O Preço da Cura

A recente divulgação dos prêmios IgNobel 2008 chamou a atenção no Brasil pelo prêmio de Arqueologia atribuído a pesquisadores da USP que publicaram no periódico Geoarchaeology um artigo mostrando o quanto um tatu pode esculhambar um sítio arqueológico a ponto de falsear resultados. Trata-se de pesquisa séria, apesar do óbvio toque de humor. Os prêmios IgNobel são atribuídos a "pesquisas que fazem a gente rir, depois pensar." Não se trata de premiar a pseudo-ciência.
O IgNobel 2008 que mais me impressionou foi o da Medicina. Um estudo publicado em 2008 no prestigioso JAMA (Journal of the American Medical Association) mostrou uma face curiosa do efeito placebo: placebos supostamente caros apresentam um efeito placebo superior a placebos supostamente de baixo custo. Atribuimos maior eficácia a drogas mais caras. Os autores compararam dois grupos de 41 voluntários são cada um. Cada participante recebeu a informação de que testaria um novo analgésico opióide aprovado pela FDA, com efeito similar ao da codeína mas com ação muito mais rápida. Na verdade todos receberam um mesmo placebo. O grupo I foi informado que suas pílulas custavam US$2.50 cada. O grupo II foi infirmado que suas pílulas foram adquiridas com desconto, por US$0.10 cada. O estudo foi feito em duplo-cego, como devem ser feitos estudos de qualidade sempre que o efeito placebo pode estar presente.
A metodologia utilizada foi comparar a intensidade de dor devido a um choque elétrico aplicado a um pulso do voluntário em função da voltagem aplicada, até 80V (NÃO TENTEM REPETIR O ESTUDO EM CASA!).
O grupo que recebeu o placebo "caro" mostrou de forma consistente um efeito de analgesia (devido apenas à autosugestão pois não receberam analgésico algum) muito mais elevado do que o grupo que recebeu o placebo "barato". Para valores altos da voltagem aplicada inclusive o placebo "barato" não foi eficaz.
O resultado mais óbvio do estudo tem implicações importantes sobre a eficácia de medicamentos. Em muitos casos parte importante do efeito de um remédio está associado ao efeito placebo. Pessoas próximas (inclusive médicos) já me garantiram que medicamentos genéricos têm efeito mais fraco, apesar de terem exatamente o mesmo princípio ativo dos similares de marca. Isso provavelmente está relacionado à expectativa dos pacientes, associando qualidade à marca.
Outra conseqüência importante vai muito além de medicamentos: associamos qualidade a marcas de prestígio, e estamos dispostos a pagar mais por isso. É por isso que pessoas aceitam pagar preços muito mais altos para adquirirem produtos de marcas prestigiosas. O poder de sedução das marcas está arraigado em nossa percepção de qualidade. O efeito placebo é muito mais geral do que o que vivenciamos com medicamentos!

Comentários

Osame Kinouchi disse…
Eu me lembro que um psicanalista dizer que cobrava caro para que o paciente desse valor à terapia... E certamente isso deve ajudar ao efeito placebo associado à psicanálise.

Parece que existe outra pesquisa mostrando que vinhos mais caros são avaliados melhor.

Eu chutaria que essa associação placeba entre preço e qualidade é universal: se custa caro, deve ser bom...
Anônimo disse…
Me lembro que meu avô contava que quando minha avó estava muito nervosa ele enchia um vidro de remédio com água e dava duas colheradas(derramadas na frente dela) dizendo:
- isto vai te acalmar!
Porém ele pegava um vidro de remédio que estivesse no fim, lavava, enchia com água e enganava a pobre senhora, que inquestionavelmente se acalmava. A partir disto ele decidiu guardar o vidro com água para o dia seguinte, sendo que já havia guardado um outro no dia anterior.
bem no fim ele já não sabia se estava dando água pura ou água de rosas, mas sempre constatava que após alguns minutos ela se acalmava. Ele dizia: Eu dou a ela com tanta fé que além de atingir o resultado, até eu me copnvenço.
mal sabia ele que já realizava um estudo duplo-cego. rsrsrsrs