Bob Park é um dos mais antigos blogueiros científicos em atividade. Sua coluna What’s New existe há mais de 20 anos, muito antes dos blogs terem sido inventados. Toda semana ele produz uma ácida crítica a notícias, projetos, ações em geral onde o método científico é ignorado ou mal empregado.
Na sua coluna da semana passada, Bob Park expressou sua surpresa ao saber que a Universidade de Maryland, onde ele é professor, oferece acupuntura em seu serviço de saúde. Convencido de que uma universidade de pesquisa não deve promover medicina baseada em superstições, Bob escreveu à administração da universidade solicitando o fim desses serviços. A resposta foi negativa, com argumentos do tipo “’e um serviço de saúde com procura imensa” ou “universidades de ponta como Berkeley e Harvard também oferecem esse serviço”. Reagindo a essa resposta, Bob propõe que a universidade crie também um serviço de astrologia para os estudantes. Talvez devessem. Numa dessas coincidências que certamente a astrologia explica, provavelmente devido a uma conjunção entre Mercúrio e Netuno, formou-se na semana passada uma ressonância astral entre Maryland e Campinas. O Jornal da Unicamp apresentou uma matéria sobre um livro recém lançado, "A construção da medicina integrativa". O autor é professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (FCM) e militante pela inclusão do ensino de medicina complementar e alternativa no currículo . Mais que isso, segundo o artigo no JU ele coordena o Laboratório de Práticas Alternativas, Complementares e Integrativas em Saúde (Lapacis), um laboratório que não aparece na página da FCM. Fiquei curioso e via Google acabei descobrindo a Liga de Homeopatia da Medicina Unicamp. Sim, isso existe. A chamada para sua página está hospedada no servidor da FCM. Devidamente decorada com os logos da Unicamp e da FCM, pareceria ser um órgão da Unicamp. No entanto, não se encontra menção a essa liga na página da FCM. Parece que a liga é formada por um grupo de professores e estudantes da FCM. É correto eles se apropriarem de ícones oficiais da instituição? Se um grupo de professores criasse a "Liga Machista da Unicamp", teria ela o direito de associar suas idéias a esses ícones?
Na página da liga, (sem os símbolos da Unicamp), há informações curiosas (esclareço que o Milton Lopes que deu a aula inaugural da liga em 2008 não tem nada a ver com o colaborador desse blog!). Uma monografia supostamente científica que está nessa página apresenta entre outras a seguinte "hipótese para o mecanismo de cura homeopático: Teoria vibratória. Todo ser vivo e substâncias emitem energia vibratória, ondas eletromagnéticas. Quanto mais a vibração do remédio for semelhante à vibração do doente, mais perto se chegará da cura. Haverá ressonância. Como se uma onda (do remédio) com determinada freqüência e amplitude interferisse em outra onda (do doente) semelhante." Como costuma ocorrer nas pseudo-ciências, usa-se uma terminologia científica fora de contexto formando um amontoado de afirmações sem sentido. Os seres vivos e as substâncias só emitem ondas eletromagnéticas (na forma de calor) quando estão a uma temperatura superior a seu meio. Não há ressonância alguma entre remédio e ser vivo. Mesmo que houvesse, isso não significaria cura de nada. Curiosamente, o autor não aventa a hipótese de as curas se deverem ao efeito placebo, como já foi largamente demonstrado na literatura
Tomo o exemplo de Bob Park: Deve uma universidade de pesquisa de ponta brasileira usar recursos para pesquisa em práticas médicas que não apresentam um efeito maior que o placebo? Deve uma universidade de pesquisa em nome da liberdade acadêmica emprestar seu prestígio para grupos ou agremiações que promovem pseudo-ciência? Ou será que devemos pensar em abrir o Departamento de Astrologia?
Comentários
Limitar a ciência ao conhecimento atual é abrir mão do espírito científico, da busca apaixonada e inspirada que construiu o edifício que habitamos.
Assim como a Química nasceu da alquimia, muitas disciplinas nascerão dos trabalhos de uns caras meio malucos e arredios que perambulam nas bordas do conhecimento e que, por não entenderem plenamente o que estão fazendo, atribuem os resultados a algum tipo de "espiritualidade".
Viva a UNIVERSIDADE, viva a riqueza do espírito humano, que se reforça de geração em geração.
Saudações discordantes, mas afetuosas,
Moisés de Freitas
Obrigado pelo carinho em sua mensagem.
Concordo em parte. É claro que a ciência mais interessante é aquela que ocorre na fronteira do conhecimento. Foi assim com a supercondutividade a alta temperatura há 20 anos, com o grafeno mais recentemente só para citar exemplos quentes na área de sólidos.
Também acho que o conhecimento não se resume à ciência. Note que em momento algum eu digo para as pessoas não se tratarem com acupuntura ou homeopatia, exceto em situações de risco para elas. O que me incomoda é tratar como ciência hipóteses e idéias que vão contra o que já se sabe bem. É como se alguém aparecesse com uma teoria que explicasse porque as coisas caem para cima. Por mais sedutora que a teoria fosse, ela não seria levada a sério porque é um fato bem estabelecido que as coisas caem para baixo.
Precisamos sim desafiar o conhecimento científico estabelecido. Mas em ciência nossa ousadia precisa estar comprometida com a realidade.
Um abraço pra você!
Leandro
Muito antes dos gregos, os chineses produziam Ciência que pode ser considerada muito mais avançada até que a atual, dado o contexto temporal.
Relegar as ciências medicas orientais ao campo das supertições e do "efeito placebo" é, no mínimo, desconhecimento da História e pouco conhecimento dos complexos mecanismos físico-químicos do corpo humano.
Parabéns à Universidade por se mostrar universal. Resta-lhe apenas não só aplicar a Acupuntura como método terapêutico mas também estudar os mecanismos pelos quais surte efeito, usando os "métodos" da dita "ciência tradicional"
Qual acupuntura? A falsa ou a real? Ambas são excelentes placebos:
http://www.annals.org/cgi/content/abstract/143/1/10
http://archinte.ama-assn.org/cgi/content/short/167/17/1892