Acupuntura na USP

A Unicamp não é a única universidade de pesquisa brasileira em que os adeptos da Medicina Complementar e Alternativa buscam validar suas crenças. Na seção Vida& do Estadão de 16/06/2008 uma reportagem conta maravilhas de um estudo feito na USP que demonstrou que "Meia hora de sessões de acupuntura três vezes por semana nos mesmos dias da aplicação foram suficientes para acabar com as dores, náuseas, vômitos e desconforto provocados pelo tratamento [quimioterápico] - e que tanto incomodam pacientes com câncer". Que ótimo. Pareceria que os efeitos colaterais da quimioterapia finalmente têm um paliativo barato, relativamente seguro e fácil de obter. Não parece bom demais para ser verdade enquanto milhões de pessoas sofrem todos os dias com esses efeitos colaterais? Infelizmente na reportagem não há referência a uma publicação científica relatando o tal estudo. Busquei algum artigo do Dr. Wu Tu Chung, o responsável pela pesquisa da USP, no Google Acadêmico e não encontrei nada. Mau sinal. Então busquei seu currículo no sistema Lattes, onde estão cadastrados virtualmente todos os pesquisadores brasileiros. Nada consta. Pesquisei então na página da USP e descobri que trata-se da tese de doutorado do Dr. Chung.
Infelizmente, ao contrário da minha expectativa inicial, o estudo do Dr. Chung não é conclusivo. Ele cometeu um dos erros mais freqüentes nesse tipo de trabalho: não considerou o efeito placebo, já discutido (superficialmente, reconheço) em um texto anterior. O Dr. Chung comparou 3 grupos de pacientes: grupo A tratado com um antiemético convencional, grupo B com antiemético convencional e acupuntura clássica e grupo C combinando antiemético convencional e acupuntura auricular. Faltaram os grupos D: placebo convencional, E: placebo + acupuntura convencional e F: placebo+acupuntura auricular. Poderia sofisticar com o grupo G: antiemético+falsa acupuntura (acupuntura evitando os pontos por onde supostamente passam os meridianos). Somente comparando com grupos de controle placebo em um estudo duplo cego randomizado seria possível afirmar qualquer coisa sobre a eficácia do tratamento. Há ainda outro problema metodológico: os grupos de pacientes são demasiado pequenos (cerca de 20 pessoas) para obter significância estatística.
O estudo do Dr. Chung demonstrou mais uma vez que há um efeito placebo associado à acupuntura, o que já estava fartamente documentado. Para quem quer saber mais recomendo o livro Snake Oil Science, de R. Barker Bausell.
Para piorar, o artigo revela que outra universidade de pesquisa, a UNIFESP mantém um Setor de Medicina Chinesa e Acupuntura. Um membro da "Comissão Intersetorial de Práticas Integrativas e Complementares" conta que o SUS realizou 700 mil atendimentos de acupuntura e homeopatia em 2 anos. Ele ainda enaltece o fato de que essas técnicas "têm custo menor que as práticas tradicionais e têm resultados comprovados". Curiosamente a literatura científica séria nunca publicou uma única comprovação de que essas técnicas apresentam efeito superior ao placebo. Se consideramos isso, concluímos que a relação custo/benefício dos tratamentos alternativos é muito inferior aos tratamentos comprovados cientificamente.
Não tenho nada contra algumas pessoas preferirem os tratamentos complementares e alternativos. Cada um é responsável pelo que faz com sua própria saúde. Só que é feio (para não usar uma palavra mais forte) os adeptos dessas práticas apresentarem ao público leigo uma eficácia inexistente, baseada em estudos metodologicamente falhos, numa linguagem pseudo-científica rebuscada.

Comentários

Anônimo disse…
Muito bem colocado. É uma pena que os jornais facilmente divulgam este tipo de estudo sem alguma consultoria especializada.
Anônimo disse…
Olá achei adequado muitos dos seus argumentos, principalmente em relação ao papel da imprensa ao divulgar determinadas notícias .

No entanto, para enriquecer suas dissertações sobre os temas de saúde é fundamental pesquisas em alguns bancos de bases clássicos, como Cochrane Database Syst Rev. e Pubmed.
http://mrw.interscience.wiley.com/cochrane/clsysrev/articles/CD002285/frame.html

Sobre estatistica, em acupuntura é realmente dificil quantificar o efeito placebo.
Atualmente há uma tendência em utilizar Ensaios N-de-1. Nesses ensaios, um paciente submete-se a pares de períodos de tratamento
organizados de forma que um período envolve o uso do tratamento experimental e outro envolve
o uso de um tratamento alternativo ou placebo. O paciente e o médico estão cegos, se possível,
e os desfechos são monitorados. Períodos de tratamento são replicados até que o clínico e o
paciente estejam convencidos que os tratamentos são definitivamente diferentes ou definitivamente não diferentes. (n-of-1 trials.

espero que possa ter engrandecido a discussão.
Maike Heerdt
Caro Mike,
Muito obrigado pelo comentário. Eu tenho usado a Pubmed, mas não o Cochrane Database porque seu acesso é restrito (eu tenho através de minha intituição, mas a maioria das pessoas não tem).
É importante também mencionar que os relatórios Cochrane vêm evitando chegar a uma conclusão definitiva. Em assuntos controversos como acupuntura há sempre ressalvas e indicações de que "mais estudos são necessários", ou seja, até agora os resultados são inconclusivos. Em particular no relatório que você indicou eles dizem também claramente que os estudos considerados não envolvem controle por placebo. Para um cético ciente da existência do efeito placebo isso desqualifica os estudos. Não há nenhum motivo fundamental para não fazer controle por placebo em estudos como esses.
De qualquer forma, sua observação é muito pertinente. Obrigado.
Anônimo disse…
Caro Leandro,

Se voce se apoia tanto em evidencias cientificas, entao sugiro que passe a levantar a bandeira de que infartos devem ser tratados apenas com Aspirina (75 a 300 mg), e em casos de muita demora do diagnostico, nao tratar, pois as evidencias demonstram baixa chance de melhora...
Lanço também um desafio: que chegue a uma "conclusão definitiva" sobre QUALQUER assunto. Qualquer. Se voce realmente é um cientista ou se considera como tal, por favor, aguardo resultados "definitivos".
Na Ciencia não existem "verdades", apenas dúvidas. Espero que entenda numa boa.
Caro Anônimo,
Obrigado pelo comentário. Sinceramente não entendo sua sugestão. Não há evidências científicas que recomendem tratar infartos apenas com aspirinas. Há evidências de que o efeito anti-coagulante da aspirina contribui para a prevenção do infarto. Isso não corresponde a dizer que alguém deva tratar infartos só com aspirinas.
Não entendo também sua sugestão em relação a resultados definitivos. A ciência avança rapidamente com novos resultados suplantando os anteriores. Nenhum resultado científico pode ser considerado definitivo, mas isso não significa que resultados negativos devam ser repetidos para sempre.
Um abraço!
Leandro
Unknown disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse…
Olá1
Por favor.
Comecei a fazer tratamento com acupuntura hoje.
Achei muito mistico as informações que me passaram antes de iniciar o tratamento.
Afinal, acupuntura é realmente comprovada cientificamente?

Flaviano