Fosfoetanolamina: O Cogumelo do Sol da USP

Como meu amigo Carlos Orsi, inicio por um disclaimer: há aproximadamente uma década perdi uma pessoa muito próxima por causa de um câncer. Como ele, sei bem o que é ser forçado a entender que mesmo com todas as conquistas que tivemos em algumas situações o desenvolvimento científico na área da saúde simplesmente não tem nada a oferecer. Sei muito bem o que é passar por esse sentimento de impotência.


Acho que tudo o que podia ser dito sobre fosfoetanolamina e mais um pouco já foi dito nos últimos dias em blogs e na grande imprensa. Testes clínicos, eficácia, cura do câncer, gênio brasileiro, direito dos pacientes, etc...

Eu quero aqui abordar um aspecto pouco comentado do assunto que me preocupa muito porque está relacionado a como funcionam mal as instituições no estado brasileiro.

Em 2003 o Ministério Público do Estado de São Paulo solicitou a condenação da empresa Cogumelo do Sol Agaricus do Brasil Comércio Importação por propaganda enganosa e abusiva além de danos morais difusos. O requerimento inicial é muito claro em relação ao quanto a publicidade é enganosa:

"A publicidade, portanto, é capaz de induzir o consumidor em erro principalmente pela superficialidade com que trata de dado essencial do produto, qual seja, a de que é alimento e não remédio. E abusiva porque se baseia em depoimentos de supostos consumidores que oferecem relatos de que encontraram verdadeira solução para seus problemas de saúde com o uso do produto, induzindo consumidores que estão fragilizados por sofrerem de alguma enfermidade ou por terem amigos e familiares sofrendo dos mesmos problemas a adquirirem o produto como solução para tais problemas, além do fato desses depoimentos serem ratificados pelos populares apresentadores dos programas televisivos nos quais é normalmente veiculada a publicidade, quais sejam, os matutinos direcionados às mulheres e os vespertinos de variedades. Não bastasse, vale-se de um “simpósio” sobre cogumelos, com participação de um médico e um funcionário da EMBRAPA, o Instituto Brasileiro de Pesquisa Agropecuária, que evidenciam que o Cogumelo do Sol é o melhor dentre os cogumelos, visando, assim, dar reconhecimento científico ao produto, cujas propriedades terapêuticas não são cientificamente comprovadas, tanto é que o produto é registrado no Brasil como alimento ou complemento alimentar. Logo, a publicidade é abusiva na medida em que, utilizando-se dos citados artifícios, visa dar credibilidade ao produto como solução para problemas de saúde, o que pode levar o consumidor a crer em propriedades que o produto não tem, podendo levá-lo a se comportar de forma prejudicial à sua saúde, na medida em que pode deixar de procurar orientação médica ou abandonar tratamentos convencionais para buscar a “solução” no Cogumelo do Sol."

 Em 2014 finalmente a empresa foi multada.

Se trocarmos Cogumelo do Sol por fosfoetanolamina, Embrapa por USP e adaptarmos um pouco, o texto poderia se aplicar ao caso atual.

Infelizmente não foi esse o entendimento do juiz que proferiu ler a sentença que determina que o Instituto de Química de são Carlos (IQSC) da USP deve distribuir a droga, que não tem autorização para uso humano ou veterinário pela ANVISA. A sentença se vale da dissertação de mestrado de Renato Meneguelo como evidência científica; Na verdade, Meneguelo é também coautor de 4 artigos que aparecem no currículo de seu orientador. Todos versam sobre estudos in vitro ou com camundongos.

O que a fosfoetanolamina tem que o Cogumelo do Sol não tem?

  1. Um nome complicado. Princípios ativos que funcionam têm em geral nomes que nos fazem lembrar as aulas de química orgânica. Isso até faz sentido: mesmo que o cogumelo do sol contivesse um princípio ativo interessante, sua concentração no cogumelo dependeria de diferentes fatores como época . Aliás, esse é em geral o caso de princípios ativos presentes em fitoterápicos. É muito difícil saber quanto efetivamente tem de princípio ativo em uma planta ou fungo em particular. 
  2. A USP. Acho que ter envolvido a USP e a forma como a sociedade percebe a universidade pública no Brasil foi determinante para a sentença do juiz.
Nos anos 1990 apareceu uma tal dieta da USP que fez algum barulho nos meios dietéticos. Da USP ela só tinha o nome, pois nenhum departamento ou instituto assumiu a autoria. Nem tinha como, pois ela não foi desenvolvida na USP.

Agora um juiz assume que se a droga vem da USP é porque é boa, nem precisa pássar por testes clínicos.

Imagine um juiz obrigar a Cogumelo do Sol Agaricus do Brasil Comércio Importação a distribuir gratuitamente seus cogumelos, pois não se pode tirar a esperança de pacientes terminais? Foi exatamente isso o que ocorreu com a USP.

Ao contrário do que vem sendo afirmado, fosfoetanolamina não foi inventada na USP. O grupo do IQSC desenvolveu uma nova maneira de sintetizá-la, com um custo declarado de R$0,10 por cápsula.
Desculpem desapontá-los, mas fosfoetanolamina é um composto disponível comercialmente no Brasil. Quem dispor de R$4914,00 pode comprar on-line 500g do produto, entregue em casa (acredito que em função do noticiário recente o vendedor toime algumas precauções antes de entregar). Isso corresponde a R$0,009828 por mg. Não sei quanta fosfoetanolamina está presente nas cápsulas, mas se for 10mg sai por menos de R$0,01. Se for 100mg chegamos a R$ 0,09828, perto do custo declarado pelo professor aposentado da USP. Uma vez de posse do produto, uma balança de precisão e alguma instrumentação qualquer estudante do ensino médio que teve aula de laboratório de química é capaz de encapsular a fosfoetanolamina na dose que bem entender. Então pode ingeri-la com o fim que bem entender: cura para o câncer, resfriado, disfunção erétil, queda de cabelo, lumbago,.. Não seria preciso obrigar a USP a sintetizar e distribuir gratuitamente esse composto.

As pessoas não fazem isso porque fosfoetanolamina tem registro na ANVISA para esses fins. Só o fazem porque acreditam que os tumores vão se dobrar perante o peso da USP. Infelizmente não. Eu adoraria saber que essa molécula realmente cura vários tipos de câncer. Mas isso só acontecerá se alguma equipe conseguir financiamento para realizar os testes clínicos.

A total ignorância de juízes sobre como funciona uma instituição de pesquisa e ensino e as responsabilidades envolvidas causam esse tipo de situação. Sempre me pergunto a quem os familiares dos pacientes terminais vão se queixar se a droga não tiver o efeito esperado. Quem será o responsável? A USP? 

Essa história toda revela como a sociedade brasileira percebe suas universidades. Numa sociedade minimamente letrada cientificamente um juiz não determina que uma universidade deve sintetizar um composto e distribuí-lo gratuitamente a quem o queira. 

A justiça brasileira fez da fosfoetanolamina o Cogumelo do Sol da USP, apesar de institucionalmente o IQSC da USP negar veementemente seus superpoderes. Essa mesma justiça deveria avançar para um desfecho semelhante ao do Cogumelo do Sol.


Agradeço ao Clécio que me chamou a atenção para a disponibilidade comercial da fosfoetanolamina.

Comentários

Clecio1965 disse…
Pois é Leandro e tem gente que ainda usa o artifício de "se não faz bem pelo menos não faz mal". Oras, toda essa loucura coletiva com um judiciário esquecendo a própria legislação e a falsa esperança dos pacientes em relação a algo que não foi testado e nem medicamento é, não é fazer mal a sociedade? Que o povo menos instruído seja levado pelas falsas esperanças e por charlatões, até compreendo. Mas e a parcela com educação, incluindo doutorado, achando que toda essa palhaçada é uma revolução da saúde contra as empresas farmacêuticas e toda a "conspiração" capitalista? Parece que seguimos na Idade Média e a turba inculta segue enfurecida. Nessa palhaçada toda só falta um movimento para queimar os livros médicos e outros mais.
Deverson disse…
Olha querido, o que vejo é um grupo de médicos com medo de perder sua mina de ouro...não ouvi dizer que alguém foi curado por esse marcador chamado fosfoetanolamina, eu vi alguém ser curada!!! A Anvisa que não libera esse medicamento por dizer proteger as pessoas, é a mesma que libera produtos milhares de vezes pior, como o próprio leite longa vida, cheio de soda e outros produtos maléficos... mas enfim, vejo se repetir a mesma história se repetir, a industria farmacêutica impondo seu poder, não preocupada com o povo, mas sim com o ganho próprio.
Anônimo disse…
Se a fosfoetalomina pode ser maléfica para as pessoas porque não tem pesquisas científicas suficientes, o que dizer da quimioterapia que é "legal" mas que é uma droga que devasta muito mais o organismo do que trata e muitos pacientes terminais nem resistem até o final das torturantes sessões???
Quais seriam os males causados pelo uso da fosfoetalomina??
Quais são os males que a quimioterapia causa?
Pra mim realmente a indústria farmacêutica não quer perder o seu "pequeno faturamento".
Anônimo disse…
A questão não é se a fosfoetanolamina é maléfica. Trata-se, antes, de confirmar que ela tenha eficácia, que ela de fato cure câncer, de forma melhor aos tratamentos que existem atualmente. Quanto à quimioterapia, concordo que muitas vezes é mal indicada, por vezes sem informar a real probabilidade de cura e a taxa de efeitos adversos. Só que esse argumento não minimiza a necessidade de se avaliar a eficácia da fosfoetanolamina. Apenas nos mostra que há doenças nas quais não há tratamento efetivo, pela medicina ocidental. E nisso muitos médicos, por medo de serem considerados inferiores, podem indicar tratamentos que não sejam efetivos ou cujos efeitos sejam intoleráveis, tendo em vista a eficácia. Está arraigada em nossa cultura a mentalidade do médico ativo, no qual fazer algo (mesmo que sem eficácia) é melhor que não fazer nada (apesar de ser a melhor opção em alguns casos).
Heraldo disse…
Dizem que a fosfoetanolamina não tem registro na ANVISA.
Veja medicamento usado para vários tipos de câncer, vendido no Brasil e com registro na ANVISA.
CAELYX 20 mg
Laboratório: Jansen Cilag Pharmaceutica Ltda.
Contém, dentre outras, a susbtância FOSFOETANOLAMINA.

9/2/17
Rafael Roldan disse…
Este comentário foi removido pelo autor.