consegui entender é como isso se tornou uma aula num programa de pós-graduação de uma das melhores universidades do Brasil.<br />
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<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="//www.youtube.com/embed/PsMWTIqgeh8" width="420"></iframe>
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Para que você não precise assistir a toda a aula vou apontar algumas das passagens mais bizarras. </div>
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Perto de 6:20 <span style="color: #990000;">"Temos hoje, com o auxílio da Física Moderna, [evidências] de que o universo também se comporta como um ser vivo e que nossa mente é o veículo dessa comunicação com o universo".</span></div>
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Isso não é uma consequência de Física Moderna. Esse padrão vai se repetir ao longo da aula: afirmações pseudocientíficas atribuídas a conceitos da Física Quântica.</div>
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Perto de 16:00 <span style="color: #990000;">"O que isso [a Física Quântica] tem a ver com saúde? O universo na sua linguagem energética e vibracional, aí vamos compreender que <b>uma inteligência regeu</b> essa orquestra sinfônica universal por bilhões de anos"</span> Isso é uma versão não-religiosa de intelligent design, mas não tem nada ver com Física Quântica. Aqui ele mostra que além de não entender a Física Quântica ele não entende o que é a Teoria da Evolução. E me convenceu definitivamente que intelligent design não precisa obrigatoriamente ser baseado em visões religiosas, apesar de frequentemente o ser. Aprendi alguma coisa.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
Perto de 19:00 <span style="color: #990000;">"Do ponto de vista quântico e relativístico nós vivemos em um universo que é uma melodia, e nosso corpo também é uma melodia complexa. De um ponto de vista energético e vibracional nós estamos aqui para ser felizes."</span>. Não é possível entender como a Mecânica Quântica e a Relatividade implicam em uma melodia ou levam à felicidade, exceto pelo prazer que temos quando conseguimos achar a solução para algum problema complexo.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
Perto de 21:00<span style="color: #990000;"> "A Física Moderna está nos apontando um caminho de olhar para o ser humano em todas as suas dimensões"</span> Isso não significa absolutamente nada e não é uma consequência da Física Moderna.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
De 22:00 a 30:00 <span style="color: #990000;">Mais argumentos de intelligent design.</span></div>
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30:00 <span style="color: #990000;">"Do ponto de vista quântico relativístico uma doença é uma oportunidade"</span>. Não consigo imaginar em que livros o professor aprendeu Mecânica Quântica ou Relatividade, mas nos que eu conheço não há ligações entre esses assuntos, doenças e oportunidades. </div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
32:40 Ele tenta falar de <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Quantum_entanglement">Emaranhamento Quântico</a>, e ligar isso a dor (!?)</div>
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35:50<span style="color: #990000;"> "O mundo quântico diz: toda ação volta para si própria" </span>Nos bons livros de física quântica não há nenhuma afirmação desse tipo.</div>
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40:30 <span style="color: #990000;">"Do ponto de vista quântico a realidade é a nossa percepção da realidade.... Mude suas estruturas de crença e a realidade muda."</span> Isso é uma das crenças <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/New_age">new age</a> mais difundidas que não tem suporte algum na Mecânica Quântica. A realidade não depende de nossas crenças (ainda bem).</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
43:15 <span style="color: #990000;">"Essa é a perspectiva quântica de saúde: estimular cada um a ser um cientista."</span> Cada vez entendo menos.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
1:01:30 <span style="color: #990000;">"Niels Bohr mostrou que quando um elétron salta de um nível para outro ele desaparece aqui e aparece aqui, mas não é possível encontrá-lo entre as órbitas. Onde ele foi parar? Esse é um dos paradoxos da Física Moderna. O elétron não está aqui. Ele foi para outra dimensão."</span> Paradoxo para ele que não entende o básico de física atômica. Um bom aluno de graduação em Física sabe o que acontece com o elétron durante uma transição. Basta calcular a evolução da função de onda ao interagir com o dipolo elétrico oscilante para entender que ele não vai para outra dimensão. Tem até uma <a href="http://www.falstad.com/mathphysics.html">animação</a> excelente em Java que mostra onde está o elétron durante a transição. Não há paradoxo algum. Mas para entender isso é preciso conhecer um pouco mais do que mecânica quântica de almanaque.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
1:02:50 <span style="color: #990000;">"O salto quântico é uma mudança súbita de percepção, assim como as curas quânticas, milagrosas." </span>Então tá...</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
1:04:45 <span style="color: #990000;">"Temos uma impressão digital e também temos uma [impressão digital] energética e vibracional."</span> Será que isso é a tal saúde quântica? </div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
1:08:25<span style="color: #990000;"> "O modelo quântico de saúde é uma medicina integral, entre corpo e espírito."</span> Não era...</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
1:13:00 <span style="color: #990000;">"A perspectiva quântica da saúde muda o cenário: ela é saúde, não doença." </span>Cada vez entendo menos...</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
1:13:30 <span style="color: #990000;">"Em Recife tem um plano de saúde interessado num hospital quântico"</span>. Essa é das melhores. Um plano de saúde quântico!!!</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
1:13:50 <span style="color: #990000;">"O que é um hospital quântico?" </span>Infelizmente quando o Prof. Liimaa ia responder sua própria pergunta alguém o interrompeu. Ficaremos sem saber.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">
1:17:20 <span style="color: #990000;">"Os físicos chamam: é o colapso da função de onda: você tem medo de ousar, de fazer uma coisa diferente"</span>. Não é possível entender o que ousadia tem a ver com <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Wave_function_collapse">colapso da função de onda</a>.</div>
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1:20:00 <span style="color: #990000;">"A UNIFESP é uma das melhores universidades do país."</span>. Precisei esperar 1:20h para ouvir uma coisa que faz algum sentido. </div>
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Não tenho ideia de como o Prof. Liimaa conseguiu infiltrar sua aula num programa de pós-graduação numa das melhores universidades do país. Não sei qual programa de pós forma seus estudantes em "Saúde quântica". Só espero que alguém na UNIFESP, preocupado com a qualidade científica de sua instituição, um dia convença a coordenação do programa de pós que uma universidade séria não deve oferecer aulas de pseudociência.</div>
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<b>Upideite 31/03/14: </b>Não se trata de um programa de pós-graduação, mas de um curso de extensão (que no Brasil gostam de chamar de pós-graduação lato senso). Continua estranho uma universidade séria emprestando seu prestígio para validar pseudociência. </div>
</div>
Leandro R. Tesslerhttp://www.blogger.com/profile/08680318456015079933noreply@blogger.com16