No dia 5 de março próximo o STF decidirá uma questão histórica para as relações entre ciência, sociedade e religião no Brasil. Será apreciada a procedência da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3510) impetrada pelo ex-Procurador Geral da República Cláudio Fonteles contra o Art. 5º da Lei de Biossegurança Nº 11.105 de 24 de março de 2005 que regulamenta, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos. A ADI baseia-se em dois pontos: 1. "que a vida humana começa na fecundação" e 2. "a pesquisa com células-tronco adultas é, objetiva e certamente, mais promissora do que a pesquisa com células-tronco embrionárias, até porque com as primeiras, resultados auspiciosos acontecem, do que não se tem registro com as segundas".
O relator do processo no STF, Ministro Cláudio Britto é evasivo quando perguntado sobre seu parecer, mas deu sinais de que seu voto "não levou em consideração as possíveis conseqüências da proibição de estudos no Brasil".
Com uma roupagem de ação meramente legal e constitucional, como vem sendo afirmado reiteradamente pelo ex-Procurador Fonteles, o que está em jogo é o confronto (cada vez mais inevitável) entre religião (no caso representada pela igreja católica) e ciência.
O ex-Procurador Fonteles integra a Ordem dos Franciscanos. Para a audiência pública que ocorreu em 2007 o STF convocou 11 especialistas, a Procuradoria Geral da República outros 11 , a Presidência da República 4 e a CNBB, que atua como amicus curiae convocou um. Era gritante o contraste entre as credenciais científicas dos favoráveis à pesquisa com células-tronco embrionárias e os demais, quase todos ligados a setores da igreja. Na ocasião, o ex-Procurador Fonteles tentou desqualificar a Pró-Reitora de Pesquisa da USP e pesquisadora ativa na área Mayana Zatz com argumentos anti-semitas. Lamentável.
A posição da igreja é que a vida humana começa na fecundação e portanto pesquisar com as células-tronco embrionárias equivale a assassinato de uma vida que poderia desenvolver-se. Não importa que estejamos falando de aglomerados de algumas dezenas de células, e que esses aglomerados tenham como destino a lata de lixo, ou seja, jamais chegarão perto de serem considerados vidas humanas. Não consigo deixar de lembrar a hilária canção "Every sperm is sacred" do Monty Python em O sentido da vida.
O outro argumento é que a pesquisa com células tronco embrionárias é desnecessária dados os resultados com células tronco adultas. Seria divertido se não fosse trágico ouvir bispos e padres julgando resultados de pesquisas complexas das quais eles não têm a menor idéia, até por não terem formação científica adequada. Ainda que a pesquisa com células tronco adultas tivesse o sucesso propalado pela igreja, isso seria motivo para proibir a pesquisa com células tronco embrionárias, que já está melhorando a vida de pessoas no mundo todo, inclusive no Brasil?
Só temos a esperar que a exemplo de outras matérias recentes o STF tenha consciência da importância de não ceder às pressões (ainda que disfarçadas) da igreja e reafirmar um estado laico e democrático.
O relator do processo no STF, Ministro Cláudio Britto é evasivo quando perguntado sobre seu parecer, mas deu sinais de que seu voto "não levou em consideração as possíveis conseqüências da proibição de estudos no Brasil".
Com uma roupagem de ação meramente legal e constitucional, como vem sendo afirmado reiteradamente pelo ex-Procurador Fonteles, o que está em jogo é o confronto (cada vez mais inevitável) entre religião (no caso representada pela igreja católica) e ciência.
O ex-Procurador Fonteles integra a Ordem dos Franciscanos. Para a audiência pública que ocorreu em 2007 o STF convocou 11 especialistas, a Procuradoria Geral da República outros 11 , a Presidência da República 4 e a CNBB, que atua como amicus curiae convocou um. Era gritante o contraste entre as credenciais científicas dos favoráveis à pesquisa com células-tronco embrionárias e os demais, quase todos ligados a setores da igreja. Na ocasião, o ex-Procurador Fonteles tentou desqualificar a Pró-Reitora de Pesquisa da USP e pesquisadora ativa na área Mayana Zatz com argumentos anti-semitas. Lamentável.
A posição da igreja é que a vida humana começa na fecundação e portanto pesquisar com as células-tronco embrionárias equivale a assassinato de uma vida que poderia desenvolver-se. Não importa que estejamos falando de aglomerados de algumas dezenas de células, e que esses aglomerados tenham como destino a lata de lixo, ou seja, jamais chegarão perto de serem considerados vidas humanas. Não consigo deixar de lembrar a hilária canção "Every sperm is sacred" do Monty Python em O sentido da vida.
O outro argumento é que a pesquisa com células tronco embrionárias é desnecessária dados os resultados com células tronco adultas. Seria divertido se não fosse trágico ouvir bispos e padres julgando resultados de pesquisas complexas das quais eles não têm a menor idéia, até por não terem formação científica adequada. Ainda que a pesquisa com células tronco adultas tivesse o sucesso propalado pela igreja, isso seria motivo para proibir a pesquisa com células tronco embrionárias, que já está melhorando a vida de pessoas no mundo todo, inclusive no Brasil?
Só temos a esperar que a exemplo de outras matérias recentes o STF tenha consciência da importância de não ceder às pressões (ainda que disfarçadas) da igreja e reafirmar um estado laico e democrático.
Comentários
Dessa maneira, eventual terapia com células-tronco embrionárias humanas não poderia ser idealizada somente em função do excelente resultado obtido em camundongos, quando se constatou, à época, que “a célula-tronco embrionária é o único tipo celular capaz de se diferenciar em neurônio”. Diferentemente do observado na espécie humana, os estudos com camundongos empregam animais geneticamente idênticos (clones), ou seja, MHC-idênticos, o que permite a livre transferência de células, tecidos e órgãos entre os animais na ausência de rejeição imunológica, incluindo a transferência de células-tronco embrionárias a animais adultos.
Confirmando a inexeqüibilidade da mesma abordagem em humanos, foi recentemente declarado pela Dra. Natalia López Moratalla, catedrática de Biologia Molecular e Presidente da Associação Espanhola de Bioética e Ética Médica, que «as células-tronco embrionárias fracassaram; a esperança para os enfermos está nas células adultas» e «hoje a pesquisa derivou decididamente para o emprego das células-tronco 'adultas', que são extraídas do próprio organismo e que já estão dando resultados na cura de doentes» (ZENIT.org).
Portanto, devemos apoiar as pesquisas com células-tronco ADULTAS, especialmente as células iPS que tiveram seu potencial de uso em terapia recentemente comprovado, pois não precisam enfrentar a rejeição imunológica, não precisam mais ser obtidas com a introdução de genes ou com a utilização de retrovírus como vetor, e a sua utilização para tratamento de doenças graves independe da aprovação do Artigo 5º da Lei de Biossegurança.
Eu estava aguardando a decisão do STF para responder seu comentário.
Concordo em parte com ele. Com a parte que diz que "devemos apoiar as pesquisas com células-tronco ADULTAS". Devemos sempre apoiar pesquisa científica séria de qualidade.
Discordo de todo o resto, começando pela fonte que foi usada. www.zenit.org é uma organização de jornalistas católicos que repete a posição oficial da igreja e tem como slogan "O mundo visto de Roma". Isso não é exatamente uma posição científica. Eu prefiro estar baseado na Nature, na Science, na Lancet, no JAMA, para citar algumas fontes científicas confiáveis. E elas dizem que as evidências mostram que até agora somente as células tronco embrionárias têm apresentado resultados realmente promissores para fins terapêuticos.
Ainda que esse não fosse o caso, a pesquisa com células-tronco embrionárias se justifica tão somente pelo avanço do conhecimento. Nunca se sabe de antemão onde as pesquisas podem chegar.
O STF julgou com uma clareza rara. Fiquei surpreso quando a ministra Ellen Gracie desqualificou um estudo similar ao que você cita dizendo que ele não foi publicado em uma revista científica de prestígio. É assim que os cientistas pensam.
Apoiemos a pesquisa com células-tronco adultas, e apoiemos também, a pesquisa com células-tronco EMBRIONÁRIAS.
deixando de lado a questão religiosa na qual me amparo também, e pergunto, se no ponto de vista ciêntifico e também jurídico, não é considerda uma vida após a união do espermatozóide com o óvulo feminino e daí geraria um embrião? pera aí, embrião, vida, ué na nossa constituição não diz que toda vida estaria resguardada por lei?. Não teria aí uma contradição juridica ou mais uma vez como é de costume neste país um arrumadinho pra calar a boca dos já milionários juizes dos nossos laboratórios que por sua vez não estão nem um pouco interessados com os valores morais e humaniítico e sim estão interessadissimos nos lucros que o exterminios desses embriões que diga-se de passagem nem deveriam estar onde estão, infelismente me irmão o homem chegou ao seu extremo, as aberrações são claras,já clonamos animais e logo logo estaremos aí clonando pessoas, será menos demorado que os nove meses, basta colocar num tubo de ensaio e pronto já temos uma cópia fiel andando por aí. de tanto não olharmos as ações do homem com os olhos de Igreja é que chegamos aonde estamos. O homem faz as leis só para term o prazer de derrespeitá-las.
Acho que o meu posicionamento foi científico sim, pois a Imunologia tem regras bem claras para terapia com células-tronco, citadas em bons livros científicos na área: na ausência de compatibilidade HLA entre o doador (o 'pool' de células de embriões) e o receptor (o paciente) ocorre rejeição das células transplantadas ou então elas podem provocar doença de enxerto x hospedeiro (GvHD); tal potencial linfóide das células-tronco embrionárias foi demonstrado, pela primeira vez, pelo grupo de KM Chan (Blood, 111(6):2953-61, Mar 2008). O potencial imunogênico das células-tronco embrionárias humanas foi enfatizado por Karl-Henrik Grinnemo e colaboradores em recente artigo de revisão (Cell Tissue Res, 331:67-78, 2008). O Dr. Shynia Yamanaka muito bem salientou, também em recente artigo de revisão, o empecilho da rejeição para o uso terapêutico das células-tronco embrionárias humanas (Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci, 363(1500):2079-87, Jun 2008). É lógico que eu gostaria de ter oferecido estas referências anteriormente, mas publicações pertinentes, em revistas científicas de prestígio, estão sendo disponibilizadas recentemente. Felizmente, somos concordantes no mais importante, ao meu ver. Agora, resultado terapêutico promissor com células-tronco embrionárias, só se for em modelo animal onde os envolvidos são geneticamente idênticos, ou seja, onde não ocorre rejeição: 'não se sabe de antemão', mas se tem fundamento para prever. Além disso, é bom que todos saibam que o F.D.A. (Estados Unidos) não liberou terapia com células de embrião, porque não existe comprovação efetiva deste tratamento para justificar tal liberação (NY Times, May15, 2008 - jornal de prestígio).
Caro anônimo,
Parabéns por suas ponderações sobre aspectos éticos da pesquisa. É óbvio que nós cientistas devemos todo o tempo nos preocupar com as conseqüências de nosso trabalho.
O artigo 5 da Constituição Federal de 1988 não pode ser tomado fora de seu contexto. Ali está implícito tratar-se de vida humana. Se assim não fosse cada vez que você comesse uma maçã ou um bife estaria violando a Constituição. A pergunta de fundo, que foi respondida no julgamento do STF, é se os embriões inviáveis separados para descarte constituem vida humana. Sem dúvida, se fossem nutridos, cuidados e deixados se desenvolver eles poderiam tornar-se seres humanos. No entanto, esse não é o seu destino. Os embriões estão armazenados e morreriam rapidamente se tirados das condições de armazenamento. Não há impedimento moral algum para estudar células de um embrião que certamente não se tornará nunca um ser humano, ainda mais se esses estudo possam trazer qualidade de vida para seres humanos doentes.
Cara Zulma,
Muito obrigado pelo novo comentário. Respondo a partir do fim. O artigo citado no NYT F.D.A. Delays Clinical Trial of Embryonic Stem Cells na verdade tem um tom de protesto em relação ao atraso da autorização para testes em humanos (estamos falando de um estágio muito além da pesquisa básica) de uma terapia que usa células-tronco embrionárias.
Apesar de eu não concordar com justificativas utilitaristas para a pesquisa, quero mencionar o conteúdo de dois dos artigos de revisão mencionados. Grinnemo et al. na Cell and Tissue Research começa suas notas conclusivas com a seguinte frase: "HESC have a great potential for use in the future to replace damaged tissues.", ou seja: "Células-tronco embrionárias humanas têm um grande potencial para uso no futuro na substituição de tecidos danificados". No artigo os autores apresentam estratégias que estão sendo desenvolvidas para vencer a barreira imunológica. Já o Dr. Shynia Yamanaka nos Philosophical Transactions of The Royal Society B conclui: "In this review, an overview of the three currently proposed methods of inducing pluripotency in somatic cells is given. These technologies each have their own pros and cons for future clinical applications. However, rather than discussing which approach is best at present, basic research should push ahead on all fronts so that the best possible technologies may be developed in the future". Ou seja, "Este artigo é dada uma visão geral dos três métodos propostos para induzir pluripotência em células somáticas. Cada uma dessas tecnologias tem suas vantagens e desvantagens para aplicações clínicas futuras. No entanto em lugar de discutir qual a melhor atualmente, a pesquisa básica deve ocorrer em todas as frentes para que no futuro as melhores tecnologias possíveis possam ser desenvolvidas".
Sigamos a sábia recomendação do Dr. Yamanaka e apoiemos todas as formas de pesquisa.
Agradeço também seu comentário e concordo que a pesquisa básica deve ocorrer em todas as frentes que se mostrem com fundamento científico. É importante estarmos alertas. Veja, como um exemplo, que foi anunciado no último dia 12, por uma importante empresa de biotecnologia (não vou citar nome, o objetivo não é este), a obtenção de células-tronco embrionárias humanas com finalidade terapêutica capazes de evadir o ataque direto do sistema imune humano, sendo sugerido, no mesmo trabalho, que 'o emprego de linhagens de células-tronco embrionárias humanas específicas do paciente para prevenir rejeição imunológica pode não ser necessário'. O potencial de evasão imune das células apresentadas pela empresa foi atribuído à ausência de expressão de antígenos HLA classe II e de outros marcadores de superfície celular envolvidos na ativação de linfócitos T. Entretanto, relatam que estas células exibem expressão normal de antígenos HLA classe I, justamente as moléculas que levam à sua destruição (rejeição) por células NK da imunidade inata e/ou por células T CD8+ (linfócitos T citotóxicos) da imunidade adquirida. Ficou incoerente, não é? O grupo de Micha Drukker já havia demonstrado que células-tronco embrionárias humanas são capazes de expressar altos níveis de proteínas MHC-I (antígenos HLA classe I) e que podem então ser rejeitadas após o transplante [PNAS, 99(15):9864-9, 2002]. Creio que você compreenderá que, como professora de Imunologia, eu tenho que me manifestar para evitar a propagação de conhecimento inadequado que pode redundar no mau uso de estratégias para terapia. Quanto ao artigo citado no NYT sobre a recusa ao teste de células embrionárias humanas em pacientes por parte de Steven Bauer (Chefe da 'FDA Cell and Tissue Therapy Branch'), achei plausível sua cautela diante de uma solicitação de enorme peso: 21.000 páginas! Cabe lembrar também que as abordagens a serem desenvolvidas para vencer a barreira alogênica, mencionadas pelo grupo de Grinnemo e por vários outros, consistem na criação de 'banco' de células embrionárias congeladas, previamente tipadas para HLA, e no desenvolvimento de clonagem terapêutica, ambas sem amparo legal em nosso país. Fora isto, resta a utilização de células-tronco adultas, reprogramadas ou não, obtidas do próprio paciente (células autólogas). Sejamos transparentes e, logicamente, sigamos os ensinamentos do Dr. Yamanaka.