A eleição de 2014 e os 271 átomos do presidente

Em várias ocasiões o presidente Bolsonaro afirmou que as eleições com urna eletrônica, como a que ele mesmo ganhou em 2018, foram fraudadas. Ele afirmou ter provas da fraude mas nunca as tornou públicas. Recentemente passou a apontar fraudes também nas eleições de 2014, vencidas no segundo turno por Dilma Rousseff contra Aécio Neves. O próprio Aécio e seu vice, Aloysio Nunes Ferreira, negam a possibilidade de fraude.

 


Em uma entrevista em seu cercadinho em 9/7/2021, o presidente apresentou o que considera as provas da suposta fraude.

Em 2014 se mostrou apuração minuto-a-minuto. Obviamente vocês não tiveram acesso. No minuto a minuto no segundo turno, o Aécio Neves começou lá em cima e Dilma lá em baixo. Com o tempo as curvas foram se cruzando até que se estabilizaram na horizontal com a Dilma na frente. Agora, no minuto a minuto, por 271 vezes consecutivas, dá para imaginar 271 vezes minuto a minuto? Dá quatro horas e pouco, minuto-a-minuto. Depois que as curvas se tocaram ou mesmo antes de se tocarem era Aécio ganhou, Dilma ganhou, Aécio ganhou, Dilma ganhou, Aécio ganhou, por 271 vezes. É como vocês jogarem uma moeda 271 vezes para cima e dar cara, coroa, cara, coroa, cara, coroa...  Isso deve ser a quantidade de átomos aqui na Terra. Então isso é fraude. É fraude. É roubalheira.

Vamos agora entender o que o presidente quis dizer e porque sua "prova" de fraude não faz sentido. Provavelmente alguém fez a conta para o presidente, ele não entendeu nada e repetiu o que entendeu. Eu imagino que mesmo uma pessoa com dificuldades cognitivas deve saber que o planeta Terra tem mais de 271 átomos. É difícil sabermos com precisão quantos átomos temos na terra, mas todos sabemos que átomos são muto pequenos e certamente o planeta tem mais de 271 átomos. Uma boa estimativa é algo entre 10.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 e 100.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000. Para evitar confusão, os cientistas costumam expressar números muito grandes como esses (ou muito pequenos) na chamada notação científica. Nesse caso, entre 1049 e 1050, ou seja, entre 1 seguido por 49 zeros e 1 seguido por 50 zeros. Isso é bem mais que 271, ou 2,71 x 102. Na verdade entre 47 e 48 ordens de grandeza mais. É tanta ordem de grandeza que é difícil entender o quanto isso está errado.

Apesar de sua enorme dificuldade para expressar um conceito simples, o presidente provavelmente estava se referindo à probabilidade de ao jogar uma moeda honesta 271 vezes, obter uma determinada sequência de caras e coroas, no caso alternando caras e coroas. Não é difícil de calcular o resultado. Cada vez que jogamos a moeda temos 1/2 de chance de obter um determinado resultado. Ao jogar 271 vezes a probabilidade de uma sequência em particular é 1/2271 que corresponde a 2,6 x 10-82, ou seja, 1 em chance em 3,8 x 1081, realmente mais do que a quantidade de átomos na Terra.

O que está muito errado no raciocínio do presidente é achar que o andamento da contagem de votos equivale a uma sequência de caras-ou-coroas. Tomemos como verdadeiro o relato do presidente, mesmo na ausência de provas de que o líder mudou a cada minuto durante 271 minutos.

O resultado da contagem de votos a cada minuto depende somente do resultado das urnas contadas naquele minuto. A probabilidade de se obter uma dada sequência de líderes a cada minuto só depende disso. Bastaria a sequência das urnas ser diferente para que a sequência fosse outra, com a mesma probabilidade. Os dados oficiais do TSE mostram um resultado diferente do mencionado pelo presidente. O líder na totalização só mudou uma vez, às 19:32h. Isso só ocorreu porque no início da apuração foram contadas mais urnas nas quais Aécio teve mais votos. A sequência dos resultados em função do tempo não tem significado algum exceto revelar a sequência em que os dados foram totalizados.

A suposta mudança do líder a cada minuto não significa absolutamente nada e certamente não pode ser considerada evidência de fraude num país sério.

A suspeita de fraude mencionada pelo presidente não passa de mais um delírio.


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