Placebos na prática médica

O setor de saúde da UNICAMP, assim como os da USP e UNIFESP padecem de uma natureza dupla, de intituições provedoras qualificadas de serviços de saúde a uma vasta população por um lado, ao mesmo tempo que são instituições de liderança inquestionável na formação de médicos, de cientistas e na pesquisa científica e tecnológica vinculada à area da saúde. Não é fácil desempenhar as duas funções com a qualidade, com a excelência, que estas instituições exigem de si mesmas. Esta dificuldade me parece particularmente complicada no problema dos “tratamentos alternativos”, como a homeopatia e a acunpuntura.

De um lado, não de pode negar a eficácia do efeito placebo, e que um tratamento humanitário de doentes não pode prescindir do seu uso. Note-se que a máxima ética “primum non nocere” (primeiro não prejudicar) é perfeitamente compatível com o uso de placebos, desde que estes não interfiram com a saúde do paciente ou com a aplicação de outros tratamentos. Cabe também observar que o princípio operante por trás do efeito placebo é a fé do paciente que o tratamento oferecido é de fato eficaz (eu tenho uma reclamação metodológica sobre os estudos duplo-cego em medicamentos: ao saber que o estudo é duplo-cego a fé dos pacientes já está comprometida pois eles sabem que há uma boa chance que estejam recebendo não-remédio, reduzindo o efeito placebo – isso afeta tanto os pacientes do remédio quanto os do placebo, e portanto, apesar de subvalorizar o efeito do tratamento, pode ainda servir para distinguir efeito terapêutico real de efeito placebo. Contudo, para os que entendem de estatística, esse erro sistemático pode tornar incorretas avaliações sobre “achados estatisticamente significativos”) . Mais ainda, estudos pseudo-científicos, explicações cheias de jargão e a aparência científica aumentam a fé dos pacientes e portanto a eficácia do placebo. Não se deve castigar um exercício profissional que efetivamente reduza o sofrimento das pessoas simplesmente por este ser não-científico.

Por outro lado, acolher discursos e práticas irracionais e anti-científicas sem denunciá-las é precisamente o oposto da missão educacional e científica da universidade. Nossos estudantes precisam ser solidamente formados no método científico e saber a medida terapêutica de cada procedimento. Como conciliar estas duas missões, essas duas visões? Note que a questão está sendo posta por um matemático, com base na discussão levantada por um físico. Os médicos não parecem se emocionar com esse tipo de discussão, e pessoalmente, eu tenho uma teoria a respeito: a formação dos médicos lida desde o primeiro dia na escola com essa tensão entre os lados humanos e científicos da prática médica. O que parece um conflito irresolvível para um cientista natural, é o feijão com arroz da prática médica e uma visão serena e realista sobre as práticas “alternativas” pode muito bem ser a resposta adequada ao conflito colocado aqui.

Comentários

Leo disse…
Um problema grave no uso de terapias alternativas é quando elas reatdam ou substituem os tratamentos reais. Nestes casos, pode haver dano ainda maior à saúde e até fatalidade. Um médico responsável pode até valer-se do efeito placebo para possivelmente aumentar o bem-estar do paciente, mas talvez essa atitude sirva para fomenta ainda mais a indústria de tratamentos alternativo e espalhar ainda mais práticas pseudo-científicas.
Anônimo disse…
Prezados,
não deixa de ser uma questão intrigante o fato de uma doença melhorar pela fé do paciente no "remédio" que está tomando.
Seria o caso então de se investigar o processo envolvido nesse tipo de cura. A cura pela fé em alguma coisa.Seria a descoberta do século.
Por outro lado tenho conhecimento de relatos em que muitas crianças de colo reagiram muito bem tratamentos homeopáticos em contraposição ao uso de outros tipos de remédios. Como justificar neste caso a ação do efeito placebo? Teriam essas crianças fé? Ou a fé dos pais é transmissível aos filhos?
Creio que uma forma de justificar os aparentes sucessos desses tratamentos alternativos é a seguinte:
Muitas doenças curam-se espontaneamente. A própria existência de seres humanos antes do século XX é uma prova disso. Os remédios que existiam anteriormente simplesmente não funcionavam mesmo (vide o livro Bad Medicine de David Wootton)
Infelizmente é preciso admitir que a medicina como é exercida hoje em dia, faz do médico um agente, uma espécie de distribuidor das empresas produtoras de medicamentos e de equipamentos de diagnóstico e tratamento.Nã maioria das vezes baseado em propagandas e artigos publicados sem possibilidade de constatação científica. É simplesmente impossível que alguém (o médico) possa dominar todos os princípios teóricos que fundamentam os medicamentos e equipamentos utilizados; vide as barbaridades que os médicos cometem utilizando as radiações como diagnóstico e tratamento. O Colégio Norte Americano de Radiologistas estima que 90% do radiologistas desconhecem os efeitos dos RX nos tecidos.
Sabemos que dificilmente uma pessoa consegue sair de uma consulta médica, seja lá o sintoma que apresenta, sem qualquer indicação de remédio ou exames.
Não que isso faça diferença para certos tipos de doenças.
Justamente aquelas que se curam sem qualquer tratamento ou curam-se com uma resposta comportamental do paciente. Essas são as preferidas dos homeopatas.

Antonio Carlos
Unknown disse…
Penso que o Antonio Carlos tocou num ponto importante que, inclusive, foi colocado de maneira brilhante por cientistas epistemologistas brilhantes como Thomas Khun e Gaston Bachelard.
Sobre o experimento do Jacques Benveniste a respeito da memória da água, valeria a pena tentar responder a pergunta: como o "conhecimento" por parte dos pesquisadores sobre o conteúdo das amostras alterou o resultado?
É óbvio que devemos nos pautar pelo método científico, contudo este tem que ser utilizado de maneira inteligente.
Em Ciência, muitas vezes, um determinado resultado negativo pode mascarar uma verdade subjacente muito mais profunda do que a intenção ou a premissa sobre a qual determinada hipótese é formulada a partir da estruturação de um problema.
Edval Rodrigues de Viveiros